A deterioração da linguagem jornalística, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

A uma semana do encerramento deste que foi um dos anos mais intensos do jornalismo no Brasil, é preciso colocar em discussão uma questão que a imprensa evita o quanto pode: a linguagem jornalística dá conta de decifrar adequadamente a realidade?

Analisada contra o cenário deteriorado da mídia brasileira, a pergunta pode parecer impertinente e até mesmo cândida, uma vez que o campo da comunicação institucionalizada se deixou contaminar por outros vícios, que levaram ao fim da ilusão da objetividade e do pressuposto da honestidade intelectual como princípios fundadores da imprensa.

Há muitos outros aspectos a serem contemplados numa análise do que vem a ser o jornalismo nesse contexto, em que uma tecnologia de ruptura se impõe ao mesmo tempo em que a gestão dos principais veículos da mídia tradicional se concentra e verticaliza. Esse movimento do sistema da imprensa para dentro de si mesmo bloqueia a inovação e condiciona as iniciativas a uma doutrina que em tudo é contrária ao espírito de liberdade do jornalismo.

A doutrina conservadora que domina a imprensa no Brasil levanta um muro de contenção para a criatividade, desestimula os espíritos livres e encoraja a mediocridade com melhores oportunidades de carreira. O fato de que os nomes mais lustrosos da mídia nacional, aqueles que mais vezes conquistam o espaço nobre dos noticiários, são justamente os que cumprem com entusiasmo o trabalho sujo da manipulação, é causa de empobrecimento da cultura jornalística. Existem, mas são raros os profissionais que, descolando-se da orientação centralizadora, ganham distinção pelo trabalho independente e de qualidade.

Por que a gestão vertical e centralizada resulta num jornalismo mais pobre, burocrático e em linha direta com a opinião do comando das empresas de comunicação? Porque a atividade jornalística exige que, na origem, o material que vai compor o noticiário e o conjunto de opiniões seja colhido livremente, condicionado apenas pela ética – e seja trabalhado até a edição final sob o crivo das múltiplas possibilidades de interpretação.

Uma reportagem que vem definida desde a pauta não entusiasma o bom repórter e não cumpre sua função: apenas confirma os pressupostos que colocaram o tema na agenda.

Os filhos de Francis

A observação diária e por longo prazo da mídia tradicional no Brasil induz a concluir que a ligação direta entre os donos das empresas e as bases da redação limita as possibilidades de interpretação dos acontecimentos.

Décadas atrás, quando as redações eram caracterizadas pela diversidade, o debate se fazia desde a pré-pauta, e os repórteres tinham um papel mais ativo na discussão sobre o que era importante em cada edição. Com as principais reportagens direcionadas desde a pauta até a manchete, o sinal que se dá aos repórteres é que, se quiserem subir na carreira, têm que ser principalmente dóceis ao comando. Esse é um elemento limitador da linguagem jornalística.

Para manter-se conectada com a realidade em volta, a imprensa precisa, ao mesmo tempo, preservar o paradigma linguístico que caracteriza e define a comunicação social institucionalizada, e manter-se aberta a elementos da linguagem que ajudem a interpretar novos aspectos dessa realidade. Mas o controle centralizado das redações define os elementos que estarão presentes no discurso e na narrativa jornalística, preservando o paradigma apenas naquilo que interessa aos pressupostos desse comando central.

A introdução, no texto jornalístico, de expressões bizarras, adjetivando o discurso e a narrativa, é feita por colunistas e articulistas que têm a função de romper o paradigma e tornar de uso comum conceitos que a direção do veículo quer ver implantados sem reflexão no imaginário coletivo. O falecido colunista Paulo Francis foi um destacado agente desse tipo de ação, criando e popularizando entre os leitores expressões reducionistas e obtusas para estigmatizar certos protagonistas da cena política brasileira.

Nos últimos anos, a partir do segundo mandato do ex-presidente Lula da Silva, os principais meios de comunicação do Brasil alimentam esse canil de pitbulls, cuja função é introduzir elementos estranhos ao paradigma da linguagem jornalística. Essa “novilíngua” empobrece o jornalismo e reduz o leque de interpretações que a mídia tradicional deveria oferecer ao público.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

9 Comentários

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  1. Chamando Wilson

    Chamando Wilson Ferreira…

    (Substituir comunicacao pela linguagem com objetivo de desvio de atencao eh especialidade dele, ele vive falando apontando para o assunto!)

  2. Jornalismo é controle de opiniões para a mídia atual

    Por que não pode existir alguma coisa que a mente humana seja radicalmente incapaz de copreender se esta é uma limitação do mundo da inteligência e apenas do mundo da inteligência?

    Seria a verdadeira tarefa do jornalismo encontrar e noticiar o âmago inabalável da verdade, desprezando as opiniões dos mortais?

    Mistérios existem e nós humanos estamos fadados a encontrá-los e decifrá-los. Julgar certo ou errado, sobre perpectivas não abrangentes do todo não me parecem ser a melhor solução.

    Penso que o Jornalismo como o conhecemos está a sofrer uma perda da sua potência, na medida em que os controles por eles exercídos sobre povos e nanções estão sendo contestados, mera fase de transição e adptação.

    Por outro lado, como o ser e o vero se convertem, não existe a menor possibilidade da linguagem e a palavra perderem poder. Estamos trocando de interlocutores, indo na direção dos que se apresentem com mais clareza em seus intúitos e compromissos.

    Não se trata de deteriorização da linguagem jornalistica e sim adaptação às novas mídias interativas, que cobram de seus operadores mais respeito, ética e responsabilidade.

     

     

  3. A liberdade de imprensa é

    A liberdade de imprensa é como um fosso entre o jornalismo e a multidão, porque o seu demonstrativo tem que ser aceito e não e se permite refutar o interlocutor perante o público. 

