Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A taxação do sol: algumas contas simples, por Roberto Pereira D’Araujo

Lamentavelmente, no sentido inverso do mundo, o Brasil vai criar dificuldades para uma forma de geração de energia elétrica a partir do sol.

A taxação do sol: algumas contas simples, por Roberto Pereira D’Araujo Parece que a ignorância sobre o funcionamento do sistema elétrico é um caso bem mais grave do que se pensa.

Lamentavelmente, no sentido inverso do mundo, o Brasil vai criar dificuldades para uma forma de geração de energia elétrica a partir do sol.

É bom lembrar, que, até agora, a imensa maioria de geração de eletricidade se dá através de energia cinética. Turbinas giram (hidroelétricas, eólicas, térmicas) e, através das leis físicas do eletromagnetismo, geram eletricidade.

A energia fotovoltaica é uma novidade até nesse aspecto, pois a produção de energia elétrica se dá pela interação da luz do sol com materiais fotossensíveis. Não há turbinas.

Mas, para explicar porque está tudo errado nesse confuso modelo brasileiro, é preciso “desenhar”. Vamos imaginar um micro país. Já que as próprias autoridades dizem que estamos “distribuindo renda dos consumidores com menor poder aquisitivo para consumidores com mais poder aquisitivo”, vamos imaginar o seguinte:

Esse país tem apenas 2 moradores. Um “rico” e um “pobre”. Vamos supor que haja uma hidráulica e uma térmica.

  • O “rico” consome o dobro do “pobre”.
  • Vamos supor que o kWh da usina hidráulica custe R$ 1.
  • Vamos supor que o kWh da térmica custe R$ 3.
  • Essas proporções não são muito diferentes da realidade.
  • Vamos supor que a hidráulica gera 200 kWh e a térmica gera 100 kWh.
  • Qual é o custo médio de geração desse sistema?
  • (200 kWh x R$ 1 + 100 kWh x R$ 3) / 300 kWh = R$ 1,6/kWh
  • Portanto, a conta do Rico seria 200 x R$ 1,6 = R$ 320
  • A do Pobre seria 100 x R$ 1,6 = R$ 160
  • Ai, o Rico instala um painel fotovoltaico pagando do seu próprio bolso e passa a consumir a metade do que consumia, de 200 para 100 kWh.

    Nesse micro país, o consumo total se reduziu de 300 para 200 kWh. Uma redução 33%!

    Ora, nessa situação, pode ser que o operador desligue a térmica.

  • O custo por kWh passa a ser R$1.
  • A conta do Rico passa a ser 100 x R$ 1 = R$ 100.
  • A conta do Pobre passa a ser 100 x R$ 1 = R$ 100.
  • O Rico economizou R$ 120, mas gastou o preço do telhado.
  • O Pobre economizou R$ 60 sem gastar nada!
  • Mas, vamos supor que o operador apenas diminua a geração térmica. Hidráulica era 150 kWh e a térmica gera 50 kWh. Uma situação bem pior do que a real proporcionalmente.

  • O custo médio por kWh passa a ser (150 x 1 + 50 x 3) / 200 = R$ 1,5 /kWh.
  • A conta do Rico seria 100 X R$ 1,5 = R$ 150.
  • A do Pobre seria 100 x R$ 1,5 = R$ 150.
  • O Rico economizou R$ 170, mas pagou o telhado.
  • O Pobre economizou R$ 10, sem gastar nada!!!
  • Quanto maior a diferença entre o consumo do Rico e do Pobre, na instalação do fotovoltaico, melhor fica para o Pobre.

    Se, mesmo com redução do consumo o custo de geração não cai, então o problema é o sistema que está subdimensionado. Nada a ver com o telhado do Rico.

    Mas a ANEEL e as autoridades do governo acham que o Rico explora a rede pois a energia que ele gera e não consome imediatamente trafega num longo passeio pelos fios da distribuidora. Nesse micro país é fácil ver que isso é falso.

    Na realidade, o suprimento das usinas se reduz porque parte da energia do Pobre é suprida pelo telhado do Rico. Se isso não acontecer então as leis de fluxo de corrente precisam ser revistas! Na realidade, a corrente elétrica que vai para o Rico se reduz e a rede se alivia justamente no horário de maior consumo (15hs). (*)

    Mas, no Brasil, os interesses comerciais se sobrepõem à lógica e, apesar das contas aqui mostradas, usa-se o argumento que o foco é a cobrança dos fios das distribuidoras. Ora, a cobrança da tarifa TUSD, que não é nada barata ( ~ R$ 0,4/kWh), é proporcional ao consumo de energia.

    Por exemplo, imaginem 2 vizinhos com o mesmo consumo de energia. A tem fotovoltaicas e B não tem. Digamos que, sob o ponto de vista das distribuidoras, o consumo deles seja exatamente 100 kWh. Portanto, se a regra é pagar proporcional ao consumo, eles desembolsam R$ 40 todo mês.

    Mas, A resolve viajar e desliga todos seus eletrodomésticos por um mês. Quando volta vê que não adiantou nada zerar seu consumo, pois recebeu uma fatura de TUSD de, digamos, R$ 20. Ou seja, sem consumir energia do sistema, A paga TUSD. Portanto, na prática, a regra deixa de ser proporcional ao consumo. O consumidor A aprende a lição, e na próxima viagem, desliga seu telhado fotovoltaico deixando de proporcionar alívio ao sistema. É um país de cabeça pra baixo!

    E, por fim, reparem que existem outros fios. Os que vão das usinas para o poste. Esses se chamam de transmissão e ninguém paga mais por usar essa rede.

    Isso mostra que o problema das distribuidoras é outro totalmente diferente, tem a ver com o mercado livre e com o estado dessa rede no mundo real.

    Essa bagunça ai da foto parece não incomodar a equipe do Paulo Guedes e nem a ANEEL. Estranho, não é?

    (*) É apenas uma suspeita, mas, se o horário de maior consumo é após as 18 hs, por que cancelaram o horário de verão? Se o verdadeiro horário de pico de consumo é as 15 hs e o governo propõe a tarifa branca para que os consumidores lutem por uma redução da fatura de luz, isso não seria uma tentativa de desvalorizar a energia solar?

    Roberto Pereira D’Araujo – Diretor do Instituto Ilumina.

    Obs: Texto originalmente publicado no site do Instituto Ilumina.

    Ronaldo Bicalho

    Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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