Lei de Alienação Parental: revogar ou não revogar, eis a questão

Denúncias de alienação descredibilizam acusações de violência contra menores e podem expor a criança aos cuidados de um abusador

Crédito: Reprodução/ Youtube

Em comemoração ao Dia Internacional de Combate à Alienação Parental, celebrada em 25 de abril, o programa TVGGN Justiça recebeu, na última sexta-feira (26), especialistas na temática para comentar a proposta em análise no Senado para revogar a Lei 12.318/2010, aprovada para combater a prática em que um dos genitores tentam ou logram a manipulação psicológica da criança contra o outro genitor. 

Atualmente está em análise no Senado o projeto de lei 1.372/2023, de autoria de Magno Malta (PL-ES) e relatoria de Damares Alves (Republicanos-DF), para revogar a Lei de Alienação Parental no país.

Mas a discussão, no entanto, não é tão simples. Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em políticas públicas de direitos humanos e segurança pública não é totalmente contrário à medida, desde que se garanta a penalização de pais e mães que impedem o outro genitor de exercer os poderes, deveres e direitos do poder familiar. 

Tamara Amoroso Gonsalves, doutora em direito pela Universidade de Victoria (Canadá), mestra em direitos humanos pela USP, explica que a proposta da revogação da lei partiu da alegação de que a medida tem servido para enfraquecer denúncias de violência doméstica contra crianças e adolescentes. 

“O que temos visto é que nesses casos em que há denúncias de violência doméstica ou de violência contra crianças, o argumento de alienação parental surge após o momento em que essas denúncias foram feitas”, afirma a doutora em direito. 

A entrevistada explica que o conceito de alienação parental partiu do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, na década de 1980, em que ele descreve a alienação parental como uma síndrome que surge exclusivamente em processos conturbados de divórcio. 

Neste cenário, é comum que além da disputa pela guarda da criança, um dos genitores pratique uma espécie de lavagem cerebral nos filhos, em um processo de vilipêndio do outro genitor. Vale ressaltar, porém, que o próprio Gardner era um perito judicial que defendia homens acusados de abuso sexual e pedofilia nos Estados Unidos. 

“O processo de disputa de divórcio muito conflituoso, possivelmente porque você tem anos de violência doméstica sendo vivido pelo casal e quando essa violência é denunciada você tem esse argumento da alienação parental aparecendo. Esse argumento acaba minando as outras investigações, porque pela ideia de que você pode alienar, implantar falsas memórias na cabeça de uma criança, você enfraquece a possibilidade de fazer essa investigação. São denúncias desacreditadas”, continua Tamara. 

Como efeito, a doutora em direito chama atenção para o fato de a Lei de Alienação Parental expõe a criança aos cuidados de um abusador em potencial, além de perpetuar o controle e a continuação da violência masculina sobre as mulheres.

Posições antagônicas

A temática é polêmica até mesmo no mundo jurídico, de acordo com Ariel Alves. Enquanto o Instituto Brasileiro de Direito de Família defende a manutenção da legislação, o Conselho de Psicologia apoia a revogação da lei. 

O fato, no entanto, é que dados indicam que 70% dos casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes são cometidos por pais, mães, padrastos ou madrastas – justamente o núcleo familiar que deveria prezar pela segurança, integridade e dignidade do menor. 

São acusações de negligência, conflitos, violência física e psicológica, acrescenta o advogado. “E hoje esses conflitos decorrentes das separações acabaram tomando contornos terríveis. Para quem é da advocacia, por exemplo, é mais difícil atuar em processos de guarda do que defender um homicida, defender um traficante. É uma briga tão terrível que as pessoas passam o dia inteiro nos computadores olhando os processos”, emenda.

Entre acusações, as crianças acabam sendo usadas na guerra entre genitores, fazendo com que frequentemente desenvolvam ansiedade, estresse pós-traumático e tentativas de suicídio.  

Denúncias

Diante da disputa pela guarda dos filhos, é comum aparecer denúncias falsas de violência contra crianças e adolescentes, assim como acusações falsas de alienação. 

Alves relata que já atuou em casos em que a mãe acusou o pai de abuso porque o genitor assumiu a shomossexualidade e, por homofobia, tentou descredibilizar o ex-parceiro. “Mas também já atuei em casos em que crimes sexuais ocorreram pelos pais e as mães foram tratadas como loucas e abusadoras.”

Independente da revogação ou não da Lei, o advogado especialista em políticas públicas de direitos humanos ressalta que o grande cerne da questão é a falta de estrutura do Poder Judiciário para fazer uma escuta rápida e adequada das vítimas. 

“Faltam equipes técnicas no Poder Judiciário, faltam iniciativas de justiça restaurativa e mediação de conflitos nesses combates intensos que existem, e falta então uma atuação mais rápida e ágil para definir esses processos. São anos e anos e pais ou mães ficam privados do contato com os filhos”, continua. 

