Argentina: o ‘voto bronca’, o ‘voto Rappi’ e os sete milhões de votos no maníaco da motosserra, por Hugo Souza

Milei convenceu parcelas dos trabalhadores mais precarizados da Argentina que foram os direitos trabalhistas que destruíram a renda no país.

Javier Milei (Foto: Camila Godoy/Telam).

do Come Ananás

Argentina: o ‘voto bronca’, o ‘voto Rappi’ e os sete milhões de votos no maníaco da motosserra

por Hugo Souza

O jornal argentino Página 12 perguntou ao autor de uma biografia não autorizada de Javier Milei sobre o chamado “voto bronca” no candidato fascista à presidência da Argentina. O “voto bronca”, de protesto, de zangados com o que Milei chama de “la casta” – equivalente àquilo que o bolsonarismo chama de “velha política” -, vem sendo apontado como explicação principal para Milei ter sido o candidato a presidente mais votado, por 7 milhões de argentinos, nas primárias para a eleição presidencial de outubro, colocando um pé na Casa Rosada.

Transcrevemos abaixo este trecho da reportagem do Página 12:

“Com certeza parte dessa votação se explica pelos 150 pontos de inflação. Mas o buraco é muito mais profundo. Milei hoje encarna o voto dos trabalhadores da Argentina”, resume Juan Luis González, autor da biografia de Milei “El loco”. Àquela “sociedade uberizada”, a do “garoto Rappi” que “está pedalando 12 horas para comprar um celular em 6 parcelas e, na terceira, é roubado e ele tem que continuar pagando”, o Estado não chega. E não é só isso: se chega a ele, é como um problema, diz González.

Ele dá como exemplo o debate pela regularização dos aplicativos de entrega na província de Buenos Aires, à qual os trabalhadores dos aplicativos opuseram-se. O porta-bandeira dessa oposição foi o deputado provincial d’A Libertad Avanza [coalização de Milei] Nahuel Sotelo, que foi às sessões com a mochila do [aplicativo] Pedidos Ya. Terminou [quando a regularização foi enterrada] comemorando com os entregadores “a vitória contra a casta política que quer fazê-los entrar nas arcaicas normas trabalhistas que destruíram a renda na Argentina”.

E como se cava este buraco profundo? Como funciona este trabalho de base, por assim dizer, dos “libertários”, dos “anarcocapitalistas”, dos fascistas do século XXI? Nesta terça-feira, 15, Come Ananás mostrou que um dos cabeças da campanha de Javier Milei é um orgulhoso manipulador de algoritmos – logo, do debate público – via dezenas de milhares de contas falsas em redes sociais. Há um nome para isso: fazenda de trolls. É uma pista.

Outra, mais analógica: há poucos meses, a Rappi pagou 10 mil pesos para entregadores cadastrados na plataforma participarem de uma atividade com o deputado “mileilista” Nahuel Sotelo, aquele, ainda que ele andasse com a mochila da concorrência nas costas.

Na República Argentina, que há três décadas padece dramaticamente das sequelas do neoliberalismo fanático de Carlos Menem – de quem, aliás, Javier Milei copiou as supercosteletas – e do seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, na Argentina também há um nome para os jovens não da Recoleta, mas das classes populares que militam na Libertad Avanza, no “mileilismo”, em nome do mérito, do trabalho e da produção: são os Rappi de Milei.

Javier Milei já prometeu acabar com o salário mínimo e a previdência pública na Argentina e fechar os ministérios da Saúde e da Educação, entre outras “propostas” francamente antipovo. Nesta terça-feira, 15, disse em programa de TV que vai fechar também o Conicet, respeitado órgão federal argentino dedicado à promoção da ciência e da tecnologia. Sobre os cientistas do Conicet, que ficariam desempregados, Milei disse que “eles devem ganhar o pão com o suor de seus rostos”.

O Página 12 desta quarta-feira, 16, alertala motosierra de Javier Milei también llegaría a la ciencia. Importam-se os entregadores da Rappi e da Pedidos Ya que não percebem o Estado e, quando percebem, é como inimigo? O jornal lembra que Domingo Cavallo, na década de 90, respondeu assim a uma pesquisadora do Conicet que protestou contra os baixos salários dos cientistas: “vá lavar pratos”.

Hoje, Cavallo diria: “vá pedalar 12 horas por dia”.

Hugo Souza é jornalista.

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Hugo Souza

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