Datafolha repete o golpe de 1964, por Paulo Moreira Leite

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – “Os números de fantasia  do DataFolha sobre Temer foram publicados  no percurso de um golpe de Estado que, sem dispor de tanques nem de baionetas, que têm o inegável poder de intimidar a população pela força, precisa forjar a adesão dos brasileiros. Tenta-se dizer que o afastamento de Dilma Rousseff tem seu consentimento e até aprovação.” Algo semelhante ocorreu em 1964, quando a Federação do Comércio de São Paulo escondeu uma pesquisa que denotava a popularidade de Jango para dar o golpe e ajudar seus adversários políticos, escreveu o jornalista Paulo Moreira Leite.

Por Paulo Moreira Leite

No Brasil 247

A manipulação da pequisa do DataFolha em torno da aprovação de Michel Temer e Dilma Rousseff não chama atenção pela originalidade — mas pela perversidade.

Em 1964, a Federação do Comércio de São Paulo, envolvida na conspiração que derrubou João Goulart, encomendou uma pesquisa sobre aprovação do governo. Descobriu que Jango era aprovado por mais de 60% da população. Até em lugares onde a oposição era fortíssima, como São Paulo, pontos essenciais de seu programa de Reformas de Base, a Reforma Agrária era apoiada por mais de 50%.

Precavida, a Federação do Comércio arquivou o levantamento, que só seria divulgado 40 anos depois, após a democratização, quando pesquisadores tiveram acesso aos arquivos da Unicamp, onde ficou escondida por anos a fio.

É evidente que, em 1964, o segredo ajudou os adversários de Jango a cultivar o mito de que Goulart era um presidente impopular, falsidade que contribuiu para  minar a possível resistência dos brasileiros contra um ataque a democracia. Com números escondidos, era possível dizer que o golpe salvara a democracia. A decisão também produziu efeitos sobre a posteridade, alimentou trabalhos acadêmicos distorcidos e até contribuiu para formar um retrato de Goulart como um líder sem base real entre os brasileiros.

“Muitos historiadores, até dez anos atrás, ainda tinham essa ideia de que Goulart caiu porque era frágil, não tinha o apoio dos partidos e, sobretudo, da população” disse o professor Luis Antonio Dias, da PUC de São Paulo, em entrevista à TV Câmara, em 2014.

Os números de fantasia  do DataFolha sobre Temer foram publicados  no percurso de um golpe de Estado que, sem dispor de tanques nem de baionetas, que têm o inegável poder de intimidar a população pela força, precisa forjar a adesão dos brasileiros. Tenta-se dizer que o afastamento de Dilma Rousseff tem seu consentimento e até aprovação. 

A rigor, os golpistas de 64 podiam dispensar a opinião dos brasileiros. Dispunham até da Operação Brother Sam, organizada pelas Forças Armadas dos EUA, para prestar socorro, em caso de necessidade. Em 2016 aliados de Temer são vaiados no exterior e até impedidos de falar.

Isso acontece porque a situação em 2016 é outra. Nos dias anteriores ao afastamento da presidente, ocorreram imensos protestos contra uma decisão que fere uma democracia duramente conquistada. Após o golpe, sucessivos protestos mostraram que Temer e seus aliados, entre os quais a Folha e a mídia grande, perderam um debate político sobre a legitimidade do novo governo. Até a líder do governo  do governo no Senado diz que “tudo foi política.” A votação tenebrosa na Câmara não sai da memória de ninguém. Muito menos o papel de Eduardo Cunha. Ou as próprias denuncias contra Temer. Ou o reconhecimento pelo próprio Ministério Público de que as pedaladas fiscais usadas para condenar a presidente nunca foram crime.

A manipulação da pesquisa surge como uma tentativa de dar um verniz de legitimidade a um governo o que não possui nenhuma. Até porque, em seu esforço para calar o debate e evitar toda contestação, uma das primeiras providências foi silenciar o jornalismo de Empresa Brasil de Comunicação e atacar, financeiramente, os portais da internet não alinhados com a nova ordem.

A manipulação é um exercício  temerário, porque arriscado. Não basta esconder a verdade. É preciso ter controle absoluto de uma situação, para construir, divulgar e proteger uma mentira — sintetizada na divulgação da resposta a uma pergunta que não foi apresentada a eleitores que, teoricamente, poderiam resumir o pensamento da população.

A finalidade da mentira está escancarada. Destina-se a dar um argumento para senadores que podem ser cobrados por eleitores, cada vez mais desconfiados dos projetos impopulares e anti nacionais do governo interino. Em caso de dúvida, poderiam alegar que apenas atendiam a vontade da maioria dos brasileiros.

