A democracia precisa vencer a barbárie, por Leonardo Sakamoto

Do blog do Sakamoto

Ao final, a democracia precisa vencer a barbárie
 
Leonardo Sakamoto

Quem critica Sérgio Moro é porque defende Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva? Não, você pode achar Dilma a pior presidente do mundo e Lula um bandido enganador e, ao mesmo tempo, considerar que um juiz federal deve seguir regras e não pode agir de forma política em seus casos. Porque as instituições da República, como as leis e o devido processo legal, devem sobreviver aos governantes e magistrados.

Em outras palavras, o combate à corrupção é fundamental e operações como a Lava Jato e a Zelotes desempenham um papel importante para o país. Mas sob a justificativa de limpar a sociedade, o Estado não pode se utilizar de métodos questionáveis sob o risco de não ser diferente daqueles que querem investigar. Porque, acima de tudo, está a proteção de nossa democracia.

Saindo do ar rarefeito dos palácios e cortes e indo para o nível de nosso cotidiano, a sociedade não pode e não deve substituir as instituições democráticas em momentos de intensa comoção popular sob o risco de ela própria se tornar pior do que o problema que quer combater.

Como já disse aqui anteriormente, quando uma turba resolve fazer Justiça com as próprias mãos, partindo para o linchamento de uma pessoa acusada de cometer um crime, usa – não raro – o discurso de que as instituições públicas não conseguiram dar respostas satisfatórias para punir ou prevenir.

Afirmam, dessa forma, que estão resolvendo – como policial, promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder público não foi capaz de fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável.

Mesmo que, ao final de um espancamento, isso os transforme em criminosos mais vis do alguém que comete um furto, por exemplo, uma vez que a vida vale mais que a propriedade e não existe pena de morte no Brasil. Em tese, claro.

Casos envolvendo turbas em transe estão despontando, aqui e ali, como os que circularam nos jornais, sites, emissoras de rádio e telejornais, desta quarta (16), resolvendo reequilibrar o universo com as próprias mãos, partindo para o linchamento de pessoas acusadas não de estuprar, roubar ou matar, mas de carregar e defender uma ideia diferente da sua.

Em outras palavras, ter uma opinião e demonstrá-la publicamente tem sido, para algumas pessoas, motivo de linchamento moral e físico. Mesmo que essa ideia não signifique incitar a violência contra outros brasileiros.

Talvez como “corretivo” para que aprenda o que é certo e o que é errado. Talvez como “punição” por cometer uma heresia – palavra empregada aqui de forma pensada, pois a situação remete a momentos da Santa Inquisição que pensamos ter deixado para trás.

Preocupa ouvir e ler relatos de pessoas que são obrigadas a tirar camisetas vermelhas com imagens de Che (ainda mais ele, que já havia sido fagocitado, alienado e entregue ao consumo pop) e bonés de movimentos sociais ou largar livros de Marx, sob o risco de apanhar de grupos enfurecidos.

Parte de ações antes restritas ao ambiente digital, vai ganhando escolas, locais de trabalho e ruas, fomentada por lideranças e pela ausência de uma cultura política do debate, da tolerância e da noção de limites.

Da mesma forma, é um absurdo colegas jornalistas apanharem nas ruas ao fazerem coberturas por trabalharem em determinados veículos – sejam eles da grande imprensa ou da independente, progressistas ou conservadores. Pois a ignorância e a incapacidade de diálogo não são monopólio de ninguém.

Não podemos esquecer que já linchamos sistematicamente pessoas cujo crime do qual são acusadas é o de criar rupturas em uma suposta harmonia da sociedade ao tentarem ser simplesmente quem são. O receio constante de apanhar ou ser maltratado não é novidade para muitos gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros (principalmente jovens), indígenas, mulheres. Ou seja, cidadãos de segunda classe.

Mas estou indo um pouco além no questionamento: seguindo essa toada, o Brasil sobreviverá a esta temporada de linchamentos baseados em opinião? Ou estamos vendo o surgimento de um macarthismo, que tocou o terror nos anos 1950 nos Estados Unidos, com a prática de formular acusações e fazer insinuações sem provas e criminalizar todo o pensamento fora do estabilishment?

