O debate político e a dicotomia sobre a natureza humana

Por Daniel Klein

Nos tempos modernos o centro do debate político tem girado em torno de uma dicotomia maniqueísta referente à natureza humana. A questão é antiga e nos registros históricos vem desde a Grécia. Foi retomada por John Locke na hoje chamada teoria da tabula rasa, na fabulação de J. J. Rousseau sobre o noble savage corrompido pela cultura e no darwinismo social de Herbert Spencer. A dicotomia é simples:

a)    O ser humano é desprovido de qualquer natureza de origem biológica. Todas as suas tendências, predicados e comportamento são frutos do ambiente em que é criado.

b)    O ser humano nasce com um cabedal genético que determina suas tendências, predicados e comportamento, que o ambiente não é capaz de mudar.

A primeira proposição (ambientalista) é o postulado da esquerda, a segunda (geneticista), o da direita. Esquerdistas e direitistas são pessoas que gostam de simplificações que possam ser expressas em axiomas fundamentais. Dessas simplificações, que não admitem nuances nem gradações ou terceiras vias, nascem o fundamentalismo, a intolerância e o totalitarismo.

O nazismo e o leninismo-stalinismo foram as duas grandes catástrofes ideológicas do século 20, cada uma apoiada em um dos princípios opostos. O nazismo foi um totalitarismo racista por excelência, e o racismo não se sustenta sem a postulação de um determinismo genético. Na verdade, os inspiradores ideológicos do nazismo foram adeptos do darwinismo social – uma deturpação do darwinismo – que acabaram aderindo à eugenia de Francis Galton. Já o leninismo-stalinismo, apoiou-se no comunismo marxista, que por sua vez não se sustenta sem a crença numa maleabilidade extrema da natureza humana, o que é a negação de que o homem tenha alguma natureza de origem biológica. Não por acaso, Stalin acabou banindo o darwinismo, em que a evolução biológica deriva da seleção de caracteres hereditários (genéticos), e adotando como doutrina oficial do regime o lamarckismo, em que a evolução deriva da transmissão e seleção de caracteres adquiridos.  Lysenko é o ícone “científico” dessa impostura. Mais tarde, Mao Tsé-Tung afirmou sua fé na tabula rasa de forma sucinta: “É em páginas em branco que se escrevem os mais belos poemas.” O aforismo lembra claramente a célebre frase de Locke: “A mente de um recém-nascido é uma página em branco e a história nela impressa é escrita pelo ambiente e pela experiência de vida.”

Tanto esquerdistas quanto direitistas continuam afirmando a inexistência de alternativas fora do maniqueísmo esquerda-direita. Para isso, é fundamental que se ignore a ciência. Ocorre que, no último meio século, a ciência vem acumulando uma massa avassaladora de dados reveladores de que o homem tem, de fato, uma natureza biológica, fruto da evolução darwiniana. O patrimônio genético de um recém-nascido o predispõe a certos comportamentos e potencializa certas aptidões. Entretanto, esse arquivo nato não determina a índole, os dons e o comportamento de um indivíduo, pois a expressão dos genes é condicionada pelo ambiente em que a pessoa se desenvolve. Ou seja, o homem é resultado de uma interação dos genes com o ambiente, da biologia com a cultura.

