Xadrez da batalha final contra o fascismo, por Luis Nassif

É perda de tempo discussões conceituais sobre se o bolsonarismo é um movimento fascista ou não.

Peça 1 – o Estado e os grupos políticos

Pode-se dividir os eleitores em grupos regionais, de renda, de faixa etária. Mas, para cálculos eleitorais, as divisões principais são em relação a seu relacionamento com o Estado. E, em parte, com a pauta moral.

Grosso modo, há 5 grupos:

Grupo 1os donos da política monetária e fiscal

Entram aí o mercado e os grandes grupos econômicos.

Grupo 2 – os sócios do Estado. 

Corporações públicas que conseguiram se apropriar do Estado, na forma de privilégios salariais e de Previdência, como o Judiciário e as Forças Armadas.

Grupo 3 – os dependentes do Estado. 

Usuários do Sistema Único de Saúde, estudantes da rede pública, beneficiários de programas sociais. São essencialmente eleitores de Lula.

Grupo 4 – os sem-Estado. 

Entram aí especialmente pequenos e médios empresários, classe média urbana ou de pequenas cidades, e que acabaram se tornando base do eleitorado bolsonarista. Na outra ponta, entram movimentos sociais. A sorte da democracia foi o aparecimento de uma liderança popular como Lula, que colocou a maioria dos movimentos sociais debaixo da asa do PT. Caso contrário, haveria a reedição da selvageria descontrolada dos bolsonaristas.

Grupo 5 – as organizações criminosas, infiltradas no Estado. 

Os principais representantes são o PCC (Primeiro Comando da Capital) atuando em São Paulo e as milícias atuando no Rio de Janeiro, ambas se expandindo para outros pontos do país.

Peça 2 – as formas de atuação do Estado

O Estado interfere na vida dos cidadãos através de três formas específicas. E nas três recorre a políticas regressivas e concentradoras de renda.

1. Atuação direta.

São os serviços públicos oferecidos diretamente pelo Estado. Há uma redução gradativa nos gastos com saúde, educação, segurança, financiamento da tecnologia e redução dos direitos da Previdência.

2. Políticas monetária e fiscal.

Dois instrumentos centrais para concentração de riqueza no país. Historicamente, a política fiscal é regressiva, taxando mais pesadamente os pobres do que os ricos. E a política monetária, com o modelo de metas inflacionárias, se transformou em um sorvedouro de recursos para o mercado financeiro.

3. Formas de regulação

Ponto pouco analisado são os modelos de regulação no país. Com algumas poucas exceções – como o MEI (Microempreendedor Individual) -, pequenas e médias empresas são submetidas ao mesmo aparato burocrático das grandes corporações. Tem pouco acesso a crédito barato, foram completamente esquecidas pelas políticas públicas.

Mais, os órgãos de controle da competição, como o CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) permitiram a cartelização de setores tradicionalmente ocupadas por pequenas e médias empresas, grandes empregadoras, como o setor farmacêutico e as padarias.

Peça 3 – as políticas públicas

A partir daí entenda os impactos das políticas públicas sobre os cinco grupos:

Grupo 1 – os donos das políticas monetária e fiscal

Ganham com a política monetária e cambial do Banco Central, com a atuação suspeita do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico), permitindo a concentração de setores. São beneficiados também pelo modelo tributário, compassivo com ganhos de capital, e pela ampla liberdade de entrar e sair com capitais do país. Apropriaram-se dos principais órgãos regulatórios do país e das maiores estatais. 

Os ganhos de acionistas da Petrobras – com a mudança administrativa do modelo de fixação de preços – e da Eletrobras – com o corte de investimentos para engordar dividendos e com a possibilidade de colocar a energia contratada no mercado livre – terão impacto direto sobre consumidores de todo o país, especialmente os de baixa renda e pequenas e micro empresas.

Grupo 2 – os sócios do Estado

Ganham com salários, aposentadorias, portas giratórias, além das alianças individuais com partidos políticos. São, especialmente, as corporações jurídicas, militares e, de algum tempo para cá, órgãos de controle, como a AGU (Advocacia Geral da União) e CGU (Controladoria Geral da União). O governo Bolsonaro abriu uma avenida para o lobby militar.

Grupo 3 – os dependentes do Estado

É o público do SUS, da escola pública, os desassistidos de periferia, os órfãos da Previdência Social, os beneficiários dos programas assistenciais, os sem teto, sem comida. São asfixiados pela redução de recursos dos programas públicos e pela tributação de bens de consumo essenciais.

Experimentaram avanços nos últimos anos, com as cotas sociais e raciais, o acesso às universidades e a alguns setores públicos. E um enorme retrocesso no período Temer-Bolsonaro.