O que a maior parte das hordas que adotam o terror como modelo de atuação não sabem é que não se mata uma ideia matando quem a carrega. Porque uma ideia não pertence a uma única pessoa ou instituição. Ela, parida pela somatória das experiências de vida individuais e pela ação da razão, passa a pertencer à sociedade e ao seu tempo histórico.

Ou seja, uma ideia não morre simplesmente. Queimada na fogueira ou agredida em praça pública, ela se multiplica.

Mas, se dialogada, com argumentos, tolerância e bom senso, pode ser transformada e, quiçá, alterada e aplicada. E, com isso, transformar, para melhor, a vida de todos os envolvidos.

Muitos podem não acreditar nisso. Mas continuo insistindo em trazer esse debate aqui. Pois a alternativa a isso é a mais completa barbárie.

 

Redação

9 Comentários

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  1. A Alemanha eliminou o

    A Alemanha eliminou o nazismo, o Brasil vai eleiminar o petismo pelos mesmos motivos.

    O que se tem é a reação ao que o petismo fez, usou recursos roubados do estado para corromper a democracia.

    A CUT vai defender a democracia ?

    Veja o sistema sindicalista onde existe democracia no movimneto sindicalista?

    Seus lideres se mantêm no poder ate com o uso de violência.

     

     

    1. Sugestão

      sSe deseja eliminar o nazismo no Brasil, um bom começo para o Aliança seria inspirar-se no versos de Fernando Pessoa: “Se te queres matar, por que não te queres matar? (…) Ah, se ousares, ousa!”

    2. Mitou

      “A Alemanha eliminou o nazismo, o Brasil vai eleiminar o petismo pelos mesmos motivos.”

      Quanta lucidez e embasamento histórico em apenas uma frase! Se me permite, vou usá-la como citação pessoal.

  2. Artigo de Leonardo sakamoto

    Gostaria de acrescentar, Leonardo, o quanto a expressão do ódio a simples diferença de opinião só acontece porque não e uma simples diferença, é um resultado de eleição não aceito pela direita suposta elitizada desde 2002, com a vitoria do Lula. Juntando com o que voce colocou, um ódio dirigido ao Pt como segunda classe.  A divisão primeira e segunda classe é que pareceu ter sido ameaçada para o pessoal do “eu mereço porque paguei para ser elite”.o ódio diz de quando algo chega perto demais e me pergunto, nessa linha sobre o que é que chegou perto demais? Pensei nessa fronteira colonial que sempre separou sem culpa alguma o escravo do senhor e justificou olhar para o desfavorecido sem  empática, pois o favorecimento de um vem diretamente do desfavorecimento do outro, mas para que eu não me de conta dessa barbárie e naturalizo a divisão, masquando a divisão é rompida, o ódio vem tentar separar frontalmente eliminando a tentativa de serem colocadas lado a lado a primeira e a segunda classe, rechaça-se o levante do recalque  cuja idéia é claramente fascista e teria que ser admitida como tal e isso é intolerável.

    desculpe a pontuação, esse meu iPad não esta legal. Leia-se empatia no lugar de empática e eu naturalizo no lugar de e naturaliza. Não consigo corrigir na tela. Grande abraço.

  3. Como dialogar com fascistas?

    Veja como “dialoga” o aliancaliberal, conhecido troll aqui no blogue: “A Alemanha eliminou o nazismo, o Brasil vai eliminar o petismo pelos mesmos motivos.” Dá para ter diálogo com um sujeito desses? Dá para contemporizar? A única linguagem que os fascistas entendem é a da violência.

  4. Leonardo Sakamoto é um ingênuo.

    A democracia já foi derrotada pela barbárie. O golpe já foi dado. O que estamos fazendo é começar a resistência.

  5. Não há como não dar razão ao

    Não há como não dar razão ao excelente texto. A barbárie está sendo instalada de fato. Um retrocesso aos piores anos do país.

  6. Esqueçam o bom-senso

    Honestamente, não há apelo à razão que faça a diferença nesse momento. Aliás, acho que nunca faria. Mas hoje menos ainda.

    Não adianta tentar argumentar logicamente. Não tem efeito pontuar e extrair o bom-senso de um diálogo. Isso porque o diálogo nem se inicia. O estabelecimento do diálogo pressupõe uma disposição da cotnraparte em aceitar ideias e argumentações contrárias.

    Se isso já não existia antes, ou era raríssimo, hoje está decretado o fechamento de qualquer interlocução, minimamente saudável que seja.

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