Tempo de exceção

Por Roberto Bitencourt da Silva

O direito à greve dos trabalhadores consiste em um recurso para o equacionamento de conflitos de interesses. Um direito garantido pela Constituição. Trata-se de um direito trabalhista histórico, conquistado a duras penas. Reflete, convencionalmente, o descontentamento em torno de negociações entre trabalhadores e patronato, no setor privado, e servidores e administração, no setor público. Não raro, sequer a disposição para a abertura de negociações é apresentada, seja por governos, seja pelas empresas. Desse modo, nos últimos meses, têm proliferado inúmeras ações que visam a coibir o exercício do direito de greve: em março, na cidade do Rio de Janeiro, o movimento dos garis conviveu com recorrentes ameaças de demissões. No mês passado, os trabalhadores rodoviários, na mesma cidade, passaram por igual situação. Há pouco, em São Paulo, ocorreu com os metroviários, o que redundou em multa aplicada ao Metrô, pelo Ministério do Trabalho. O Ministério considerou a medida utilizada pela empresa como “abusiva”. Na educação pública do município do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes resolveu também adotar o expediente demissionário contra os professores.

No ano passado, a greve deflagrada pelos professores no Rio de Janeiro durou três meses. Longo período que demonstrou a absoluta incapacidade do prefeito carioca ao diálogo. Ele encaminhou à Câmara de Vereadores um projeto de lei que alterava o Plano de Cargos e Remunerações, sem submetê-lo a um debate coletivo que envolvesse aos profissionais de educação. O seu projeto foi aprovado sob a marca da instalação de um verdadeiro estado de sitio no centro da cidade. A Câmara foi cercada pela polícia, os professores não puderam acompanhar a votação e foram submetidos à agressão no entorno. O projeto foi aprovado em uma Câmara a portas fechadas. Ademais, encerrada a greve, foram firmados compromissos ainda hoje não respeitados pela prefeitura. Um desses compromissos é a adoção da lei federal que estabelece 1/3 da carga horária do educador para o planejamento das aulas. Com isso, nova greve dos educadores foi instalada, há pouco mais de um mês, tendo por foco também a crítica à destinação de recursos públicos da educação para empresas terceirizadas, fundações e ONGs. 

Revelando o mesmo padrão de comportamento que caracterizou as suas ações, no ano passado, uma vez mais Eduardo Paes não tem negociado com os professores. Ao contrário, recente e arbitrária medida para “superar” o impasse foi utilizada, na mau-agourada sexta-feira (13/06): a divulgação de uma lista de professores em estágio probatório considerados “inaptos” pela Secretaria Municipal de Educação – SME. São 51 nomes relacionados, que não tiveram acesso a qualquer documento avaliativo. Educadores têm analisado os processos abertos pela SME e poucas dúvidas restam. Existem processos cujos nomes na condição de requerentes, pasmem, são atribuídos aos próprios potenciais demitidos. A razão central para essa sombra do expurgo é a participação dos professores no movimento grevista, seja do ano passado, seja este ano. Por conta disso, nesta segunda-feira (16/06) será promovida manifestação às portas da Prefeitura.

A persistente imagem desqualificatória dos movimentos sociais, senão mesmo a sua criminalização, e a adoção contumaz da repressão como resposta semiexclusiva, em particular no que compete aos conflitos trabalhistas, tem denotado o que Paulo Arantes, em seu livro “O Novo Tempo do Mundo”, identifica como marca da nossa época: o uso de práticas arbitrárias e extralegais dos Estados, como meio de disciplinamento dos “insurgentes”. O medo é o motor desse “tempo de exceção”. Demitir, ou ameaçar de demissão os trabalhadores, tomando como critério exclusivo o exercício do direito de greve, é um recurso arbitrário, que visa a espraiar a sensação de medo entre os trabalhadores, de modo a neutralizar o direito de greve. É um sitiamento do direito do trabalhador para a submissão incontrolada da cidade e dos orçamentos públicos pelos negócios, todo-poderosos soberanos. 

Redação

1 Comentário

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  1. Parabéns professor!

    Fica muito claro com a leitura do seu texto que a postura do Estado frente os movimentos sociais, de classes trabalhadoras, dos professores/ras do município do Rio são alvo de perseguição e repressão, é importante ressaltar a omissão dos meios hegemônicos de comunicação de massas, ou mesmo o uso da antiga retórica (por esses meios) de desqualificação/criminalização de tais movimentos.

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