O “toma-lá-dá-cá” da delação premiada e da denúncia anônima

Por xacal

Nassif,

Há, por motivos óbvios, uma tentativa de reduzir esta discussão a aspectos “morais”. A lucidez de Nilo Batista joga um pouco de luz, e foi bem percebida pelo Maurício Dias.

É óbvio que um pouquinho de manipulação é cediço na defesa do interesse, e assim, Nilo e Mauricio nos omitem nomes que defendem a tese contrária a deles, mas isto é detalhe.

O sistema policial-judicário-criminal brasileiro sofre, como já disse aqui, em outras oportunidades, de um oligofrenia clássica: Tem um estamento normativo constitucional garantista, e uma legislação processual e penal arcaica e elitista, que somadas a escolha de classe dos sistemas policiais, resultam naquilo que já cansamos de repetir: prisão para os pretos, pobres, e analfabetos.

Como policial civil sempre me arrepiei com a delação premiada, e mais, com a institucionalização de sua irmã-siamesa: a denúncia anônima, que pasmem, no meu estado, RJ, é gerenciado por uma entidade privada, ou semi-privada (a ONG do Zeca Borges), que manipula e filtra as informações sobre crimes, estipulando “recompensas” em dinheiro, e determinando o que as forças do Estado irão investigar, em uma estranha e perigosa promiscuidade, que tem outros exemplos em tons mais dramáticos nos demais setores desta “indústria”, como a proliferação de empresas privadas de segurança, o assédio de seguradoras sobre as forças policiais, etc.

Precisou a operação Castelo de Areia para que o instituto denúncia anônima fosse questionado, e a ação trancada, soterrando junto o valor desta denúncia como justa causa para movimentar o aparato persecutório estatal.

Até bem pouco tempo, convivíamos com mandados de busca e apreensão em domicílios baseados nestas notícias anônimas.

E o caso em tela nem tratava desta distorção, porque o IP e a ação processual nem se baseou na notícia anônima, mas na investigação que tal indiciação anônima ensejou mas porque os clientes eram empresários-tubarões da construção civil, valeu o argumento que até então não valia.

Mais uma vez fizemos “justiça”, só que pelos motivos errados para clientes “certos”, ou melhor,  para “certos” clientes.

Ali, nessa ação que atingia empreiteiros poderosos, a notícia anônima foi varrida, embora toda a investigação, buscas, etc, tenha se dado dentro do escopo constitucional, e não somente com base no anonimato das acusações, como argumentaram os caríssimos advogados, que afinal, triunfaram.

Enfim, o sistema penal assumiu por anos a lógica que a CRFB proibe: é livre a expressão, mas vedado o anonimato.

Mas esperou anos e caros argumentos para tanto, e pior: por motivos, como já dissemos, equivocados.

Bom, a delação premiada, instituto ao qual também sou contrário, merece um pouco mais de atenção: Não se trata de premiar simplesmente o dedo-duro, mas de possibilitar reduzir sua pena admitindo que sua revelação trará a luz novos crimes que o Estado não descobriria, salvo sua colaboração, ou seja, isto tem que ser provado, até que o juiz decrete o benefício na sentença.

Alguém disse aqui e é verdade; É o Estado assumindo que aquele tipo de crime, da forma como é praticado e, ou por quem é praticado, reduz as chances do Estado de revelá-lo a censura da sociedade e ao julgamento, o que implica em, entre a impunidade e um julgamento negociado com um dos criminosos, fica-se com a segunda.

Mas é bom repetir: O que diz o “arrependido” tem que trazer aos autos, sob a égide restritíssima da PROVA INCONTESTE, e não a mera presunção, fatos que a corte não tinha conhecimento, e que, reconhece-se, não  o teria sem a “ajuda” do “colaborador”.

Eu temo, como policial, que a adoção deste instituto porque ele tem um problema paradoxal em sua gênese: como coinciliar o compromisso legal da testemunha(a verdade) com o direito fundamental do réu (poder mentir) na sua defesa?

O que é um arrependido: uma testemunha ou corréu? Como as outras defesas repelem seus testemunhos?

Ao aplicarmos o instituto poderemos dar às versões mentirosas sobre si mesmo(o reú-testemunha, o arrependido), e sobre seus cúmplices, o condão da verdade formal dos autos.

Sim, porque um chefe de quadrilha, pode, inclusive em um acordo com seus cúmplices de hieraquia inferior, atribuir a estes a hegemonia na estrutura criminosa sobre a qual se investiga, na medida que, como chefe do grupo, ele detém informações que lhe permite manipular o relatório sobre estes acontecimentos. 

São estas e outras questões que devemos abordar.

O caso de Marcos Valério e o MPF nem merece ser tratado sob este espectro.

Em tempo: Não deveria causar surpresa o “vazamento” do depoimento. Isto não é um comportamento excepcional, é antes um modus operandi ao redor do país inteiro.

É uma escolha “gerencial”(de política-institucional): Corro o risco de vazar e ser punido?

Claro, mas arrisco a formar a opinião pública, pré-condenando e diminuindo as chances de defesa do meu alvo.

E dependendo do consenso que se tem sobre esta condenação, depois resolvo o risco de punição angariando a simpatia dos adversários do meu pré-condenado, e da sociedade que adora meu comportamento de “justiceiro”, que por isto, me apoiarão na minha defesa, ainda mais quando utilizo a “chantagem” do direito a informação da sociedade.

Esta tática para os ricos e poderosos, porque quando vaza crime de pé-de-chinelo, ninguém sequer questiona. O consenso já é pré-estabelecido junto com a pré-condenação.

É só checar os fatos mais rumorosos.

Luis Nassif

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