Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A crise do setor elétrico brasileiro: a marcha da insensatez 3, por Roberto Pereira D’Araujo

Neste terceiro capítulo, discute-se a maneira pela qual as bizarrices do mimetismo provinciano dos anos 1990s plantou a semente que implodiu o setor elétrico brasileiro por dentro.

Enviado por Ronaldo Bicalho

As bizarrices do mimetismo provinciano dos anos 1990s plantou a semente que implodiu o setor elétrico brasileiro por dentro

A crise atual do setor elétrico foi diligentemente construída ao longo do tempo. Entender essa sucessão de decisões equivocadas que nos trouxe até aqui é fundamental para reconhecer a natureza estrutural dessa crise, os enormes desafios que ela coloca e a absoluta inadequação das propostas governamentais colocadas na mesa para resolvê-la.

Roberto Pereira D’Araujo, do Instituto Ilumina,  preparou uma série de artigos que conta essa verdadeira saga de falsas promessas, tolices arrogantes e mimetismos provincianos.

Neste terceiro capítulo, discute-se a maneira pela qual as bizarrices do mimetismo provinciano dos anos 1990s plantou a semente que implodiu o setor elétrico brasileiro por dentro.

A crise do setor elétrico brasileiro: a marcha da insensatez 3, por Roberto Pereira D’Araujo

As bizarrices da imitação canhestra e suas consequências.

Na década de 90, para tentar imitar um sistema de base térmica, onde a energia vem principalmente de combustível, apesar de toda a incerteza sobre as afluências tropicais em um sistema de base hidroelétrica, resolveu-se adotar um valor fixo de energia para cada usina do sistema que se transformou num “certificado”. Essa foi a maneira adotada para implantar um sistema competitivo por quantidade de energia, como acontece nos sistemas térmicos. 

Como “mimetizar” se as gerações são tão variáveis? A moda era tão dominante que, mesmo com as diferenças, havia uma excitação em implantar alguma coisa que funcionasse. Não havia outro jeito senão associar um valor fixo de energia para cada usina.

Assim, inventou-se a Garantia Física (GF), que já teve outros nomes, como Energia Assegurada e Energia Garantida. Todas as usinas têm um valor de energia que representa a “importância média” da usina para o sistema interligado denominado “Garantia Física” (GF). Percebam que esse valor não depende da geração própria da usina. Ela é uma “cota parte” da garantia do sistema.

Como se pode imaginar, em função da incerteza das afluências, a geração de todas as usinas é muito variável. Os regimes hidrológicos das regiões brasileiras não são exatamente iguais e, portanto, quando não chove em uma região pode chover em outras.

Assim, ocorrem grandes transferências de energia entre regiões e as hidráulicas contabilizam o uso dessa hidrologia global num grande condomínio denominado MRE (Mecanismo de Realocação de Energia). Quando uma usina gera acima de sua GF, ela cede esse excesso para outra que gera abaixo. Como será mostrado, às vezes, a geração de todas das hidráulicas excede a GF total e às vezes fica abaixo. Como veremos, o problema ocorre justamente nesses extremos.

Importante notar que usinas térmicas têm um certificado que corresponde a uma espécie de efeito “seguro” que elas proporcionam ao sistema. Sob a hipótese de um sistema equilibrado, esse certificado é bem superior à sua geração, pois, na maioria do tempo, as hidráulicas geram no seu lugar.

O gráfico abaixo demonstra isso sem sombra de dúvida. A curva superior é a GF das térmicas. A área vermelha é a geração das mesmas usinas térmicas. Portanto, a área cinza é o “certificado” térmico que corresponde a uma energia que foi gerada pelas hidráulicas. Reparem que, de 2004 até 2018, a geração térmica só se igualou à GF em poucos meses. Portanto, mesmo depois de 2013, ainda há certificados térmicos liquidados por geração hidráulica.

Garantia Física e geração das usinas térmicas.

Portanto, uma coisa é o certificado, outra é a geração de energia de cada usina. Assim, criou-se uma espécie de “cartório” que contabiliza “certificados” e a energia gerada propriamente dita, a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

O que ocorre no cartório de contabilidade (CCEE)? É feito um encontro de contas de certificados e gerações de energia. Ao contrário do que ocorre num mercado autêntico, o preço não é baseado exclusivamente entre ofertantes e demandantes.

O PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) é uma “referência”, mas, como pode ser verificado nos dados históricos, o PLD é o próprio CMO, que muitos argumentam também ser um preço, já que térmicas são ligadas quando o CMO atinge o seu custo.

O grande problema não está nos valores altos do CMO, que, pelo menos, têm uma correspondência com os custos de térmicas ligados ao combustível utilizado. O enigma está nos valores baixos e no limite inferior (*), pois esses não têm uma correspondência explícita com combustível. Até hoje, esses valores assumiram preços irrisórios em qualquer comparação internacional.

(*) que hoje foi definido como R$ 42/MWh, pouco mais de US$ 10, mas já valeu apenas R$4/MWh, pouco mais de US$ 1!

Qual seria o CMO de hidráulicas quando elas estão sob hidrologia favorável? O custo de operação e manutenção apenas? E o papel que elas têm no estoque de energia? E as relações dos reservatórios com as regiões? Como definir um custo único para tantas situações distintas entre usinas hidroelétricas? Quem deveria ter o direito de adquirir essa energia? Que outros exemplos existem no mundo onde uma energia custe tão pouco por tanto tempo?

Portanto, assumindo todas essas singularidades, se o sistema está em equilíbrio, na maioria do tempo, o PLD se situa abaixo da média. Em outros termos, o PLD tem uma tendência de preços baixos, o que é uma anomalia em qualquer sistema que se denomine um “mercado”.

Nesse cartório ocorrem coisas muito estranhas. Por exemplo: (…) Para continuar lendo no site do Instituto Ilumina, clique aqui.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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