Judicialização

Já Tamara Gonsalves critica o excesso de judicialização da discussão sobre a guarda de menores, uma vez que o número de denúncias falsas é pequeno diante do volume de violência doméstica cometido contra as mulheres. 

“A Lei de Alienação Parental coloca a mãe em alguns lugares impossíveis. Se constatou uma violência contra a sua criança e não denunciou, responde por negligência. Constatou e denunciou, responde por alienação parental. São lugares impossíveis para as mães ocuparem”, diz.

A doutora em direito também se diz espantada com a rapidez com a qual a lei reverte a denúncia a favor de quem denuncia a suposta alienação. “Então, nesse sentido, embora o próprio Código Civil determine que a guarda compartilhada não seja aplicada em casos de suspeita de violência, esse virou um precedente relevante para que se declarasse que contextos de violência precisam ser levados em conta quando a gente está analisando guarda”, conclui. 

Confira a discussão na íntegra: 

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Camila Bezerra

Jornalista

10 Comentários

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  1. Põe complex”saidinhas”. Recentemente o nisso. Tl como a questão das prisões domiciliares ou em que após avaliação de psicólogos, assistente social e da própria saidinhas. Recentemente tivemos o caso de um preso em prisão domiciliar – após avaliação de psicólogos, assistentes sociais e direção da penitenciária que aprovaram – matou a própria filha que foi visitá-lo.

    1. Vou corrigir.

      Põe complexo nisso.Temos também as questões das prisões domiciliares e as “saidinhas”. Recentemente tivemos o caso de um preso- em prisão domiciliar – que, após avaliação de psicólogos, assistentes sociais e direção da penitenciária que aprovaram – matou a própria filha que foi visitá-lo.

      Acusar, apurar, julgar, avaliar é de uma responsabilidade infinita.

  2. Por partes, como diría Jack, o estripador.

    O ordenamento penal já prevê a criminalização para o constrangimento ilegal, seja do outro pai ou mãe, seja da própria criança, sendo que, nesse caso, o tipo de especializa na lei 8069, artigo 232.

    En casos extremos, há outro tipo, o artigo 1°,II, §4°, II da lei 9455.

    Sim, tortura.

    Ou seja, como sempre, no Brasil, no lugar de um trabalho de apuração e dedução lógica, com a correta tipificação das condutas, vão se criando tipos penais que servem como “explicação” dos que já existem.

    Preguiça institucional.

    Em minha carreira policial, posso dizer:

    Raramente uma criança mente sobre um abuso.

    É possível?

    Sim, e já encontramos casos, que são revelados com a entrevista adequada (lei 13431), e um trabalho de investigação razoável, com oitiva de vizinhos, amigos, colegas de trabalho e o exame de vida pregressa.

    Abusadores dão vários sinais.

    Os casos de abusos, em quase sua totalidade, estão inseridos em um contexto específico, onde o abusador ou foi abusado ele mesmo, e/ou tem um perfil que o leva da incubação ao ato, e nesse processo, como dizemos, há sinais, hábitos, preferências.

    Há casos como psicopatas, que requerem uma abordagem psico policial mais acurada.

    Enfim, a lei de abuso parental é o resultado do bom e velho populismo legislativo, como outras aberrações penais, como a lei de crimes hediondos, e tantas outras formas de endurecimento penal elaboradas no calor dos humores e hipocrisias da audiência midiática.

    1. Me intriga muito a questão da psico patia, e qual ação da justiça. Pululam no noticiário policial os casos de estupro de crianças e assassinatos de filhos, seja pelos próprios pais ou padastros.
      Prisão ou internação? Pra mim normalidade passa longe e não consigo imaginar o convívio social normal.
      Em tempo, vários soltos.

  3. Existe a conduta de “alienação parental”, de instrumentalizar filhos contra o outro genitor, sobretudo por vingança. Fato. Qual o melhor caminho jurídico para coibir a prática, cível ou penal? Há controvérsias. Existem mecanismos fora da LAP que já permitiam tipificar a alienação parental? Salvo nos casos em que há violência ou grave ameaça, supostamente não. Logo, é um reducionismo atroz querer simplesmente revogar a lei, misturando o mérito com o procedimento positivado, com essa alegação utilitarista de que ela é instrumentalizada por abusadores, que curiosamente une feministas à bancada evangélica, embora por motivos diferentes. Calúnia e denunciação caluniosa já deveriam ser as primeiras barreiras invocáveis contra seu mau uso, além de outras cautelares possíveis na ação contra o abusador, conforme o ECA e outras normas permitem. Mas se a lei possui vícios, que estejam além da simples má aplicação dela pelos juízes, que se emende seu procedimento, não que se jogue tudo fora. Esse mesmo tipo de clamor generalizante equivocado se viu na ADPF da Lei da Imprensa e se vê na questão do Novo Ensino Médio. Maniqueísmos que não reconhecem a complexidade dos temas, com causas transformadas em bandeiras de torcidas…

    1. Uai, e por que a defesa da LAP estaria isenta de maniqueísmos?

      Nenhum juiz ou nenhuma norma positivada escapa à manipulação e de seu uso com o viés de classe ou qualquer outro filtro social.

