Sem ciência e tecnologia estamos fadados ao subdesenvolvimento

Por Tulio Chiarini e Olga Baptista Ferrraz
 
Temer está propondo medidas que terão impactos desastrosos para o futuro do país, como o desligamento do supercomputador do LNCC, cortes de bolsas do CNPq, redução do orçamento e vagas nas universidades federais, sem falar dos efeitos negativos da PEC do teto
 
Do Brasil Debate
 
Ato contra fusão de ministérios, realizado na UFRJ em junho de 2016

A superação do subdesenvolvimento de diferentes países demandou, dentre outros, investimentos pesados, tanto públicos quanto privados, em pesquisa científica e tecnológica. Hoje, países reconhecidamente desenvolvidos, como é o caso da Alemanha, EUA e França investem 2,83%, 2,74% e 2,24% do seu PIB em P&D. Países em processo de emparelhamento, como a Coreia do Sul e a China despendem 4,15% e 2,01%[1]. Um percentual significativo desses investimentos é feito pelo setor público: variando de 20 a 35% (China e França, respectivamente).

Os dispêndios brasileiros em P&D em relação ao PIB, na última década, passaram de 1,04%, em 2000, a 1,24%, em 2013. Diferentemente dos países anteriores, o maior percentual de investimento em P&D no Brasil ocorre como iniciativa do setor público: dos US$ 39,7 bilhões gastos em 2013, aproximadamente US$ 22,9 bilhões (i.e., 57%) foram realizados pelo governo[2].

Outro fator importante para a superação do subdesenvolvimento é a formação de mão de obra altamente qualificada. França, Alemanha e EUA investem, com recursos públicos, em educação superior 1,3%, 1,1% e 0,9% do PIB[3].  O Brasil aumentou seus dispêndios públicos de 0,7% do PIB, em 2000, para 0,9% em 2011 e ampliou o número de universidades federais e de institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFETs).

O incremento dos investimentos em P&D e em instituições de nível superior no Brasil foi resultado de diversas políticas ativas forjadas nos últimos anos de incentivo à pesquisa científica e tecnológica e ampliação das universidades públicas (como o ProUni, UAB, REUNI etc.).

Vale ressaltar que os institutos públicos de pesquisa e as universidades desempenham papel central em um Sistema de Inovação, ao criar e difundir conhecimento através de suas funções tradicionais, como o ensino, a formação de recursos humanos e a pesquisa científica e tecnológica.

Adicionalmente, tais instituições desenvolvem e provêm novos conhecimentos capazes de influenciar o setor produtivo por meio da pesquisa disseminada em publicações, projetos de pesquisa cooperativos ou consultorias. Ou seja, no Sistema de Inovação, essas instituições apresentam um papel de produtores e difusores de conhecimento científico e também de formação e qualificação dos recursos humanos.

Entretanto, esse parece não ser o entendimento do atual governo liderado por Michel Temer. A despeito dos esforços em aumentar os dispêndios brasileiros em P&D em relação ao PIB, existe ainda no Brasil um reconhecido desbalanceamento entre os investimentos em pesquisa científica em detrimento do desenvolvimento tecnológico e inovação. Produzimos ciência, mas não desenvolvemos produtos nacionais inovadores para o mercado. A maior parte da inovação no Brasil é oriunda da importação de máquinas para implantação de novos produtos e novos processos e não do desenvolvimento de novas tecnologias.

Ademais, pesquisas recentes demonstram que a ausência de mão de obra qualificada capaz de sugerir aprimoramentos no processo produtivo e criar novos produtos é apontada como obstáculo crescente para inovar[4].

Ou seja, os esforços dos últimos governos na última década em estimular a ampliação dos investimentos em P&D (como o projeto EMBRAPII) e da capacidade em ampliar a formação de recursos humanos foram importantes, mas não suficientes para equacionar os problemas apontados e nem para incentivar o setor privado a ampliar significativamente sua participação em P&D e inovação.