Diante dessas evidências, que contestam a dicotomia tão cara a esquerdistas e direitistas, a reação foi negar a objetividade da ciência. Essa negação tem sido muito mais comum e radical na intelectualidade esquerdista. Por meio de um diversificado feixe de proposições, que no conjunto é chamado pós-modernismo, os esquerdistas têm ensinado que a ciência não é ideologicamente neutra. A maioria dos pós-modernistas também advoga o relativismo cognitivo. Nos casos extremos, negam a existência de um mundo “lá fora”, independente de nós, que nossa mente seja capaz de compreender. Em qualquer dos casos, a ciência, na visão pós-modernistas, não teria qualquer caráter distinto de outras formas de conhecimento, é apenas mais um discurso, como qualquer outro. Meteorologia e dança da chuva se equivalem. O Sol orbita a Terra, ou a Terra orbita o Sol, nenhuma dessas proposições se apoia em evidências factuais, exatamente por isso podem se alterar dependendo dos valores da época. Vale apontar, como já fez melhor Richard Dawkins, que essa retórica é claramente hipócrita. Quando adoece seriamente, um pós-modernista procura o melhor e mais bem equipado hospital que possa conseguir, não um curandeiro ou guru da sua seita. E todos circulam pelo mundo, para pregar sua filosofia, em aviões desenvolvidos por uma ciência à qual negam qualquer objetividade. A dez mil metros de altura, abnegam sua filosofia.

Todo bom cientista reconhece que a neutralidade da ciência nunca é completa. Em particular reconhece que os valores de cada época definem a maior parte da agenda científica. Mas isso está muito longe do relativismo cognitivo. No caso das ciências naturais, nas quais se inclui a solução da dicotomia esquerda-direita, a ciência, após dissidências temporárias que quase sempre levam à formação de consensos, é muito objetiva. Consensos, um dos importantes distintivos da ciência, são impossíveis na filosofia e na ideologia. Não por outra razão, a boa filosofia costuma ser muito mais crítica do que assertiva, e o filósofo vira mero ideólogo quando troca a dúvida pela certeza. Os consensos científicos, que Thomas Kuhn denominou paradigma científico, nunca são para sempre. Toda teoria científica e todo paradigma um dia poderá ser substituído por outro capaz de descrever a realidade com maior precisão e abrangência. Sem conhecimento da dinâmica do avanço científico, muitos filósofos e cientistas sociais alegam que isso é demonstração da falta de objetividade e neutralidade da ciência.

Tanto no caso da esquerda quanto no da direita, é importante distinguir a ideologia das práticas sociais e políticas dos seus adeptos. No caso da esquerda, grande parte da ideologia é fundada em ficções sem relação com a realidade. Quando aplicadas ao mundo real, tais ideologias levam ao fracasso. Já a direita, na atualidade sequer tem uma ideologia, uma vez que o darwinismo social e suas bases pseudocientíficas foram inteiramente demolidos. No campo da prática, a direita é uma realidade, principalmente associada à luta de classes. É, nesse aspecto, essencialmente um movimento de grupos social e economicamente privilegiados em defesa de seus interesses. Como esses interesses são atendidos no presente estágio da história, sua luta é pela manutenção dostatus quo. Exatamente por isso, os direitistas são também conservadores: qualquer mudança pode lhes ser desfavorável. Esse matiz conservador faz com que as religiões sejam um aliado natural dos direitistas. Há ainda outro elo de união entre direita e religião: as religiões são um forte aliado das classes dominantes ao pregar aos desfavorecidos resignação à sua realidade. Daí a afirmação de Marx que a religião é o ópio do povo.

Já a esquerda, luta por mudanças. Por isso, se diz progressista, embora não defina claramente o que entende por progresso. Por exemplo, com frequência se opõe ao avanço tecnológico, que sem dúvida tem sido o grande propulsor dos interesses das classes desfavorecidas. Defende os interesses das classes desfavorecidas, é mais tolerante em relação às minorias e à diversidade dos costumes. No conjunto da obra, é inegável que a esquerda tem revelado muito maior sensibilidade para os problemas sociais. Mas às vezes luta contra a sua solução ao se opor a qualquer juízo de meritocracia, o que resulta da sua fé na tabula rasa. Todos nascem iguais, o que se chama mérito diferenciado nada mais é do que efeito de diferenças de oportunidades. Qualquer um pode ser um Pelé, um Picasso, um Mozart ou um Einstein, desde que seja preparado para isso.

