Em discussão no Brasil, educação de gênero é realidade na Argentina desde 2006

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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País preparou materiais de conscientização para alunos e professores sobre educação sexual

Por Aline Gatto Boueri

Do Opera Mundi
 

“Reconhecer diversas formas de organização familiar”, “valorizar e respeitar formas de vida diferentes das próprias”, “romper com estereótipos de gênero”. Esses são alguns dos objetivos de atividades propostas em manuais do ME (Ministério de Educação) da Argentina destinados a docentes que trabalham com educação sexual em salas de aula do ensino fundamental.

Enquanto a inclusão da perspectiva de gênero e conteúdos sobre sexualidade no currículo escolar geram debates acalorados no Brasil – e prevalece a visão contrária ao ensino dessas temáticas – a Argentina conta, desde 2006, com uma Lei Nacional de ESI (Educação Sexual Integral). A norma garante aos estudantes das redes pública e particular de todo o país, da educação infantil (para crianças com até cinco anos) ao ensino médio, o direito a trabalhar em sala de aula conteúdos relacionados à sexualidade.

Dois anos depois da sanção da lei, em 2008, o Conselho Federal de Educação definiu os princípios que deveriam guiar a ESI, cujos pilares são a perspectiva de gênero, o foco em direitos, o respeito à diversidade, o cuidado com o corpo e a saúde e a valorização da afetividade.

Para a antropóloga Marcela Bilinkis, que pesquisa experiências de educação sexual em jardins de infância em um projeto da UBA (Universidade de Buenos Aires), os estudos de gênero contribuem para que a educação seja mais justa. “Essa perspectiva problematiza a narrativa do binarismo sexogenérico, na qual existem apenas dois sexos possíveis e uma única forma de sexualidade, a heterossexualidade”, explica a Opera Mundi. “Também abre possibilidades [para crianças e jovens] de identificação com outras formas de ser mulher ou ser homem, sem que isso apareça como patologia ou algo que precisa ser corrigido.”

Para a professora de ensino médio e capacitadora em ESI Verónica Zorzano, o conteúdo de educação sexual pensado para as escolas argentinas tem impacto em outros âmbitos da sociedade, como o acesso à saúde ou a prevenção de abusos sexuais. “É uma questão de dar ao jovem o poder ao se conhecer e conhecer seus direitos, ao saber que o que sente não é uma anomalia, ao identificar situações de abuso dentro ou fora da família”, destaca.

Desafios na implementação

Apesar dos quase 10 anos que já se passaram entre a aprovação da lei de ESI, nos quais também foram aprovadas leis de matrimônio igualitário e de identidade de gênero, o ME ainda enfrenta dificuldades para que a lei seja cumprida em todo o território argentino. Fontes consultadas por Opera Mundi afirmaram que entre os desafios da lei está fazer com que, em uma federação, todos os estados garantam que os conteúdos ligados à sexualidade sejam trabalhados na escola dentro dos pilares que sustentam a ESI.

Outro aspecto da lei que demanda um esforço especial é o caráter transversal da educação sexual, ou seja, que professores de todas as matérias trabalhem seus conteúdos com a perspectiva de educação sexual em sala de aula.

Federico Holc, professor do ensino médio em um colégio de Buenos Aires, conta que essa pulverização da responsabilidade em educação sexual termina por ser uma barreira para a implantação da lei. “A capacitação não é obrigatória e a transversalidade faz com que a transmissão dos conteúdos da ESI fique à mercê da boa vontade de cada professor”, reclama. Ele reforça que capacitação permanente em todas as escolas é fundamental, “senão a implantação vai demorar o tempo que demora para que toda a sociedade mude”.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Enquanto isso, no Brasil…..

    Os conservadores espalham a idéia dé que o governo faz parte de uma conspiracao internacional e quer implantar a imbecil “ideologia de genero” para transformar os estudantes em um batalhão andrógino.

    Como se professores não tivessem filhos, também. 

     

     

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