Entretanto, as medidas descabidas propostas pelo governo Temer como o desligamento do supercomputador[5] localizado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), a desativação[6] de parte da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, os cortes de bolsas de pesquisa[7] do CNPq, as reduções orçamentárias no MCTI, as pressões para redução do orçamento[8] e das vagas[9] nas universidades federais também não equacionaram os problemas. Pelo contrário, terão impactos catastróficos nos próximos anos. Sem falar dos possíveis impactos negativos da PEC 241 (agora PEC 55) sobre o avanço da ciência e do desenvolvimento tecnológico e inovação[10].

O atual governo parece não entender que ciência e tecnologia devem ser encaradas como investimento e não como gasto.

O atual governo parece não entender que as universidades e os institutos públicos de pesquisa têm caráter vital não somente na formação de recursos humanos, mas também na geração de conhecimentos técnico-científicos.

O atual governo parece não entender que os avanços científicos impulsionam o progresso industrial e o desenvolvimento dos países.

O atual governo parece não entender que ao ampliar o estoque de conhecimento, ampliam-se as oportunidades tecnológicas.

O atual governo parece não entender que avanços científicos e tecnológicos geram inovações e produtos com competitividade.

O atual governo parece não entender que para se desenvolver é preciso inovar constantemente.

O atual governo parece não entender que a história do desenvolvimento das nações mostra que a superação do subdesenvolvimento foi possível graças aos investimentos pesados em educação, desde a básica até a superior, e em atividades científicas e tecnológicas com forte amparo governamental, a exemplo da Coreia do Sul.

É desastroso o corte de investimento em ciência e tecnologia.

Os pensamentos e ideias expressos neste trabalho não refletem necessariamente aqueles do INT/MCTI. Os eventuais erros são de inteira responsabilidade dos autores.

Notas

[1]           Dados referentes a 2013 e disponibilizados pela OECD: Main science and technology indicators 2016.

[2]           Dados disponibilizados pelo MCTI.

[3]           Dados referentes a 2011 e disponibilizados pela OECD: Education at a glance 2014.

[4]           http://brasildebate.com.br/obstaculos-para-inovacao-dois-lados-da-mesma-moeda/

[5]           http://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/29516-sem-repasse-do-ministerio-da-ciencia-supercomputador-que-pesquisa-o-pre-sal-e-desligado-no-rio

[6]           http://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/29960-por-ma-vontade-ou-incompetencia-governo-esta-prestes-a-desligar-a-rede-brasileira-de-pesquisa-cientifica

[7]           http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2016/08/06/cnpq-corta-20-das-bolsas-no-pais.htm

[8]           http://g1.globo.com/educacao/noticia/mec-preve-orcamento-15-menor-para-universidades-federais-em-2017.ghtml

[9]           https://jornalggn.com.br/noticia/temer-corta-vagas-nas-universidades-publicas-sem-explicar-motivos

[10]          http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/pesquisadores-temem-desastre-na-ciencia-com-aprovacao-da-pec-241/

 

Redação

8 Comentários

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  1. IPEA FORA DO TOM

     

    Lúcida análise e preocupante diagnóstico.

    Ademais, as iniciativas de terra arrasada do governo temer, buscando desmontar o Estado nacional e desarticular por dentro as exitosas políticas públicas adotadas pelo governo federal na última década, vai de encontro com a pretendida agenda fixada pelo IPEA de Ernesto Lozardo, divulgada em setembro, denominada de “Desafio da Nação” (http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28594).

    Amparada nas orientações gerais do Banco Mundial/ OCDE, calcadas na controversa hipótese da “armadilha da renda média”, a “nova” agenda do IPEA defende a ampliação de gastos em P&D, de modo a alça-los a níveis substanciais, mediante a implantação  do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), lançado no apagar das luzes do primeiro mandato da presidenta Dilma (2014) – e que chegou a ser incorporado no programa da candidata Dilma.

    O PNPC, como se sabe, foi jogado no esquecimento naquela conjuntura política adversa que se abriu logo após as eleições e ficou praticamente inviabilizado pela primazia que o ajustamento fiscal assumiu sobre todos os demais programas e ações governamentais a partir da posse de Dilma-2.