Grupo 4 – os sem-Estado

Entram aí não apenas os miseráveis, mas parte expressiva da baixa classe média urbana, pequenos e médios empresários, funcionários de grandes corporações. No plano tributário, são pressionados pelos impostos sobre consumo e por uma regulação que não diferencia pequenas e grandes empresas. Têm dificuldade de acesso ao crédito, enfrentam a concorrência das grandes redes, temem a perda de status social e econômico e qualquer mudança nas rotinas diárias. Esse medo de mudanças foi se acentuando com as grandes transformações econômicas e tecnológicas, tornando-os mais conservadores e com uma dose enorme de preconceito social – como forma de esconder o medo pânico de perda do status social e econômico.

Grupo 5 – as organizações criminosas

No Congresso, estão escondidas atrás das verbas do orçamento secreto. Há ligações óbvias de organizações internacionais – como a máfia dos cassinos, das armas – com o bolsonarismo. E, internamente, a atuação de duas organizações, o PCC, atuando em São Paulo, e as milícias, no Rio e umbilicalmente ligadas aos Bolsonaro. Sem contar parte de templos ligados à lavagem de dinheiro, valendo-se dos sistemas de isenção de que gozam.

Peça 4 – o caminho para o fascismo

É perda de tempo discussões conceituais sobre se o bolsonarismo é um movimento fascista ou não. Na fase pré-tomada de poder, Mussolini, Hitler e outros déspotas seguiram o mesmo caminho, de destruir a democracia por dentro, através do processo eleitoral, do discurso moral alicerçado em pactos com igrejas de várias religiões e grande empresariado. Ou seja, o bolsonarismo está no mesmo estágio do nazismo e do fascismo italiano antes do golpe final contra as instituições.

É evidente que, na eventualidade de vitória de Bolsonaro, com a base parlamentar formada, com a adesão das Forças Armadas, não haverá mais nenhuma instituição operando como freio e contrapeso. Será a pior ditadura da história, porque sem projeto de país e nas mãos de parceiros das milícias e do crime organizado.

A grande batalha pela redemocratização ocorrerá não apenas nas eleições, mas – em caso de vitória de Lula – por um amplo trabalho não apenas de reconstrução do país, mas de mudança radical nos sistemas de decisão.

O grande pacto nacional será em torno de alguns pontos de consenso: combate à fome e à miséria, reforma tributária progressiva, geração de emprego e crescimento. Mais que isso, terá que haver um exercício nacional de colaboração e participação nos três níveis de interferência estatal: a atuação direta, as políticas monetária e fiscal e as formas de regulação.

O instrumento principal é o modelo das conferências nacionais, que começam nos municípios, se adensam nos encontros estaduais e se fecham na grande conferência nacional. O grande desafio será ampliar seu escopo, dos temas federativos e sociais, para questões ligadas ao pequeno empreendedorismo, ao papel dos municípios e estados.

E, principalmente, articular as grandes redes públicas e privadas de organizações com abrangência nacional, como associações comerciais, estruturas das federações empresariais, centrais sindicais, redes de bancos públicos, estrutura dos Correios, estrutura das Fundações de Amparo à Pesquisa, cooperativas agrícolas, Movimento dos Sem Terra.

O grande pacto nacional poderá criar constrangimento em relação a temas sem consenso. Mas o aprofundamento da democracia será peça essencial para o aprendizado democrático brasileiro.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Luis Nassif

18 Comentários

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  1. A ligação de igrejas ao crime precisa ser enfrentada sem medo assim como o partido da imprensa golpista precisa ser tratado como é, um partido de oposição

  2. O Bol$onaro tá baratinado. Estou vendo aqui uma notícia de ontem do Estadão segundo a qual Bolsonaro aposta em maior abstenção no segundo turno, pois sua campanha avalia que Lula pode ter menos 3% de votos no segundo turno. Agora acabo de ler outra matéria segundo a qual Bostonaro faz apelo para eleitores comparecerem e votarem no segundo turno, pois, de acordo com ele, “se você não votar em ninguém, quem vai decidir o futuro do Brasil vai ser outra pessoa”.
    Não existem ventos favoráveis para quem não sabe para onde ir.
    Afinal, devo deixar de votar, mesmo não estando enfermo nem fora do meu domicílio eleitoral, conforme dispõe o Código Eleitoral?

  3. Sou pessimista. Os exemplos da Itália e da Alemanha não são bons, pois foram processos fascistas não interrompidos, e sim que avançaram e produziram as desgraças que bem conhecemos. Acho que o Brasil segue orgulhosamente essa marcha da insensatez. Então, infelizmente, vamos precisar dar mais passos em direção ao inferno até que esse processo se esgote. Ainda não estamos maduros para ter um compromisso efetivo com a democracia.