A busca do progresso social pode se tornar muito mais eficaz se as esquerdas abandonarem sua posição fundada no maniqueísmo descrito neste texto e abraçarem a posição de meio termo defendida pela ciência. Sem o reconhecimento de que a natureza humana deriva em parte da biologia e em parte do ambiente, só criarão utopias que inevitavelmente fracassarão por serem baseadas numa suposta e falsa maleabilidade ilimitada da nossa natureza. É emblemático o sucesso das democracias sociais dos países nórdicos. O que propositalmente se omite ou ignora é que nessas sociedades o proselitismo histórico da esquerda é quase inexistente. Até mesmo a pedagogia praticada nelas, que leva a uma das melhores educações do mundo, ignora os tabus da esquerda que negam a existência de aptidões natas e diferenciadas nas crianças. Ao contrário, as reconhece e procura explorar o que cada criança tem de melhor por meio de um sistema flexível em que cada criança escolhe as disciplinas para as quais é mais apta e, por isso mesmo, a agradam mais. Já a pedagogia brasileira, inspirada na tabula rasa, impõe aos estudantes uma grade curricular carregada de uma dúzia de disciplinas obrigatória para todos.

Redação

18 Comentários

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  1. Nada entendo e, há muito, do que seja esquerda ou direita

    Até vejo pessoas, ao darem uma informação, trocarem uma pela outra. Dizem que é pra virar à direita e você segue a indicação. Quando o faz, vê que era para virar à esquerda. Aí chega a sua conclusão do caminho mais adequado a seguir, porque da próxima vez já possuirá  “discussão acumulada” sobre trajetórias, trajetos e afins.

    Assim, baseada na vida que vivo, mais ainda do que na vida que apenas leio, concluo que há ramais, caminhos e que, muitas vezes, estão querendo ir para o mesmo lugar.

    Outras não.

    É preciso ler mais e melhor a natureza humana.

  2. Faltou complexidade

    Olha, artigo bem superficial sobre uma questão complexa. 

    Exemplo: Paulo Freire foi um dos principais educadores progressistas do mundo e uma das principáis questões que ele coloca é considerar os conhecimentos que as pessoas já possuem. Ele, de modo algum consideraa os estudantes como tábula rasa. 

    Descupe, nem vou tentar continuar contraargumentando pois, para escrever sobre educaçao, primeiro tem que saber um pouco a respeito.

     

     

  3. Não existem vias políticas definidas

    O texto é um poço de contradições e revela como a corrente encimadomuro..ista está  tendo apoio nessas bandas. Enquanto crítica ao radicalismo, o texto pode até ser válido, mas cai no vício de usar da simplicidade para atacar, vejam só, o simplismo das duas pontas do radicalismo.

    Por exemplo. O autor diz que a dicotomia é bem “simples” ao associar o pensamento de que o homem nasce como lousa vazia aos radicais de esquerda; e atribuir aos direitistas fanáticos a ideia de que as diferenças sociais , de clasee, e de destino são pré-determinadas pela carga genética.

    Ora, querem maior expressão de simplismo do que essa dicotomia barata? Os radicais sempre irão existir, mas constituem pequena porção do espectro político, pois até mesmo a bestialidade é errática e, em muitos casos,  os que propagam fundamentalismo político são, no fundo, pragmáticos.

    Quando uso a palavra “pragmático” refiro-me ao fato de posições políticas atuais podem ser apenas enxergadas em termos de proximidade e não usando assertivas como o simplismo estabelecido pelo autor. Por exemplo, há pessoas que são extremamente conservadores sem acreditarem em Deus. Assim como há pessoal com perfil de esquerda que abominam oi radicalismo contra os avanços científicos. Mesmo a direita é modular quando se trata de achados científicos: células-tronco como singelo exemplo.

    Essa ideia de criar grupos e trata-los como estando à margem do debate politico enriquecido é a base para a ideia de terceira via. Isso é errado simplesmente porque não há vias As pessoas, e eu obviamente incluímos-me nessa, carregam consigo sentimentos que vão desde o pragmatismo até o fundamentalismo. Tudo é questão de oportunidade de expressão a qual por sua vez, tem forte influência espacial.