    Com a PEC 241/55, a agenda neoliberal rediviva no campo do desenvolvimento econômico e a reafirmação da política econômica ortodoxa, a àrea de C,T&I passará por um estupenda desidratação nos próximo anos, tornando a agenda de trabalho pretendida  pelo IPEA um trombone desafinado na banda marcial do governo Temer.

    O Brasil desponta para o nanismo econômico no cenário internacional.

  2. “Nem só de pão vive o homem”…

    Claro que é importante o tanto de dinheiro que a turma que está por trás do golpe e de Temer destina à P&D. Mas os sentimentos de indignação decorrentes da extrema violência promovida por aquela turma contra a ordem democrática e contra a inteligência não podem ficar de fora da equação. Num exemplo extremo, Cuba com pouquíssimos recursos desenvolveu uma Medicina que cumpre seu papel acima de muitas outras medicinas, a saber, promove a saúde e a educação. Por outro lado há exemplos em profusão de rios de dinheiro jorrando a setores que acabam produzindo bem pouca contribuição exceto aos encarregados pessoalmente de fazer esse rio continuar correndo. Seria bom, a meu ver, que se estabelecesse sentimento de otimismo àquele que investe, mais do que o necessário dinheiro, a de esperança de realização.

    O atual governo parece entender que basta a ele se manter no poder, seja como for. Acabamos numa sinuca de bico: se obedecermos à ordem de “esquecer a crise e trabalhar”, mesmo perdendo direitos trabalhistas, corremos o risco de legitimar o golpe. Mas desanimar nos prejudica a nós mesmos…

    (A propósito, quem mantém o grupo que temos no governo? Com certeza a esperança e a inteligência é que não. A mim parece que quem mantém esse grupo no governo pretende mesmo que não alcancemos soberania, independência e prosperidade.)

  3. Não caiu a ficha

    O objetivo de Temer é este mesmo, nos manter no subdesenvolvimento. Ele é um empregado do Império, e para os donos do mundo não há nenhum interesse em desenvolver o Brasil, pois eles tem medo que o Brasil se unindo com China e Rússia, se torne outra super potência e passe a fazer concorrência com eles.

    Assim como Roma destruiu Cartargo e salgou seu solo para que mais nada crescesse lá, por puro medo da concorrência, assim o Império faz com o Brasil, a “colônia rebelde”.

  4. Se só o governo agisse assim…
    Se só o governo pensasse assim seria menos pior, o problema é que nossos “capitalistas” concordaram plenamente com isso e apóiam essa atitude auto-destrutiva.

    Estamos voltando aos anos 80, onde o grande sonho capitalista nacional, com raras exceções, era encontrar um “gringo trouxa” que comprasse empresas por um valor absurdo para que os donos pudessem viver “de renda”, sem trabalhar pelo resto da vida!

    E a multidão de adoradores do pato de borracha, vestida de camisa da CBF, acha tudo lindo! Para estes, meu conselho é que aprendam a capinar café ou cortar cana, pois como diz a propaganda: agro é POP! Pra quem é mais “antenado” e instruído, a opção óbvia é atendente de call Center.

    Outras profissões promissoras da década de 80 , como entregador de pizza/faxineiro em New Jersey e sacoleiro/muambeiro em Ciudad del Este, devem ter uma retomada expressiva nos próximos anos. Vai ser bom, essa galera vai poder exercitar o empreendedorismo em toda sua plenitude!

    P.S.: todo meu respeito a essas profissões, mas um país que simplesmente ignora educação e P&D não tem como sonhar com algo muito maior do que isso e, infelizmente, uma economia com esse tipo de limitação não consegue gerar condições mínimas de vida para uma população de mais de 200 milhões de pessoas…

  5. É justa a luta por mais

    É justa a luta por mais investimento em pesquisa. A questão é definir de onde será contingenciada a verba para suprir essa área. Infelizmente o cobertor é curto. Sugiro cortar o salário do funcionalismo federal em 30%, como é a pretensão atual no RJ.

  6. Muitos desses que estão

    Muitos desses que estão tomando na tarraqueta foram aqueles que estavam de camisa amarela da CBF (Confederação da Bandidagem do Futebol) pedindo fora PT, infelizmente uma minoria consciente paga por uma maioria iludida e manipulada pela Rede Globosta.

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