  4. Existe um candidato de sp boa pinta,jeitão de professor educado q os jovens (foram e serão o fiel da balança nas eleições devido aos zaps,faces e etc… da vida)ADORARIAM SABER OS SEUS FEITOS EDUCACIONAIS E OPORTUNIDADES GERADAS DEVIDO A ISSO, além de ser um gestor diferenciado e eficiente,abaixo à c.ovidee!!viva soauloooo !!!

  5. “Mais, os órgãos de controle da competição, como o CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) permitiram a cartelização de setores tradicionalmente ocupadas por pequenas e médias empresas, grandes empregadoras, como o setor farmacêutico e as padarias.” Seis dono de padarias conjugadas a mercearias e sete de farmácias que ainda permanecem no ramo, meus amigos, todos são bolsonaristas de carteirinha. Fechados a qualquer nesga de argumento. E isso construído de 2013 até 2018. De lá para cá só confirmação. É uma religião.

  6. Um bom exemplo de cartelização foi o CADE aprovar a comprar da Antarctica pela AmBev, praticamente monopolizou o setor a um grupo privado q posteriormente mudou sua sede ao exterior e mexeu os seus pauzinhos no golpe contra a Dilma/Lula/pt desequilibrando ENORMEMENTE nossa nação a favor da ditadura,a favor dos q dizem q quer ordem e progresso e fazem somente desordem e regresso(maçonaria) a favor dos lucros,a favor dos ditos ilibados,a favor dos reformistas do estado,um estado famélico com o seu povo escravizado e famélico só se mantém com autoritarismo e muita mentira maçônica de serem éticos mas passando a perna em meio mundo,se a crítica for de serem autoritários dizem q são democratas é assim desde sempre na história do Brasil,o mal são os outros,sempre são santinhos do pai ovo,tentaram jogar muito b.o no colo de Bolso só q não colou pq o Bolso não deixou,é bom de briga esse doidão !!!

  7. SAIU A PESQUISA!!AGORA LULA JÁ GANHOU!!OBS.:MELHOR TODOS VCS SE UNIREM SENÃO LULA GANHA DE LAVADA,LEMBRAM DO NETINHO ESQUERDISTA?QUASE GANHOU PRO SENADO E PRECISOU POR MUITO MEDO E A “DIREITA”SE UNIR!POIS É!AGORA A MESMA COISA,LULA JÁ TÁ LÁ,MELHOR DESACREDITAREM AS PRSQUISAS(DIREITA E ESQUERDA)

  8. Precisamos Aprovar uma Reforma Tributária Justa e Solidária, para garantir Recursos para implementar Políticas Públicas que gere Trabalho, Emprego, Renda e Governabilidade para Lula.

  9. Bom dia, Nassif. Meus cumprimentos pela inteligente forma de auditar a realidade política em movimento. Tomara que os líderes partidários e dos movimentos sociais, os parceiros da mídia
    alternativa repercutam e discutam seu XADREZ DA BATALHA FINAL Duas décadas futuras nos
    aguardam, principalmente as gerações de filhos e netos. A crise do sistema capitalista com seus
    instrumentos autoritários e aéticos de enfrentamento, geradores de réplicas do fascismo, do nazismo, etc., enseja a oportunidade da força da inteligência confrontar a inteligência da força. O mundo multilateral deverá prosperar. As versões modernas da Revolução Chineza e da Rússia, pós-URSS,
    serão a garantida para os povos periféricos rebelarem.

  10. “É evidente que, na eventualidade de vitória de Bolsonaro, com a base parlamentar formada, com a adesão das Forças Armadas, não haverá mais nenhuma instituição operando como freio e contrapeso. Será a pior ditadura da história, porque sem projeto de país e nas mãos de parceiros das milícias e do crime organizado.”

    Nassif foi preciso na sua avaliação. Todavia, há algo mais que precisa ser dito.

    Se vencer, Lula será um presidente cercado de inimigos por todos os lados. Ele só conseguirá algum fôlego para restaurar a credibilidade da democracia se não for esmagado pela imprensa. Até a presente data o “quinto poder” funcionou como “quinta coluna” do autoritarismo. Nem mesmo o perigo da vitória de Bolsonaro fez a Rede Globo desembarcar do projeto neoliberal desdemocratico iniciado em 2016. Não creio que Lula terá do clã Marinho a mesma simpatia dispensada a Bolsonaro.

    A construção ou destruição das condições de possibilidade do fascismo continuará nas mãos do PIG. Esse é um problema que precisa ser percebido e devidamente equacionado.

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