Samba macarrônico (1), por Walnice Nogueira Galvão

É macarrônico tudo aquilo que deforma a linguagem com propósito jocoso, ou grotesco, ou burlesco, ou paródico, ou simplesmente cômico.

Samba macarrônico (1)

por Walnice Nogueira Galvão

O grande autor de Tiro ao álvaro, Adoniran Barbosa, compôs com sua graça inimitável o mais conhecido dos sambas macarrônicos, “As mariposa”,  valendo-se de uma metáfora extensa na primeira estrofe:

As mariposa quando chega o frio
Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra se esquentá
Elas roda, roda, roda, depois se senta
No prato da lâmpida
Pra descansá”

Para em seguida, com a maior desfaçatez, decifrar a metáfora e revelar-se o sujeito dela:

“Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa…”

Outra no mesmo diapasão é a marcha-rancho  ”Os mimoso colibri”, de Hervê Cordovil e Osvaldo Moles:

“Na hora matiná em que os mimoso colibri
Volatiliza, volatiliza
Eu vejo as lavadeiras nos quintá ponhando ani
Nas camisa, nas camisa”

A canção prossegue, trazendo outras informações:

“São as camisa do estóquio
De cor primaveri
São as camisa do bróquio
Dos Mimoso Colibri”

Bonito, simpático e alegre como esses, mas forçando bem mais a mão na caricatura, é o samba “Oslávio Bisláquio”, cuja atribuição de autoria é discutida:

Se nós tesse uma brabuleta dourada
Das asas azuis prateada
Nóis ponhava no estandalte
Como fez o poeta
Napoleão Bonapalte

Oslávio Bisláquio
Inventou a aviação
Bateu asas, subiu ao céu
Deu a volta na Torre dos Eiffel”

E continua, divertindo-se com atribuições errôneas, mas puxadas às vezes pela rima, às vezes pela homonímia ou pelo trocadilho:

“Guilhelmo Malconi
Inventou o telefone
E Paganini foi o maior dos trombone
Caxia foi um grande bateria
Mas na aviação
Oslávio Bisláquio é que era o bão”

Não prosperou muito o samba macarrônico, de que temos poucos exemplares. Bem mais difundido foi o texto escrito de bastardia italiana, o que faz muita gente boa até hoje pensar que só é macarrônico o que é “italianado”. Ledo engano – basta uma olhada no dicionário. É macarrônico tudo aquilo que deforma a linguagem com propósito jocoso, ou grotesco, ou burlesco, ou paródico, ou simplesmente cômico.

O choque da imigração italiana era fortemente sentido quando mais recente, mas foi-se atenuando à medida que se aculturava, ou se integrava ao conjunto da população, com a fecunda contribuição que trouxe a todos os setores. E, se o Braz foi seu bairro baluarte, há muito já deixou de ser.

Essa foi a fase da popularidade da personagem Juò Bananere, criação de alguém que nada tinha de italiano, Alexandre Marcondes Machado. Caricaturado por Voltolino, comentava notícias e fazia divertidíssimas paródias de poemas clássicos, que todo mundo sabia de cor porque aprendia na escola. Hoje é objeto de mais de uma tese de doutoramento,  o que contribuiu  não só para chamar a atenção sobre sua relevância como perspicaz testemunha histórica, mas também para recolher dispersos e inéditos que poderiam ter-se perdido. Muitos desses textos já tinham sido reunidos no livro A divina increnca, misto de sátira com crítica social e política.  

No seio do Modernismo, os contos de Braz, Bexiga e Barra Funda, de outro Alcântara Machado, este por prenome Antonio, destaca-se como experimento literário, aliás  bem sucedido. Registra algo que poderia ser impropriamente chamado de “dialeto ítalo-paulista”, hoje finado,  que vigorou nesses bairros, cuja concentração de oriundi desde então se dispersou por outros quadrantes.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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