    Por exemplo, há muitos moralistas, mais a esquerda e mais a direita, que em muitas ocasiões só conseguem expressar sua bestialidade em condições de maior escala, ou melhor, de maior distanciamento em relação aqueles que são os principais para-raios das frustrações individuais brasileiras: os políticos.

    Há quem ache normal chamar deputados federais, senadores, ministros e presidente de ladrão. Porém, quando a escala diminui, isto é, quando a critica é em relação aos prefeitos, vereadores, ou próprios patrões, seja ele espelho ou não, o radicalismo nas palavras arrefece. A principal justificativa é o medo de represálias, mas boa parte é devido à deliberada intenção de não usar óculo para enxergar o que está perto.

    Há aqueles que defendem direitos dos gays, mas que são insensíveis ao direito indígena, ou mortes financiadas por exportadores de modelo de vida made in USA. Há o conservador direitista que prega o estado mínimo sendo muito bem remunerado e estabilizado no serviço público federal. Há o alternativo que diz que é preciso acabar com o uso de combustíveis fósseis, mas que não consegue se livrar do seu quadrupede motorizado. Há aquele que diz que ter dinheiro não é bom, mas sabe que contas chegam mensalmente e precisam ser liquidadas.

    Como podemos perceber e constatar o óbvio ululante, não existem vias políticas definidas, como o autor quer fazer crer no simplório embate ambientalista X geneticista. Não existe essa de terceira, segunda ou primeira vias. Aquele que se auto definir de esquerda e aquele que se auto definir de direita precisam assumir o risco de seus ato e suas palavras, claro. Pois somos uma eterna alternância: tudo depende da escala espacial e de tempo.

     

    1. corrente encimadomuro..ista

      Ao empregar a expressão corrente encimadomuro..ista você está expondo seu maniqueísmo de maneira enfática.  Existe um muro separando em dois hemisférios o mundo das ideias políticas? Não existe, mas essa é uma forma conveniente de modelar esse mundo.

      Galileu foi o criador do método científico, que ele não só praticou como descreveu muito bem. Na exposição do método, ensinou que para entender uma questão é preciso idealizá-la retirando-lhe os elementos complicadores para que se possa compreender o que é realmente essencial. Esse método tem sido usado até hoje com sucesso por quase todos os cientistas (não por todos, apenas pelos bons). Depois de entendido o modelo simplificado que exibe os fenômenos que você quer entender, pode ser a hora de incluir os elementos complicadores. Isso se aplica até mesmo ao estudo da complexidade. Não conheço um único especialista em sistemas complexos que não os investigue por meio de modelos matemáticos muito simples, tão simples que são denominados toy models (modelos de brinquedo). Por incrível que pareça, a simulação computacional de modelos bem inventados revela fenômenos emergentes de grande complexidade. Dia desses, foi discutida neste blog a teoria dos jogos de John Nash. Os princípios de qualquer teoria de jogos são de uma simplicidade maravilhosa, mas desses princípios são matematicamente deduzidos fenômenos diversos e muito complexos.

      Ao contruir a teoria da relatividade geral, Einstein postulou duas simetrias simples, o resto é dedução matemática. Só pessoas de mente confusa fazem modelos complicados para is fenômenos que quer entender

  4. Blá, blá, blá… sofisticado

    Blá, blá, blá… sofisticado demais.

    Quero ver este cara conseguir discutir Política com Eduardo Cunha, que só entende um argumento: a grana que dão a ele ou a grana que ele pode ganhar.

    O debate político não é contaminado pelo partidarismo, e sim pelo dinheiro. O dinheiro interrompe qualquer debate, compra posições independentemente de qualquer convencimento e não pode ser vencido senão por mais dinheiro.

    Neste contexto, a Política fica resumida a uma coisa: quem tem mais dinheiro compra o resultado do debate político. E a única forma de interromper o processo é dando baixa no cemitério daqueles que se venderam, se vendem ou se venderão pelo maior preço. 