    O significado preciso da imprensa é como se duas ou mais pessoas discutissem um certo sentido do mundo nas redações (signo de falsidade da presença de um público de ouvintes, leitores, espectadores) e os jornalistas fazem as vezes de árbitros.

    A imprensa julga os financiamentos de campanha por causa da corrupção na política; mas ela é financiada nas mesmas formas desses escândalos em que denuncia as empresas e o governo.

    Conseguiremos um simples princípio, e, portanto, que seja capaz de toda primeira parte acima, considerando as pessoas serem as vencedoras das realidades?

    Vamos rever todos os discípulos do financiamento por objetividades sem as redações de poder:

    Parece que a interpretação do financiamento está conforme o termo traduzível de liberdade de imprensa para orientar todas as ações no país; por ter alcançado na cultura contemporânea uma notoriedade como modelo de sociedade não científica e a indução completa do dinheiro é enumerada para o Estado pagar. Mas qual é a forma de origem do financiamento externo e quão racional ele pode parecer à nossa unidade paradoxal, sem poder?

    O investimento externo, ao avaliar os modos diversos da sociedade como capacidade demonstrativa, pode ser considerado uma verdadeira ciência (investir e deliberar), do mesmo tipo da física e da metafísica do mundo, é só calcular resultados? Desculpe mostrar essa falta de temperança da mídia como único exemplo que temos de poder. A intenção era de ilustrar suas falsas virtudes. isto é, o investimento no fundo não tem nem um método de união das diretrizes de ação dos governos – é de todo estranho aos bens que têm principio de valor científico – enquanto a economia insiste em tê-lo como poder dos meios de produção.

    Falta cientificidade. Ou seja,  financiar e calcular o valor da riqueza parece ser a mesma coisa gratuita para o país; daí, ninguém deliberar honradamente sobre números que não podem ser diferentes de seu princípio de valor.

    Isto é sábio: O “valor” entra no princípio de todas as ciências e, de igual para igual, é o calculo da verdade prática dos meios de produção – necessário à economia para o país alcançar certo domínio de poder sem a corrupção dos investimentos – pelo fato de ser sempre a ciência.

    O investimento das pessoas caracteriza a liberdade de imprensa, e – além do poder da política – ambos precisam da variabilidade da relação social: a capitação do calculo do seu valor é público e não introdutório de um grupo de investidores internacionais.

  4. reduzindo ao regional, ao ler este texto..

    pergunto o que aconteceu com os veículos de Minas Gerais, que conseguiram diminuir sua importância, uma decadência da imprensa mineira, vejo eu, jornais abatidos, falidos, redações cada vez mais enxutas, e que assustadoramente não acompanham o digital como deveriam, visto seus sites. além do mais, falo da estrutura, pois se falamos da qualidade da produção jornalística, do seu enfoque político, economico, social… fico curiosa para saber por que Minas anda perdendo o trem.

  5. Jornalismo é uma coisa tão

    Jornalismo é uma coisa tão pequena, envolve tão poucas pessoas que não entendo o porque fazer este tópico . . . . justificaria se fosse para a tratativa da Arqueologia . . . . .

  6. a inovação dar-se-ia na

    a inovação dar-se-ia na interação entre os editores, pauteiros e

    repórteres com a sociedade, com todos os egmentos da sociedade.

    como a grande mídia optou por enfocar só o que interessa aos

    donos do  poder financeiro e político-economico

    dominados pela chamada casa grande, ela, a grande mídia,

    tornou-se fundamentalista, só olha para um dos lados.

    a linguagem que vem das ruas enirqueceria

    certamente o conteúdo jornalístico.

    aquela linguagem em que a pessoa participaria mostrando a

    sua realidade, parece que foi descartada pela grande mídia.

    isso ocorre porque os repórteres já não saem às ruas

    com liberdade para abordar assuntos  estruturantes,

    que revelam a realidade da sociedade e não somente o

    desejo dos pauteiros e ditores, isto é, dos patroes.

     

  7. O jornalismo tem um vício de origem…

    O texto de Luciano Martins Costa é, como já se tornou uma rotina, brilhante. Mas dele vou discordar apenas em um ponto; que acaba afetando o contexto geral em que foi escrito. Parece-me um romantismo exagerado tentar enxergar a atividade jornalística como algo criado pelo homem (capitalista) para esclarecer a realidade, algo que, por definição, não existe; o máximo que você conseguirá é representa-la de acordo com a sua visão (e interesse) pessoal. Sempre esteve ligada à grupos de influência (uns mais outros menos) cuja função era ( e é) transformar em realidade o que pensam. Antes, e aí concordo com o autor, havia um pouco mais de cuidado ao embarcar em determinados assuntos e levantar determinadas bandeiras o que, na origem, não altera muito o que era o Jornalismo ontem e o que é hoje. Sem ilusões e muita ingenuidade, é muito dificil levar o jornalismo à sério. Hoje a coisa aparentemente está pior… mas – e a única diferença é a força da internet – o que fizeram com Getúlio é muito diferente do que tentar fazer com Lula, Dilma e o PT?

  8. O capital investe,anuncia e

    O capital investe,anuncia e sustenta aquele veículo de comunição que puder servir ao seu propósito de retorno de investimento em menor prazo. É só business. O capital já tem seu fluxo definido. Ele corre pro mar. Quem decidir seguir a mesma direção dele vai encontrar mais facilidades para lidar com essa força gigantesca que move o mundo. Quem quiser lutar contra a correnteza e desejar subir o rio terá que ser esforçar um pouco mais do que quem quiser descê-lo. É essa linha hierárquica que liga o empregado ao patrão e este ao seu principal cliente.

    O principal cliente deixou de ser o leitor e passou a ser o anunciante.  

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