      A questão não é essa.

      Manipular, exigir, submeter criança a constrangimento ou intenso sofrimento psíquico já têm previsão legal, no artigo 232 do ECA, ou na lei de tortura.

      A citada lei é um mimetismo, uma cópia mal feita de um instituto jurídico de um país que têm um estamento normativo completamente diferente.

      Desde a autonomia legislativa dos entes federados, a plêiade de possibilidades administrativas de intervenção pelo estado, dentre outra diferenças.

      A questão é, quem são, em sua larga maioria, os demandantes e defensores da lei?

      Uai, se o pai, que são a maioria dos acusados, querem tempo para evitar essa situação, peçam guarda compartilhada.

      Na verdade, em um país onde a maioria das mulheres é mãe solo, mesmo com pais vivos, não é preciso mães se esforçarem para alienar país que se auto alienam sozinhos.

      1. https://www.conjur.com.br/2024-abr-25/lei-de-alienacao-parental-revogar-ou-reformar/

        https://jornal.usp.br/radio-usp/lei-da-alienacao-parental-e-importante-recurso-de-protecao-de-criancas-e-adolescentes/

        https://www.conjur.com.br/2023-out-19/especialistas-revogacao-lei-alienacao-parental-seria-retrocesso/

        Se há mulheres fazendo mau uso da Lei Maria da Penha, devemos então revogar a lei? Se há juízes que aplicam mal as normas, ignorando inclusive trechos que estipulam obrigações que vão contra sua ideologia, devemos revogar então o ordenamento inteiro. Nunca teremos um sistema perfeito, à prova de pessoas.

        Quanto à LAP, sempre me lembro dos casos contados por meu professor de ECA na faculdade, juiz da vara respectiva, que era ferrenho defensor da edição da lei – com argumentos a posteriori, baseados na vivência como juiz. Sobretudo de casos com crianças já com capacidade de fala, em que um genitor condiciona a criança a ver malícia sexual em qualquer ato do outro (trocar de roupa na frente, tomar banho junto, ficar no banheiro enquanto se faz uso do vaso, limpar bem o cocô, passar pomada nas partes íntimas…). O ser humano é capaz de coisas nojentas, em vários sentidos.

        Tratar a mulher sempre como vítima e o homem sempre como abusador é ideologia, não ciência. Da mesma forma falar que “alienação parental” não tem “comprovação científica” é uma falácia, pois deliberadamente confunde o fato em si, cuja existência pode ser amplamente atestada (não só juízes e advogados, mas muitos de nós certamente conhecem casais em separação litigiosa em que o fenômeno ocorre em algum grau), com sua caracterização psicanalítica como “síndrome”, o que realmente não parece ter qualquer fundamento. Mas obviamente isso é irrelevante para o Direito.

        Apenas uma retificação do meu comentário anterior, para o devido registro correto. Haja vista que estudei o assunto na faculdade há mais de dez anos, minha memória me traiu: as normas penais incriminadoras estão no ECA, pois a LAP NÃO tipificou o cometimento de alienação parental como delito específico, como defendiam alguns (e que teriam deixado a norma ainda mais dura). Seu art. 6o fala sim em possível responsabilização cível e CRIMINAL, porém valendo-se dos tipos penais já existentes eventualmente aplicáveis ao caso. Fica o esclarecimento a quem está interessado no assunto.

        1. Meu filho, você está com problema de cognição e, talvez, um pouco de desonestidade intelectual.

          Sim, a resposta
          é sim.

          Se a lei 11340 servir, na sua completa maioria, para manipulações e imputacões indevidas, e/ou se desviar da proteção do bem jurídico que motivou sua criação el deve ser revogada.

          Fato, valor e norma?

          Lembra?

          Kelsen?

          Então, não é incomum que leis sejam promulgadas e depois se mostrem ineficazes ou impróprias.

          Lembrando que lei em si, o direito positivo, não é nada, senão um instrumento para a execução de uma pretensão ou na defesa privada ou coletiva de um direito.

          E isso não se dá no vácuo.

          Seu esclarecimento traz, nele mesmo, a confirmação de meu argumento

          O ECA e o CP trazem todas as ferramentas de punição das condutas descritas nessa porcaria de populismo legislativo, a LAP, que inclusive, se absteve de criminalizar as condutas que tenga descrever.

          Só serve para proteger o bom e velho pai ausente, violento e misógino.

          1. Sou jornalista, não advogado, mas sua argumentação — além de estar calcada em sentenças hipotéticas, “se isso”, “se aquilo” — carrega uma série de ícones típicos de uma argumentação não racional, como acusar seu interlocutor de possuir “problemas de cognição” e “desonestidade intelectual” que são sinair claros de uma argumentação raivosa e não calcada em fatos, mas na ideologia. O senhor poderia se esforçar para fazer melhor.

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