Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Argentina, que te passou?, por Angelita Matos Souza

As dificuldades favoreceram a oposição, que soube aproveitar o descontentamento para eleger Macri, que deixaria uma dívida enorme com o FMI

Reprodução vídeo Intermedia Press

do Observatório de Geopolítica

Argentina, que te passou?

por Angelita Matos Souza.

Quando estudamos a história da Argentina com foco no processo de industrialização surge inevitavelmente a pergunta: por que a economia argentina não despontou como uma grande economia industrial? Pois estava entre as maiores economias do mundo no início do século passado.

Obviamente, a resposta envolve muitos fatores, a começar pela resposta à crise de 1929, mas gostaria de destacar que a ideologia liberal e o Brasil dificultaram o processo de desenvolvimento industrial na Argentina no período da fase da nova dependência, de meados dos anos 1950 ao final dos anos 1970.

Isto porque houve da parte do capital estrangeiro preferência pelo Brasil, em vez da Argentina, para investimentos industriais. O que se explica pela vida política nos dois países. No Brasil, as ideias desenvolvimentistas tiveram mais peso e orientaram governos brasileiros, notadamente o governo Juscelino, no sentido da atração dos investimentos estrangeiros. Na Argentina, o embate entre liberalismo e intervencionismo estatal desenvolvimentista foi mais radicalizado e as políticas de estímulo ao desenvolvimento industrial menos estáveis. [ver Renato Perissinotto (2022), Ideas, burocracia e industrialización en Argentina y Brasil].

A partir do final dos anos 1970, com a ascensão do regime de acumulação neoliberal, combinar dependência com industrialização ficaria mais difícil para os países da América Latina em geral, inclusive para o Brasil, onde ocorreu a maior revolução industrial da região. Porém, por aqui, foi a crise da dívida externa nos anos 1980 que pavimentou o caminho para as reformas neoliberais dos anos 1990, na Argentina, esse caminho (chileno) foi adotado antes, durante a última ditadura, e radicalizado nos anos 1990.

As reformas introduzidas pelo governo Menen (1989-1999) implicaram na adoção de uma política de combate à inflação baseada na paridade cambial a princípio exitosa no controle dos preços, mas com efeitos negativos para a economia, sobretudo para o setor industrial. Desde então, a preferência dos argentinos pelo dólar (dos que têm recursos para poupar, investir) tem acentuado a vulnerabilidade externa do país.

Recentemente, em meio à conjuntura externa favorável, relacionada à demanda chinesa por commodities, a economia argentina ganhou um fôlego durante os governos Kirchner. No entanto, o contexto internacional tornado adverso após a crise financeira que eclodiu em 2008 afetaria o governo de Cristina Kirchner, sendo o conjunto de medidas anticíclicas adotado acusado de provocar déficit fiscal e inflação.

O acúmulo de dificuldades favoreceu a oposição, que soube aproveitar o descontentamento para eleger Macri, este não seria reeleito, mas deixaria uma dívida enorme com o FMI, que, aliada à crise pandêmica e a uma seca extrema inviabilizaram economicamente o governo Fernandez, governo politicamente fraco, atacado por todos os lados, inclusive pelo campo peronista.

Nas eleições do final de semana, o desempenho do candidato de extrema-direita Javier Milei deu um susto, bem votado principalmente entre os mais jovens. Pelo que li, em geral jovens trabalhadores “uberizados”, para os quais acabar com o Estado deve soar positivo, pois desprovidos da sua proteção. Se desgraçadamente o sujeito for eleito, o mais provável é que não consiga implementar nem metade do que vem prometendo, contudo, implicará no aprofundamento da crise (sim, é possível).

Para concluir, vale cogitar a possibilidade de o próximo governo contar com a ajuda chinesa, algo improvável se os chineses tiverem de escolher entre o Brasil do governo Lula e a Argentina sob um governo de direita ou de extrema-direita. Por seu turno, as relações com o Brasil ficarão mais difíceis com um governo à direita na Argentina.  Talvez, o país possa contar com a ajuda norte-americana, justamente para barrar a China. Entretanto, a instabilidade política pode ser um obstáculo, caso o governo dos EUA pretenda “ajudar”.

Em resumo, o liberalismo/neoliberalismo radicalizado destruiu a Argentina e, pelo jeito, neste século seguirá destruindo.  Desejo que não.

Angelita Matos Souza. Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutora em Economia pela Unicamp. Livre Docente em História Econômica do Brasil pelo IGCE-Unesp e docente no IGCE-unesp.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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