Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Lula escapa do ardil semiótico da Marcha de Jesus… e Folha tenta lucrar com isso, por Wilson Ferreira

O jornalismo hegemônico usa o “Lula repete Bolsonaro”, estratégia subliminar para substituir a política pelo “bom-senso” neoliberal.

Lula escapa do ardil semiótico da Marcha de Jesus… e Folha tenta lucrar com isso

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Parece haver alguma inteligência semiótica no governo Lula. O presidente recusou o convite para participar da Marcha para Jesus 2023, em São Paulo. O ardil era evidente: se Lula fosse à Marcha, daria a deixa para a narrativa da “polarização” do jornalismo corporativo: “Lula repete Bolsonaro e politiza evento religioso”. Nunca a polarização foi uma questão para a grande mídia. Passou a ser quando Lula saiu dos cárceres de Curitiba, gerando uma mais-valia semiótica midiática: Bolsonaro e Lula são iguais, polarizam, mas apenas têm sinais trocados. É a retórica “nem-nem”, colocada em ação desde as últimas eleições. Nesse momento, o jornalismo hegemônico mobiliza seu arsenal retórico do “Lula repete Bolsonaro”, estratégia subliminar para substituir a política pelo “bom-senso” neoliberal. Enquanto isso, a “Folha” tenta lucrar mercadologicamente com tudo isso, com a “campanha para incentivar furo de bolhas e diversidade de ideias”.

Até Lula ser solto dos cárceres da Polícia Federal de Curitiba, o jornalismo corporativo não falava em “polarização”. Ela já existia no cenário político, mas ainda não era uma questão para os analistas. 

A grande mídia ficou perplexa, não só por ver Lula ser solto, mas, principalmente, ao vê-lo dar uma contundente resposta simbólica: fez o caminho contrário da rota que o levou a Curitiba – saiu caminhando do prédio da PF, fez um discurso na Vigília Lula Livre e voltou para São Paulo para um discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, onde se entregara mais de um ano antes.

Diante dessa revanche simbólica, “colonistas” e sabujos midiáticos rapidamente criaram uma narrativa da qual tirassem alguma mais-valia semiótica do revés. Uma narrativa mais ou menos assim: “Lula livre representa um risco, porque o País não precisa de radicalizações e polarizações, justamente nesse momento em que as reformas farão a economia crescer e o emprego voltar e blá-blá-blá…”.

A figura de Lula seria inoportuna para o momento político. Por quê? Porque seria mais do mesmo. Apenas com sinais trocados: Bolsonaro já era o extremismo de direita…  agora, teríamos sua contraparte, o extremismo de esquerda.

Vimos essa narrativa a todo vapor nas eleições do ano passado quando o jornalismo corporativo tentou dar pernas à “terceira via”, ao querer demonstrar para o distinto público o quanto Lula e Bolsonaro eram “bolhas” idênticas. E que deveriam ser furadas por “propostas”. E só na “terceira via” isso seria possível.

Ambos seriam como se fossem gêmeos espelho: tanto Bolsonaro quanto Lula já fizeram ataques à Globo e ao jornalismo (corporativo); ambos estiveram imersos em escândalos de corrupção; os dois tem uma predileção geopolítica por governos autocráticos: de um lado, Venezuela e Nicarágua, e do outro Hungria, Emirados Árabes, Rússia; de lado algum há propostas, apenas trocas de acusações e assim por diante.

A escalada da narrativa midiática da polarização chegou à lógica ad absurdum: vítimas da violência política (como o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu por fazer uma festa de aniversário temática sobre Lula e o PT) se tornaram “culpadas” por “polarizarem”… quem mandou fazer uma festa “polarizada”…

Nem a posse do governo Lula 3 enfraqueceu essa narrativa: assim como Bolsonaro o fez, Lula indica amigos ao STF, como o “seu advogado” Cristiano Zanin (marotamente a mídia destaca que a oposição no Senado está elogiando Zanin como um “cara de família” – o “extremista” Malafaia parece aceitá-lo como um dos seus…); Lula repetiria Bolsonaro ao eleger nomes rejeitados pela área de governança da Petrobrás; assim como Bolsonaro quis “despetizar” o governo na largada, também Lula busca “restrição partidária”, sem “análises técnicas”, ameaçando paralisar a gestão; Lula repetiria Bolsonaro no caso da Guerra na Ucrânia; até a ONG Transparência Internacional (um dos braços armados na guerra híbrida brasileira) diz que Lula repetiria Bolsonaro ao querer transformar o STF num “anexo do governo de ocasião” – clique aqui.

Mais-valia semiótica

Qual a mais-valia semiótica buscado por essa narrativa: 

(a) Mostrar que a polarização é um ruído político intolerável que só atrapalha o combate “técnico” contra a inflação e os esforços também sempre “técnicos” para fazer o país crescer;

(b) Salvar o legado da Lava Jato, para evitar que a grande mídia seja obrigada a fazer uma mea culpa: a polarização seria uma reação da classe política contra Dallagnol perdeu o mandato e Moro está emparedado pelas mudanças da “maré política”.

Nesse contexto de guerra semiótica, a recusa de Lula ao convite para comparecer à Marcha de Jesus (realizada nesta quinta-feira em São Paulo) foi a melhor estratégia do presidente. Era óbvio que o convite tinha um ardil: reforçar a narrativa da polarização – assim como Bolsonaro, Lula também queria politizar um evento evangélico.

Receberam a vaia por Lula…

Além disso, era uma armadilha óbvia para o presidente ser recebido por uma estrondosa vaia num reduto irremediavelmente politizado não só pelo bolsonarismo. Mas também pelos anos de guerra híbrida aliada à Teologia da Prosperidade que transformou Jesus num coaching de empreendedorismo – veja o evento paralelo à Marcha, o “Christ Summit”, em Alphaville, a meca da ascensão social dos empreendedores – clique aqui.

O único erro foi enviar representantes ao evento: os também evangélicos Jorge Messias (Advogado-Geral da União) e a deputada federal Benedita da Silva. Previsivelmente vaiados ao citarem o nome de Lula. Com o também previsível destaque do jornalismo corporativo.

Certamente se o semiólogo francês Roland Barthes ainda estivesse entre nós, veria essa estratégia semiótica da polarização como a retórica da “crítica nem-nem” ou “ninismo” como descrevia no livro clássico “Mitologias”, de 1957.

Como Barthes descrevia, o “ninismo” é um mecanismo de dupla exclusão – reduz a realidade histórica a uma polaridade simples, quantifica o qualitativo em uma dualidade e equilibra um com o outro, de modo a rejeitar os dois. De uma maneira mágica, foge-se de uma realidade intolerável (porque múltipla, contingencial, histórica), reduzindo-a a dois contrários para depois serem pesados e rejeitados.

Seguindo o raciocínio de Barthes, narrativa da polarização esvazia a “realidade intolerável” (a ativa participação da grande mídia no jornalismo de guerra que deu visibilidade à extrema-direita), simplificando o histórico e o contingente num script maniqueísta.

A retórica do “nem-nem” busca no final excluir os contrários para tentar mostrar que ambos são iguais e simétricos na suposta radicalidade, e que a única solução é o “bom senso” – mito burguês no qual se baseia a forma moderna de liberalismo. A Justiça como uma operação de pesagem. 

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Não será uma perda de tempo comentar a mídia hegemônica por fazer o que sempre fez? E sim, Lula repete o bolsonaro. Bolsonaro não era presidente? Lula repetindo-o, também o é. Só haverá um modo de calar a mídia tranqueira: a censura, e isso, naturalmente estaria fora de cogitação.

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