    1. Ele não está falando de
      Ele não está falando de política, ele diz que a premissa em que às esquerdas se baseiam para fazer políticas É FALSA.
      E explica, de maneira didática e com muita facilidade, o porque.

    2. Belo exemplo de direitista sem ideologia.

      Citando Eduardo Cunha, você põe à vista um exemplo magnífico do direitista sem qualquer ideologia que mencionei no texto. Não há como discutir política com quem nunca defende ideias, sempre defende interesses. Obrigado por ilustrar uma das minhas ideias. 

  5. Uma coisa é o métodologia

    Uma coisa é o métodologia científica. OOutra é o posicionamento político. Faltou identificar que esquerda é essa que nega a dimensão individual só porque identifica a existência de condicionantes dados pelo ambiente físico e social. Marx com certeza não está nesse grupo. Afirmar que os indivíduos não têm consciência das estruturas sociais não significa dizer que os indivíduos não existem.

    Durkheim, um dos fondadores da Sociologia, da escola francesa e da tradição estruturalista jamais teve pendores socialistas. São até escassas as palavraas dele sobre o assunto. Há uma publicação de Luis Carlos Fridman sobre isso.

    Na direita política é facil de identificar quem se ajusta ao enunciado b: são quase todos. Desde Thatcher e Reagan que a coisa só piora. Basta ver o Tea party norte americano e os imitadores deles que se encontram em número crescente por aqui na imprensa, nos MBAs, no esporte, na cultura… Sem falar nos negócios, claro.

    Thatcher pronunciou com todas as letras: “não existe essa coisa que chamam de sociedade; existem os indivíduos e sua famílias.” Ou seja, mais do que negar a existência da dimensão coletva da vida, da dimensão social era necessário destruir toda arquitetura do estado de bem estar por ser algo maligno, que violentaria aquilo que imaginam que seja a “natureza humana”. Portanto, tudo que é público é intervencionismo, socialismo, comunismo, o diabo… O Mal não tem limites…

    Conheço muitas pessoas diplomadas que vão morrer acreditando que Sociologia é um quase sinônimo de socialismo.

    Um detalhe a mais.

    A pesquisa do Genoma foi feita com uma expectativa inicial de que encontrariam em torno 120.000 genes. Encontraram perto de 30.000 somente. Ou seja esperavam que muitas mais características humanas eram determinadas geneticamente. Tiveram que aceitar a evidência de que um número muito maior do que acreditavam de caraccterísticas humanas se dão pela interação entre indivíduo e ambiente. Isso causou uma reorientação enorme em vários programas de pesquisas. Passaram  a investir muito mais em pesquisas sobre hábitos alimentares, estilos de vida, condições de trabalho, lazer, etc.

  6. Porque às esquerdas fazem
    Porque às esquerdas fazem isso?
    Os burros sabemos mas e os inteligentes?

    Talvez eles ainda se vejam como alguma forma de contraponto.
    Ou talvez, seja apenas a necessidade de morte da geração anterior.
    Sabe como é, velho não muda pensamento. Está solidificado!

  7. só há a evolução cientifica

    Texto muito bom, estimulante e instigante. A experiencia tem demonstrado que não existe evolução na ideologia, mas sim na ciência. Os ultimos eventos históricos tem demonstrado que é muito mais provável que a esquerda aprenda e evolua do que a petrificada direita. È preciso que a esquerda se aproxime cada vez mais dos preceitos cientificos, o que implica num maior experimentalismo social, sempre aprendendo com os erros. É preciso parar de entender a meritocracia de forma dogmática e reconhecer que os seres vivos são, biologicamente, diferentes. Texto muito bom e bem temperado. 

