Economia, orçamento público e transporte, por Juliano Goularti e Alcides Goularti Filho

Sem mercado, a capacidade de uma região captar recursos públicos para infraestrutura de transporte é mínima. E, sendo o investimento de transporte uma demanda da produção e circulação de mercadorias e de acessibilidade de pessoas, as diferenças regionais dos ‘espaços vazios’ passam também a ser diferenças sociais

do Brasil Debate

Economia, orçamento público e transporte

Juliano Giassi Goularti e Alcides Goularti Filho

No setor de transportes, temos construção da malha rodoviária, portos, aeroportos e ferrovias e o aproveitamento das vias navegáveis. Na área logística perpassa o sistema de geração, transmissão e distribuição de energia, toda rede de abastecimento de água, saneamento e outros serviços públicos determinantes para a reprodução da existência humana.

Numa perspectiva econômica, a infraestrutura transporte e logística vem no sentido de solucionar problemas, remover barreiras físicas e permitir o livre desenvolvimento das forças produtivas.

Ao final de cada intervenção, surge uma nova estrutura totalmente distinta da que existia no início, que trará novos problemas que exigirão novas intervenções mais complexas, de modo a provocar a demanda por novos investimentos.

Nos últimos anos, os sistemas de transportes terrestres, ferroviário, portuário e rodoviário ganharam reforço do governo federal com a retomada da capacidade de investimento da União. No recorte 2003-15, o orçamento da função transporte passou de R$ 5,7 bilhões em 2003 para R$ 24,6 bilhões em 2015.

Atendendo às novas demandas de circulação de mercadorias e de pessoas, a viabilidade de se consolidar novas linhas de exportação/importação e novas vias de comunicação para tráfego de pessoas necessariamente passa por vultosos investimentos em infraestrutura logística.

Porém, a relação entre orçamento autorizado e pago, ao revelarem os interesses públicos para transformar a estrutura de produção preexistente, apresenta graves disparidades. O máximo e mínimo do pago em relação ao autorizado foi 46,9% em 2014 e 29,0% em 2008 – ano seguinte à detonação da crise internacional.

 

De fato, chama a atenção para a baixa relação entre o orçamento autorizado e pago, sendo que a média aritmética simples do período é 39,76% – diga-se, uma média muito baixa. Dentro do desdobramento da função transportes (ferroviário, hidroviário, marítimo, rodoviário, portuário e aéreo), o transporte rodoviário, seguido do ferroviário, é o que detém a maior participação de recursos federais.

Do montante dos recursos públicos destinados aos projetos estruturantes da pasta, a região Sudeste do país é a que tem a maior relação autorizado e pago, 34,4%, seguida das regiões Centro-Oeste, 33,3%, Norte, 27,8%, Sul, 25,4% e Nordeste 24,7%.

Se, por um lado, o Estado que obtém a maior participação do orçamento federal de transportes é Minas Gerais, seguido de Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia, por outro, os Estados que detêm a menor participação dos recursos federais são Roraima, Amapá, Distrito Federal, Piauí e Espírito Santo.

 

No conjunto dos investimentos, não há uma regularidade linear na relação entre pago e autorizado. Essa situação de volatilidade certamente prejudica a maturação de investimentos estruturantes que geram encadeamentos, tanto no curto como no longo prazo. A crise financeira de 2007 e o ajuste fiscal em 2014 levaram a uma queda nessa relação em 2015, o que mostra quão frágil é a decisão de cumprir os investimentos programados.

Para tanto, o ponto reflexivo é que o território que é definido por e a partir de relações de poder é instrumentalizado pelos investimentos de transportes que renovam sua materialidade, isto é, os investimentos estruturantes em infraestrutura de transportes comandados pelo governo federal ao mesmo tempo em que valorizam o território também o desvalorizam. Deste modo, a disponibilidade de mercado é decisiva para tomada de decisão do investimento público.

Não havendo um mercado regional, nacional ou internacional, a capacidade de uma região captar recursos públicos para infraestrutura de transporte é mínima. Por isso, sendo o investimento de transporte uma demanda da produção e circulação de mercadorias e de acessibilidade de pessoas, as diferenças regionais dos “espaços vazios” passam também a ser diferenças sociais.

Os investimentos ao marcarem presença passam a estabelecer relações de poder criando condições para a reprodução da existência do território. O que há em comum na relação social entre território e investimento é que os investimentos comandados pelo governo federal não somente afirmam o uso território enquanto território, como também o configuram enquanto uma totalidade que condensa passado e presente, real e virtual, tangível e intangível num mesmo instante.

Neste caso, o volume de investimento federal depende, por sua vez, da prioridade de assegurar o fluxo de abastecimento das mercadorias, assim com sua reprodução e circulação, como também a mobilidade de pessoas no seu direito de ir e vir.

A análise sobre investimentos em transportes não deve restringir-se ao exame de seu encadeamento, mas deve incluir, necessariamente, a análise do setor e das frações de classes interessadas no investimento público. De modo geral, o desenvolvimento da infraestrutura ao longo da história dos transportes no Brasil é uma relação definida por e a partir de relações de poder que se relaciona com estratégias de frações de classes localizados nos principais espaços econômicos do país, que a implantam e dela se utilizam.

Juliano Giassi Goularti – É doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

Alcides Goularti Filho – É professor da UNESC e doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp

 

Redação

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