Praxe da PM é atrapalhar investigações de chacinas, diz dirigente da OAB

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Segundo Arles Gonçalves Jr, há anos a Corregedoria da PM em São Paulo tem usurpado as funções da Polícia Civil ilegalmente. “O secretário fica quieto, o governador fica quieto, Tribunal de Justiça, Ministério Público. Todos poderiam tomar uma providência. Ninguém toma.”

Jornal GGN – Uma série de crimes praticados por agentes do Estado, resultando na morte de mais de duas dezenas de pessoas. O motivo? Retaliação ao assassinato de um oficial em São Paulo. A repercussão da chacina de Osasco-Barueri, que completa um ano neste sábado (13), chegou a atrair a atenção da OEA. Acuado, o governo Geraldo Alckmin se apressou em constituir uma força-tarefa com a Polícia Civil como protagonista, para acelerar a investigação e apresentar resultados. Mas a Corregedoria da Polícia Militar também queria participar do filme, e não aceitava ser figurante.

Foi na base da insubordinação que a Corregedoria da PM se meteu na chacina de Osasco, mesmo sem competência legal para investigar homicídios praticados por militares. A instituição, que deveria responder à Secretaria de Segurança Pública do Estado – à época, comandada por Alexandre de Moraes, hoje ministro da Justiça – pode ser a responsável por avinagrar muitas das provas que sustentam o processo criminal contra os responsáveis pelos assassinatos.

O presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB, Arles Gonçalves Jr, prefere não usar essas palavras, mas considera o risco de a investigação terminar em pizza.

A questão é que, segundo ele, já deixou de ser novidade que a PM tem atrapalhado “reiteradamente” apurações de crimes que envolvem seus pares. Há anos que a Polícia Civil tem suas funções usurpadas pela PM sem que medidas sejam tomadas. “O secretário fica quieto, o governador fica quieto, Tribunal de Justiça, Ministério Público. Todos poderiam tomar uma providência. Ninguém toma.”

Gonçalves foi um dos poucos que se levantou publicamente contra as irregularidades cometidas no processo de apuração da chacina de Osasco.

Abaixo, a entrevista que Gonçalves concedeu ao sobre o caso.

Jornal GGN – Quais as irregularidades que você identifica no processo de investigação da chacina de Osasco-Barueri?

Arles Gonçalves Jr: Não é só neste caso. Em todos os casos de chacina que têm acontecido em São Paulo, a PM tem escalado oficiais para apurar se é ou não caso de envolvimento de policiais militares. Eu entendo que não cabe isso. Chacina é crime de homicídio, e homicídio não é crime militar. É crime que deve ser apurado pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Os militares interferem, mexem no local do crime, apreendem provas que são de competência do DHPP. Há, então, uma quebra na cadeia de custódia da prova. Tudo isso pode gerar nulidades que se reconhecidas pelo juiz, anula, sim, parte do processo. Por isso, o que foi feito no caso da Chacina de Osasco está errado.

O Código do Processo Penal diz que se há uma chacina, o papel legal da PM é preservar o local do crime, comunicar a Polícia Civil. Esta vai para o local, comunica os peritos e eles fazem as coletas e apresentam os laudos. A PM não tem que mexer em nada. Isso está no CPP e há normas na Secretaria de Segurança Pública que falam sobre a preservação de local de crime, mas os PMs não respeitam.

GGN – No caso de Osasco, a Corregedoria participou ativamente e até solicitou que a Justiça Militar decretasse algumas prisões. Em fevereiro passado, elas foram revogadas e a Secretaria de Segurança pública disse que isto ocorreu porque o processo correrá apenas na Justiça comum. Isso foi uma tentativa de contornar algum erro processual?

Gonçalves: No meu entendimento essas prisões eram ilegais, pois não cabe à Justiça Militar participar desse processo. Já acompanhei algumas chacinas que adotaram esse mesmo procedimento e quando chegaram lá na frente, o Tribunal de Justiça (TJ) julgou [a esfera da Justiça Militar] incompetente para atuar no caso e foi tudo juntado no processo crime da Justiça comum.

Acredito que as prisões foram revogadas para cumprir a lei. Não é competência do TJM [Tribunal de Justiça Militar] fazer isso. O TJM só existe em alguns estados para apurar crimes que estão dentro do Código Penal Militar. Homicídio é crime comum, independentemente de ter sido praticado por policial militar.

GGN – Como avalia a força-tarefa criada pelo governo para apurar a chacina de Osasco?

Gonçalves: Pelo que sei, algumas provas o DHPP foi atrás e conseguiu. Outras, que a PM havia apreendido através da Corregedoria, foram encaminhadas para o Instituto de Criminalística e o IC acabou devolvendo, alegando que a Corregedoria não tem competência para requisitar laudos. Aí foi que a Corregedoria encaminhou para o DHPP. Eram duas investigações em andamento, uma pelo DHPP e outra pela Corregedoria da PM. Isso tem ocorrido reiteradamente, e eu reiteradamente tenho dito que o que a PM tem feito é ilegal. Isso tem ocorrido há pelo menos quatro ou cinco anos. Na verdade, acontece há mais tempo, mas nesses últimos anos tem sido mais contundente. Isso só dificulta as investigações e a produção de provas.

