O capitalismo se reinventa, por Maria José Trindade

O capitalismo se reinventa

por Maria José Trindade

Muitos acreditam que a obra máxima de Marx, O Capital, tem o comunismo como tema principal. Não é bem assim. O Capital é uma reflexão crítica sobre as contradições do sistema capitalista. Para quem deseja uma pista para entender os tempos atuais, a leitura d’O Capital é obrigatória.

Nos anos sessenta, tive um colega de “ginásio”, de nome C.. Não era aluno brilhante. Tampouco medíocre. Ficava ali, na média. Mas tinha competência invejável: sempre se mostrou capaz de se adaptar às circunstâncias e de catalisá-las a seu favor. Espécie de avô do Kim Kataguiri. Lembro-me, especialmente, de um trabalho de grupo em que C. apropriou-se da ideia de outra pessoa e passou a defendê-la como se fosse de sua autoria. Não acompanhei sua trajetória, mas, neste mundo de espertezas e aparências, com certeza, deu-se bem.

Para mim, C. incorpora a essência do capitalismo e sua capacidade de reinvenção. Não há como negar a mágica adaptabilidade do sistema. Quando se pensa que levou golpe mortal, renasce com toda força. Surpreende a capacidade com que muda constantemente para alcançar o propósito de perpetuar vantagens ao mesmo grupo de pessoas.

Causas libertárias como a luta por soberania, igualdade e respeito tendem a ser engolidas, ruminadas e devolvidas na forma de mercadoria. Exemplos disso são as camisetas com imagens do Che, a midiatização das paradas gays, a superexposição de corpos desnudos como símbolo de liberação feminina. Da mesma forma, em todas as crises capitalistas – como a Grande Depressão nos anos 30, a crise do petróleo nos anos 80 e a mais recente crise financeira de 2008 – o sistema foi capaz de encontrar saída. Deu a volta por cima e se reinventou.

Os fatos citados não são casuais nem desconectados. Na verdade se unem para reforçar minha aflição e ceticismo em relação à nossa capacidade de criar alternativa para amenizar os efeitos desta praga.

 

Redação

7 Comentários

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  1. Marx já previra esta adaptabiliade: mas ela tem limite

    Na verdade Marx previu esta dinâmica do capitalismo. Ele a sintetiza com a famosa frase “tudo que é sólido se desmancha no ar”. As tecnologias, o modo de vida, as revoluções estéticas e a absorção de novas ideias, hábitos e modos de vidas antes estranhos (comidas, comportamentos sexuais, homoafetividade), tudo isoo torna o capitalismo extremamente dinâmico.

    Mas há um núcleo central que nunca muda: o valor (e não a riqueza material) é a riqueza social do capitalismo. E o valor é calculado como tempo de trabalho abstrato. O capital é o valor que se valoriza (mais valia).

    O problema, tamém previsto por Marx, é que quanto mais a tecnologia se desenvolve, por conta da concorrência dos capitais, menos trabalho é necessário para se produzir riqueza material. O trabalho humano se torna obsoleto, assim como o valor. O sistema tem dificuldade para gerar lucro.

    Isso já vem acontecendo desde a década de 70, com a crise do fordismo. O neoliberalismo salvou o capitalismo, ao antecipar valor por meio do crédito. Mas esta bolha começõe a murchar em 2008. Agora, novamente, o capitalismo se encontra numa sinuca de bico. Conseguirá sair dela outra vez? Por quanto tempo?

    A capacidade do capitalismo se reproduzir como sistema tem limites internos (esta contradição entre o valor/trabalho e a tecnologia) e externos (a capacidade do planeta aguentar a predação capitalista). Creio que estamos muito próximos dos dois limites.

    Leia “Tempo, trabalho e dominação social” de Moishe Postone, o livro marxista mais importante já lançado, depois de “O capital”

  2. O capitalismo se reinventa. . .

    O capitalismo se reinventa, mas é autofágico, tal como câncer que é um “tumor burro” que acaba por matar o hospedeiro e morre junto, o capitalismo é destrutivo, é um destruidor da natureza de modo impiedoso e não  se detém para pensar nem quando a natureza ameaça se voltar contra ele (fenômeno dos gases estufa), e ainda por cima alimenta uma legião de pessoas que odeiam-no, pois coloca-os à margem do progresso que cria, refiro-me a (concentração de renda),  oito pessoas no mundo tem mais renda que os 50% restantes da humanidade, no Brasil são seis, um dia esse troço vai estourar.

  3. O rato tambem

    O rato quando caçado pelo gato também inventa e reinventa para se livrar do gato; corre em zigzag, encosta em objetos com os quais como que se mimetiza, entra em nichos inacessíveis ao gato…mas as artimanhas vão se esgotando, o gato também inventa e se reinventa em sua caçada!

  4. O capitalismo amadureceu e apodreceu mas não cai por si só

    “Contrário ao que muitos analistas, entre eles alguns marxistas tem dito, Marx não acreditava que o colapso do capitalismo fosse inevitável. “Crises permanentes não existem”, ele insistiu. Como vimos, as crises são sempre soluções momentâneas e forçosas das contradições existentes. Não existe crise econômica tão profunda da qual o capitalismo não possa recuperar-se, uma vez garantido que a classe trabalhadora pague o preço do desemprego, deterioração dos padrões de vida e das condições de trabalho. Se uma crise irá levar a “um estágio mais elevado de produção social” dependerá da consciência e da ação da classe trabalhadora.”

    Alex Callinicos, Introdução ao Capital de Marx

     

    O capitalismo se reinventa e sua reinvenição consiste em continuar privatizando os lucros e socializando os prejuízos.

  5. Ainda não se inventou uma jaula que resista ao animal capital

    Eu faço uma imagem do capital como um animal feroz com vontade e iniciativas próprias. Não interessa quem é o “dono” do capital, uma vez acumulado ele coloca o “dono” a serviço da sua reprodução desenfreada.

    Ainda não se inventou uma jaula que resista ao animal capital e o coloque sob controle e a serviço da humanidade.

    O “dono” pode ser qualquer um, eu ou você, o estado ou a iniciativa privada, ONGs ou organismos internacinais, a Madre Teresa de Calcutá ou a Ordem Franciscana (que tem voto de pobreza), etc. O “dono”, inexoravelmente, agirá para a reprodução do capital e as melhores intenções servirão, no máximo, como ‘justificativas’ para a reprodução do capital.

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