  8. Questão de escopo e adequação

    Não é difícil entender porque as práticas da “direita” não podem ser aplicadas quando se fala de estado. A “direita”, como expresso por Thatcher e trazido por Lucinei (“não existe essa coisa que chamam de sociedade; existem os indivíduos e sua famílias”),  simplesmente não enxerga a existência de algo chamado estado. Como esperar que essa direita ofereça solução ainda que pragmática a problemas que nem enxerga? Somente pode cuidar do estado quem pelo menos reconhece sua existência. A “direita” portanto é absolutamente incapaz de administrar bem o que é coletivo.

     

    Ao mesmo tempo não faz sentido esperar de quem não dá muita bola para o indivíduo, a quem enxerga política como “fenômeno” possível apenas em grupos sociais, que administre o que é privado. “Esquerdistas” são os únicos com habilidade suficiente para administração do que é coletivo, público. E cuidar apenas do que é público. Não que não haja “esquerdista” que administre bem, por exemplo, as próprias finanças. Mas não espere de um “esquerdista” que, ao cuidar de finanças coletivas leve em consideração demandas individuais, privilegie o indivíduo em detrimento do coletivo.

     

    Assim, a meu ver, não há como se falar ao mesmo tempo em estado democrático e privatismo. Todo estado democrático tem orientação ao coletivo, à sociedade. E como se orienta à sociedade, todo estado democrático realmente eficiente é sempre socialista. Da mesma forma, não tem sentido dizer “empresa privada socialista”: o escopo do que é privado se resume ao benefício individual. Portanto votar em um privatista para administrar o que é público é sempre garantia de que a natureza pública do estado será corrompida. Geralmente “direitistas” alegam que empresas têm uma atuação que resulta em benefício social, por exemplo ao gerar empregos, postos de trabalho. Mas até isso a empresa privada faz enxergando apenas o próprio benefício: uma empresa bem administrada não oferece emprego a todos, somente aos que lhe interessa, aos que rigorosamente seleciona. Toda corrupção do estado é causado por atitude privatista ao administrar o que é público.

     

    Então a questão não é se “esquerdistas” ou “direitistas” estão certos, a questão é adequação: “direitistas” na atividade privada e “esquerdistas”, na pública.

    1. Sociedade.

      Acho que entendi, Renato.

      Em outras palavras, o pacto socialdemocrata à partir principalmente do pós guerra foi mais ou menos isso: numa sociedade salarial em que a maioria da população vive de salário a conjunção clara foi a seguinte: o poder político passa a ser regido por regras democráticas em que o Povo tem poder de voto, enquanto o poder econômico, preservado, fica na mão dos donos dos negócios.

      O financismo ainda não era esse predador que é hoje. Falava-se em sociedade industrial.

      É uma vissão esquemática, é claro – e uma exposição clássica pode ser vista em T. H. Marshall, “Cidadania, Status e Classe Social”.

      Neste texto o autor expõe, também de modo esqueático (e muito inglês) como as gerações de Direitos foram se sucedendo.

      Primeiro a garantia das liberdades “negativas” (liberdade de opinião, religião, garantia da propriedade, etc.), á partir da institucionalização de um Judiciário Indepnedente.

      O uso e a generalização desses Direitos consecutou a demanda pela própria consstituição da autoridade política. Quem é livre quer ser Senhor do seu destino. Daíi surgem os direitos políticos (liberdade de associação, eleições livres, sufrágio universal, partidos competitivos, etc.).

      Com o uso e generalização desses direitos políticos essa maioria, composta de trabalhadores, fez com que ascendessem nos ordenamentos jurídicos os Direitos Sociais, que exigiam um Executivo eficiente para administrá-los.

      A reação neoliberal, que surge já na década de 40, mas que emerge com toda força no fim da década de 60 e ao longo de 70 impõe uma agenda exatamente contra isso.

      Por issso que chamam tudo, igualam tudo de intervencionismo, socialismo, etc. Por isso, também, eu classifico como “ideologias antissociais”.

      Aqui no Brasil a “Social Democracia À brasileira” uniu-se aos neoliberais para fazer o desmonte do Estado (entulho da Era Vargas, cahamavam).