GGN – Não existe um freio para a PM nesses casos?

Gonçalves: Quem tem que resolver isso é o Tribunal de Justiça. Eles têm que pôr ordem na casa. Tem o corregedor do Tribunal para isso. Eles não precisam esperar uma determinada fase do processo, eles estão vendo o que está acontecendo e poderiam tomar providência, da mesma forma que o secretário de segurança poderia baixar uma resolução e impedir a PM de se meter nesse tipo de procedimento.

No meu entendimento, o procedimento correto é a DHPP fazer a investigação e somente se ela constatar a presença de oficiais militares envolvidos, aí sim ela notifica a Corregedoria da PM. Só que o que acontece é que toda vez que a imprensa noticia uma chacina, a PM vai para o local e começa a fuçar nas coisas. Isso vem atrapalhando há muito tempo. Desde que estou na Comissão de Segurança Pública da OAB, acontece isso. E eu estou no cargo desde 2010. Desde então, eu falo: eles prejudicam as investigações, comprometem provas, fazem uma série de coisas que não deveriam fazer e ninguém fala nada. O secretário fica quieto, o governador fica quieto, Tribunal de Justiça, Ministério Público. Todos poderiam tomar uma providência. Ninguém toma.

GGN – Acha que o processo vai acabar prejudicado por conta dos erros cometidos?

Gonçalves: Se o Judiciário agir da maneira que a lei determina, as provas colhidas por agente público incompetente são nulas e não podem ser usadas no processo. Mas não sei dizer o que o Judiciário fará. Às vezes, lançam jurisprudência nova e acabou. Se for levar a lei à risca, essa investigação da PM é nula.

GGN – Isso é por corporativismo da PM? Como interpreta essa interferência da Corregedoria em chacinas nos últimos anos?

Gonçalves: Não dá para saber. Eles alegam que querem investigar os próprios pares. Mas a gente não sabe se é realmente para investigar ou sei lá. Não tenho dúvida de que atrapalha as investigações. Há 33 anos eu acompanho investigações policiais e sei das dificuldades. Até os peritos reclamam que eles [PMs] mexem no local do crime.
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. So escuto a OAB agora para
    So escuto a OAB agora para saber qual a proposta para REFORMA do Judiciário.

    Se o assunto Não for esse eu acho até que devem evitar publicar qualquer coisa que saia dali.

    Digo isso porque pessoas idiotas podem pensar que a OAB está aí para defender seus direitos. …Assim. …Como se fosse partido político.
    OAB é O Golpe!

  2. Para mim OAB acabou…

    Infelizmente, a OAB ENDOSSOU O GOLPE…

    Tudo que se fizer de afronta a direitos é consequência do DESRESPEITO A CONSTITUIÇÃO EM ÚLTIMA ESTÂNCIA!

    Será possivel TUDO!

    A lei vale apenas para uns…

    Então isso poderá se repetir a exaustão, que o crime ainda sim poderá ser anistiado…

    Cai fora OAB e deixe quem tem mais RESPEITO PELO BRASIL, por que no fundo fica tudo parecendo conversa PARA BOI DURMIR…

    Isso dai ESTAMOS CARECAS DE SABER!

    Assim como estamos CANSADOS DA LADAINHA QUE HÁ JUSTIÇA NESTE PAIS!

    Justiça para pegar pobre TEM EM TODO LUGAR…

  3. OPS,
    Onde está a íntegra, do

    OPS,

    Onde está a íntegra, do encontro na assembleia/ Camara Federal, em 2014/15, com a comissão presidida pelo Jugmann?

    Ele estava lá e falou da tribuna.

     

    Assistam na íntegra.

     

  4. Opinião formada sem o mínimo
    Opinião formada sem o mínimo de provas nem fundamentos.
    Provas de que isso ocorre não foram mostradas, mais uma matéria sensacionalista.
    Agora só falta colocar uma matéria defendendo os bandidos, para fechar com chave de ouro.

    1. opinião….

      Todos sabem, as pedras, as árvores e as nuvens, que estes crimes tem a policia por trás. E os roubos a explosão nos caixas eletrônicos? E os assaltos a carros-forte, com fugas-passeio pelas estradas pedagiadas?   Mas a mando de quem? Quem comanda a policia, principalmente no estado de SP? Bons tempos quando a imprensa não era só panfletagem de partidos de esquerda, e cobravam dos governadores de plantão pela omissão e incompetência de suas atribuições como comandante da Policia do seu estado. E bons tempos quando a imprensa acreditava que censura era uma atitude mediocre, não é mesmo?

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