O Ilusionismo legislativo do Presidente Jair Bolsonaro, por Gustavo Rangel

É notória a rudimentar tentativa de ilusionismo legislativo de chamar a atenção para um dispositivo de comoção popular ultra polêmico, enquanto que na outra mão tenta-se aprovar imperceptivelmente as medidas que realmente são almejadas. 

O Ilusionismo legislativo do Presidente Jair Bolsonaro 

por Gustavo Rangel

A Medida Provisória nº 927, editada pelo presidente Jair Bolsonaro que determinou a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses que causou muito alarde por possibilitar que trabalhadores, em tempo de pandemia, fiquem sem receber salários nesse período . A MP dispõe de medidas no âmbito do direito do trabalho para enfrentamento do estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional decorrente da emergência de saúde pública do coronavírus (covid-19).

O conteúdo da MP busca esfiapar o já esgarçado tecido protetivo das relações de emprego, aviltando princípios trabalhistas estabelecidos na Constituição Federal, além de gerar distorções irremediáveis e calamitosas à classe de trabalhadores.

É perceptível que a crise global de saúde está compelindo o Governo Federal a promover medidas de enfrentamento à crise econômica que começa a se estabelecer no mundo, mesmo sem haver quaisquer perspectivas dos resultados de curto ou longo prazo medidas trarão. Contudo, tal incerteza quanto à efetividade das medidas a serem tomadas não permite que qualquer autoridade institucional se valha de instrumentos legais para inverter a lógica do ordenamento jurídico brasileiro. 

A MP nº 927 por certo destaca-se ao criar faculdade ao empregador de suspensão do contrato de trabalho sem remuneração, por até quatro meses no curso do estado de calamidade pública, para a “preservação do emprego e da renda”. Tal disposição, largamente criticada pela sociedade civil, entidades e autoridades políticas, aparentemente será retirada do corpo da MP, uma vez que o Presidente Jair Bolsonaro demonstrou recuo da mesma em suas redes sociais.

Entretanto, mesmo com a supressão do artigo que trata da suspensão do contrato de trabalho, a MP nº 927 ainda manterá diversas outras inconformidades com o ordenamento jurídico brasileiro como, por exemplo, a não remuneração pelo regime de prontidão ou sobreaviso na hipótese de teletrabalho.

Isto significa que o empregado poderá permanecer à disposição do empregador após a conclusão da sua jornada de trabalho por período indeterminado e sem remuneração, contrariando o texto da CLT em seu artigo 244, § 3º, dispõe por remunerar em 2/3 o valor da hora de trabalho disponibilizada ao empregador. Além de não remunerar a hora extra disponibilizada pelo trabalhador, a MP ainda trata determina igualdade que os menores aprendizes e estagiários estarão sob os mesmos termos dos trabalhadores celetistas.

Na mesma toada de inconformidades estão as disposições sobre o banco de horas, onde o instituto jurídico de compensação de horas extraordinariamente trabalhadas é teratologicamente subvertido. 

Este trata-se de disposição onde o trabalhador descansará em prazo futuro o acúmulo de horas excedentes que somou em suas jornadas. A MP dispõe que ao empregador facultará interromper as atividades, tendo ele a possibilidade de obrigar o empregado a somar a sua jornada então não trabalhada até duas horas de trabalho não remuneradas. Ou seja, o instituto de banco de horas, que visa compensar as horas excedentes trabalhadas com descanso, será impropriamente convertido em futuro trabalho extraordinário pela escolha de interrupção das atividades do empregador.

No pesar dessas inconformidades apontadas até aqui, é no artigo 2º que a MP nº 927 traz o maior atentando à rede de proteção das relações de emprego. Neste dispositivo, o Governo Federal retira da relação de emprego o império lei e das normas coletivas ao permitir que o empregador celebre acordo individual, sobrepujando ambas.

Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.  

É notória a rudimentar tentativa de ilusionismo legislativo de chamar a atenção para um dispositivo de comoção popular ultra polêmico, enquanto que na outra mão tenta-se aprovar imperceptivelmente as medidas que realmente são almejadas. 

Enquanto alardeamo-nos com a possibilidade de ver trabalhadores sem salários por até quatro meses, este Governo trabalha constantemente para não haver mais trabalho formal como conhecemos. Se a lei e as normas coletivas de direito do trabalho visam unicamente a proteção da relação de emprego, subjugá-las ao critério do empregador será o fim da rede de proteção do trabalho. Com a confirmação pelo Congresso em até cento e vinte dias, não só as leis perderão validade, mas a maioria das disposições jurisprudenciais de todos os tribunais do trabalho poderão perder efeito frente ao poder contratual quase absoluto do empregador.

O presidente Jair Bolsonaro aparenta estar atordoado com a perda recente de apoio dos segmentos religiosos e empresarial, e com a crescente rejeição indistinta ao seu catastrófico governo, tenta recobrar apoio no grupo empresarial que fielmente lhe apoiou nas crises das rachadinhas, milícias, educação, queimadas e vazamento de óleo entregando ao empresariado a possibilidade de autorreger as relações de emprego. Tudo isso para ter sustentação para preservar-se no poder, mesmo que tenha que governar um país em escombros, com uma população de entregadores de comida e motoristas de aplicativos. 

Gustavo Rangel, advogado, membro da Frente Estadual de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro (FEJUNN RJ) e Movimento Negro Unificado (MNU)

Redação

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