Era mentira — como sabemos agora, num episódio que marca um novo rebaixamento do padrão do jornalismo brasileiro em nossa época. O truque empregado é banal.

Disponível na internet, encontra-se um livro chamado “How To Lie With Statístics”(como mentir com estatísticas) que ensina os interessados a usar tabelas, pesquisas, perguntas dirigidas e cálculos marotos para enganar os incautos. Best seller lançado em 1954, já vendeu meio milhão de cópias.

Na verdade, a pesquisa é boa para Dilma. Mostra que ela está correta em apresentar a proposta de plebiscito sobre novas eleições caso o golpe seja derrotado. É, com todas as distancias guardadas, a vontade do povo. E, ao contrário do que desejam aqueles que escondem e manipulam pesquisas, é bom que seja ouvida.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Uma pergunta…

    Quando se iniciarão os movimentos que darão fim a estas fraudes, manipulações e conspirações, levadas diuturnamente a cabo pela mídia canalha (globo, abril), por órgãos federais, estaduais, por sistemas como fiesp (que aliás já arrumaram o 1o otário para lavar sua sujeira), firjan, sistema s em geral, blogueiros canalhas pagos (principalmente de sp e pr), psdb e dem (estes partidos são formados por canalhas lesa-patria)?

    Quando se iniciará? Eles têm que pagar a merda e o empobrecimento que estão promovendo no Brasil!

    1. Uma resposta

      Se esses movimentos tivessem que se iniciar, já o teriam feito.

      Vocês se encastelaram nas próprias ideias e quando as observações mostram outra coisa, inventam mil e uma teorias conspiratórias para não ter que admitir que estavam errados. Asinus asinum fricat.

      É totalmente inútil discutir se o afastamento de Dilma foi ou não um golpe de estado. Seja o que for, o fato é que o povo não saiu às ruas para defender o mandato dela. O que mostra que ela já não contava com apoio popular, confirmando as pesquisas feitas antes.

      Quem derrubou Dilma foi a economia. O povo apoiou os governos petistas enquanto teve seu padrão de vida melhorado, e deixou de fazê-lo quando o saco de bondades ficou vazio.

  2. Estamos vivendo em algo

    Estamos vivendo em algo parecido com o “1984”, em relação ao uso da mídia para manipular a população com objetivo de manter poder através da falsificação de notícias e até da história. Nossa sorte é que existem muitos Winstons Smiths capazes de pensar com as próprias cabeças. Mas estamos muito fracos de lideranças. Cadê os líderes capazes de aproveitar a energia que multidões colocaram nas ruas em centenas de manifestações contra o golpe? As manifestações foram um passo, seria preciso que políticos e líderanças tomassem atitudes se valendo daquela energia, o que levaria as manifestações e mobilização a um novo patamar. O que vimos? A esquerda rachada no primeiro turno da eleição da câmara, até votando em candidato do governo no segundo turno. Do jeito que vai, sem se criar fatos novos, sem que políticos e lideranças tomem posição firme, a luta contra o golpe vai dar em nada.

  3. Os momentos eram diferentes

    É mesmo uma obsessão comparar Dilma Rousseff com João Goulart, sempre no intuito de provar que tal como Jango, ela foi derrubada por um golpe de estado.

    Mas os momentos eram diferentes. Jango ainda dispunha de muito apoio porque na época, as ideias que ele defendia ainda tinham muita credibilidade. O Muro de Berlim estava de pé, a URSS era superpotência e a revolução cubana havia triunfado. Mas o país já estava dividido, como provavam as manifestações de março, e no rumo da confrontação. A situação era parecida com a de Allende pouco antes de ser derrubado, quando seu partido ainda conseguiu vencer uma eleição legislativa, mas seu prestígio estava em queda e o país rumo à confrontação. Aqui e lá, a esquerda superestimou sua força e deixou o caldo entornar.

    O momento atual é diferente. Ninguém está a fim de pegar em armas, e quando Dilma foi afastada, as pesquisas já indicavam sua popularidade no chão – tanto que praticamente não houve reação. Dilma foi derrubada pela economia, assim que o povo constatou que ela havia mentido em sua campanha e que o país estava, sim, em crise e o saco de bondades do PT estava vazio. O mesmo teria acontecido com Jango e Allende se não fossem derrubados pela força – em ambos os casos a economia estava em queda, e mais dia menos dia as esperanças que ainda os sustentavam iam acabar. Então uma derrota eleitoral seria certa, a menos que as eleições fossem suspensas e instituída a ditadura.

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