      Encontraram terreno fértil exatamente naqueles grupos educados  por uma versão de americanismo disneylandia ou MBA (ironia do destino ver que foi a pópria FGVque iniciou a dissseminação dessa praga por aqui), assim como os meios de comunicação, cinema americano e publicidade.

      O fato é que disputam o mesmo campo social democrata como o PT, por um lado, com toda sua base de sindicatos e movimentos sociais, ao passo em que o sua base social foi completamente convertida ao ne liberalismo.

      É isso que está por trás daquele post do nassif sobre a “ausência” de prjeto do PSDB. O projjeto deles é claro:Financismo,  entreguismo e terceirização. Eles aplicaram na década de 90. Eles só não têm coragem de explicitá-los, pois perdem eleições assim.

      Na última eleiçao, todos viram, se limitaram a uma critica falso moralista, por uma lado, enquanto, por outro, diziam que iriam “melhorar” os programas sociais, acreditando (da boca pra fora ou não, não importa) que são um “partido de quadros” competentíssimos.

      1. “Ideologias antissociais”…

        “Ideologias antissociais”… boa, Lucinei! Eu há muito penso, em lugar de “direita” e “esquerda”, “privatistas” e “estatistas”. E a questão que coloco é: se o cara é privatista, o que tem que meter o bedelho na administração pública num estado democrático? rs…  Ok, entendo que esse cara quer se infiltrar justamente para corromper e destruir a vocação pública do estado, reduzi-lo a apenas segurança patrimonial (“Ah, meu patrimônio, minha propriedade… minha tradição, minha família, minha propriedade…”) e olhe lá. Até para poder se gabar de que sua filha está estudando no Canadá (e como subtexto, que a escola pública é uma merda). O que esse cara imediatista e “antissocial” não energa é que a filha dele (Luíza, é isso?) vai voltar do Canadá e vai ter que enfrentar todas as dificuldades inerentes a uma sociedade desigual, na qual a segurança pública é apenas um dos muitos itens que pode fazer com que uma sociedade seja boa ou não para quem a integra, para seus cidadãos. Mas também tem o mercado de trabalho, a vida acadêmica e até a social, que o “antissocial” finge não ver… uma lástima, acho.

        1. hehe!

          Quando eu ouço a conversa de que “tem que levar pra administração pública os princípios da administração privada” eu tomo logo um susto; boto logo a mão na carteira!

          Só um exemplo: em qualquer administração deficitária o primeiro “alvo” é o maior item de gasto, né? Pois bem: qual o maior item de gasto da administração pública? Juros e dívida, é claro! Ponto! Não há como negar!

          Vai falar isso com os “gestores” “competentíssimos”… É tabú! O “mercado” fica nervoso! Pra eles os contratos financeiros são mais sagrados que o contrato social!

          “Chique”, né?

  9. Bom texto, mas seria melhor

    Bom texto, mas seria melhor trocar a referência mais pessoal (“esquerdistas”, “direitistas”, ou “pessoas de…”) sempre por uma mais impessoal (“a esquerda”, “ a direita”, “o pensamento de esquerda” ou “o pensamento de direita”); mesmo porque não se pode afirmar que existem pessoas que só pensam em termos A ou B. Mas fora isso, o texto é uma boa análise.

     

    Colocando minha opinião, acredito apenas na alternativa b. Isto é, o meio não determina nada. Mas digo isso com a seguinte explicação…

     

    Pegue dois gêmeos idênticos e os coloque em ambientes diferentes. Descobre-se que um pode se tornar um comunista e outro um nazista o que provaria que o ambiente influi.

    Porém, por que os gêmeos não se tornaram apolíticos ou qualquer outro posicionamento visto que essas alternativas estão acontecendo com outros que vivem no mesmo ambiente?

    Ou seja, o ambiente com certeza afeta o nosso modo de ser. Mas o efeito que o ambiente imprime caso a caso depende de cada indivíduo. E o que distingue os indivíduos ente si é o que afinal?

    Portanto, não há como escapar de nós mesmos.

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