Não reclame de quem faz greve, por Volker Wagener

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enviado por Maria Carvalho

Por Volker Wagener

Por Volker Wagener

Do DW

Paralisações de trabalhadores são um atestado de qualidade para uma democracia e não colocam a economia em perigo. Se você é daqueles que falam em caos, acredite: tudo acaba bem, assegura o articulista Volker Wagener.

Sinceramente: será que os alemães não têm outros problemas a não ser reclamar desse pouquinho de greve ferroviária? A qual, aliás, é legal e legítima. Pois podem bufar de raiva à vontade: sindicatos não existem para lutar pelo bem-estar geral, mas pelos próprios interesses.

Acho até estimulante um punhado de maquinistas ativar as nossas energias vitais, oferecendo-nos a oportunidade de pôr à prova nossa atrofiada arte da improvisação. Sobretudo numa república em que tudo é regulamentado por uma burocracia pedante, esse pouquinho de greve tem quase um toque anárquico. O que, por si só, já oferece um pouco de entretenimento nessa sociedade hiperregulamentada.

Mas vamos por partes. Diante do tamanho mínimo desse sindicato dos maquinistas e dos danos de meio bilhão de euros causados pela greve deles (aliás: quem faz esses cálculos?), nós nos perguntamos: então, é possível uma coisa dessas? E eles podem mesmo fazer isso?

Sim, eles podem! Ignoremos por um momento que se trata de reivindicações justificadas de um minigrupo profissional, basicamente mal pago, ainda que uma elite em termos de sua função. E deixemos de lado a questão por que o GDL, o sindicato dos maquinistas alemães, não quer, de forma alguma, se subordinar ao grande sindicato do setor, o EVG, de ferrovias e transportes. (Um dos focos da luta trabalhista é que o pequeno GDL possa negociar seus próprios acordos salariais.)

Para além dessa queda de braço sindical permanece a constatação de que poder entrar em greve é um atestado de qualidade para uma democracia – que é como nós, alemães, nos vemos. Só que “greve” soa, de algum modo, antigermânico. Parece mais grego ou italiano. O termo cria ressonâncias que soam incompatíveis com as virtudes específicas nacionais que são atribuídas aos alemães: ordem, ética profissional, busca pelo consenso.

Esta já é a oitava paralisação dos maquinistas desde setembro passado, embora a empresa Deutsche Bahn já esteja oferecendo 4,7% de aumento e mil euros extras. Só que não se trata tanto de dinheiro, mas da autonomia de um sindicato anão, que – em nome dos interesses de seus poucos milhares de membros – toma como refém toda uma nação dependente da mobilidade.

Apesar disso, que seja dito àqueles que, diante desse pano de fundo, falam de caos nas plataformas das estações, de catástrofe técnica nos transportes: está tudo bem, nós vamos nos virar.

E como. Empregadores cedem vagas de estacionamento grátis. Vizinhos voltam a se falar e combinam partilhar a viagem de carro até o trabalho; o setor de aluguel de automóveis floresce, assim como as agências que organizam caronas e as empresas de ônibus intermunicipais. E as mercadorias continuam passando dos trilhos às vias de navegação e às estradas – pelo menos por enquanto.

O que sobra são engarrafamentos, atrasos e o cancelamento de algumas viagens de fim de semana com desconto, para a tia Käthe e o tio Willy, com o cão e o gato a tiracolo. Tudo isso dá para aguentar. E onde algumas empresas perdem dinheiro, por culpa dos trens de carga parados no depósito, outras saem ganhando.

Greves na Alemanha não colocam em perigo nem a indústria nem a economia, nem representam um atentado aos tão louvados direitos meus, seus e dos outros, em nossa sociedade móvel. Greves não agradam a ninguém em nossa irrefreada sociedade da autorrealização, mas elas não são motivo para histeria nas plataformas.

Num país em que há mais de um carro para cada dois cidadãos, greve não significa paralisia, nem no campo privado nem no econômico. A questão é se manter tranquilo. Muitos direitos que hoje consideramos fundamentais foram conquistados com greves. E nós vamos sobreviver facilmente à atual.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Lembretes…

    Antes de se fazer comparações e para colocar as coisas em melhor perspectiva, não custa listar algumas diferenças importantes entre o sindicalismo alemão e o nosso:

    – lá, sindicatos não se misturam com partidos políticos;

    – numa greve, dias parados nunca são pontos de discussão: o sindicato sempre assume a decisão de fazer a greve;

    – durante uma negogiação, a empresa também pode fazer sua greve (locaute: aqui é proibido por lei);

    – empregados podem escolher seus contratos de trabalho: com intermediação de salários e benefícios por sindicatos (Tarifvertrag = contrato coletivo de trabalho) ou sem esta intermediação (ausser der Tarifvertrag = contrato individual de trabalho);

    – votações de greve são feitas em urnas, às vezes colocadas dentro das fábricas, sem estardalhaço e sem esta picaretagem de votações que vemos por aqui;

    Estas diferenças são as que acho mais importantes.

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