Reflexões: O Que é Misoginia

 


“Woman is the nigger of the world,
Yes she is…think about it.”
(John Lennon)

Você sabe o que é misoginia? Segundo o velho e bom Aurélio, misoginia [Do gr. misogynía.], é substantivo feminino e significa: 1. Desprezo ou aversão às mulheres. 2 Psiq. Repulsa mórbida do homem ao contato sexual com as mulheres. [Antôn.: filoginia. Cf. ginecofobia.]. Diante disto, o próprio ato de escrever sobre o tema torna-se susceptível à crítica. Primeiro, há o risco de reforçar a ideologia misógina. Segundo, se o autor é do sexo masculino, também está sujeito a questionamentos. R. Howard Bloch, autor de Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental[1], por exemplo, foi alvo de críticas de “algumas feministas” e precisou defender-se:

“…me auto-identifico como alguém do sexo masculino que é impedido, pelo profundo respeito aos vários feminismos, de falar por um feminismo; e, o que é mais importante, impedido, pelo respeito à capacidade das mulheres de falarem por elas próprias, de adotar a voz de uma mulher, de falar ou “ler como uma mulher”, na frase que Jonathan Culler tornou popular”.[2]

Sou da mesma opinião. Como Bloch, não quero fazer o papel de ventríloquo da voz feminina, o que pode revelar-se “tanto uma estratégia de sedução como uma usurpação do poder daquela pessoa”.[3] Não é o caso de se colocar no papel de advogado. Não obstante, este é um daqueles temas que não podem ficar circunscrito ao sexo feminino. Nós homens precisamos discutir estas questões e tomarmos consciência do quanto esse tipo de ideologia permeia as nossas relações. Percebo que, como educador, cônjuge e pai de três filhas, devo me posicionar e, ainda que minimamente, contribuir para o esclarecimento e a reflexão crítica. Como afirma Bloch: “É preciso levar os clichês antifeministas até seu o seu limite para desmascarar suas incoerências internas – desconstruir, em suma, aquilo que não desaparece apenas pelo desmascaramento ou pelo desejo de que não fosse assim”.[4]

A leitura de Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental se insere no esforço de compreensão e reflexão crítica sobre uma corrente de pensamento que rege a cultura ocidental e cujos ecos ainda estão presentes. A lista de pensadores misóginos é enorme e inclui desde nomes desconhecidos do grande público a outros mais conhecidos nos meios filosóficos e acadêmicos. O autor cita Tertuliano, Jerônimo, Crisóstomo, Ambrósio, Santo Agostinho, Gregório de Nissa, Novaciano, Metódio, Clemente de Roma e Clemente de Alexandria, São Bernardo, Tomás de Aquino; mas também Cesare Lombroso, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche e… Proudhon! Entre outros… É preciso dizer a eles e seus herdeiros: “você não só está errado, como também se contradiz”.[5]

E embora o foco da sua análise seja a era medieval, Bloch observa que o ideário misógino está presente em textos clássicos como a Odisséia, de Homero, e, nos textos bíblicos. Todos legitimadores do poder masculino. A mulher é concebida como ser inferior, submetida à dominação e governo dos homens e incapazes até mesmo de filosofar. Muitos dos estereótipos sobre as mulheres têm origem em pensadores considerados eruditos e fundamentais para a civilização ocidental – sem contar a influência dos textos considerados sagrados.

É um ideário milenar e legitimado pela autoridade da religião e da cultura ocidental. Não é de estranhar, portanto, que ideias misóginas sejam compartilhadas pelas próprias vítimas e reforçada por comportamentos reproduzidos nas relações cotidianas entre homens e mulheres de todas as idades, no espaço doméstico, do trabalho e escolar. Felizmente, mais e mais homens e mulheres percebem o quanto a misoginia está entranhada e, em nome da igualdade de gênero, rebelam-se. É preciso!

 


[1] BLOCH, R. Howard. Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

[2] Ver Jonathan Culler. On Deconstruction: Theory and Criticism after Structuralism, Ithaca: Cornell University Press, 1982, p.43-44; apud idem, p.10.

[3] Idem.

[4] Idem, p.11.

[5] Idem, p.12.

O que é misoginia?

 

 

Redação

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