A recuperação como ilusão e ideologia, por Rodrigo Medeiros

Desindustrializado precocemente, o Brasil enfrenta grandes desafios para modernizar a sua estrutura produtiva, que é de baixa complexidade econômica e elevada concentração de renda.

A recuperação como ilusão e ideologia, por Rodrigo Medeiros

Uma matéria publicada no dia 13 de janeiro na Rádio França Internacional (RFI) traz como destaque uma página do jornal francês Le Monde sobre a economia brasileira. A matéria lança a questão se o Brasil estaria começando a se recuperar da crise na qual está mergulhado desde 2015. O tema divide os analistas, porém é fato que a precarização do mercado de trabalho levanta dúvidas e preocupações adicionais. Segundo o IBGE, a desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, cresceu desde 2016.

De acordo com a matéria, Le Monde questiona: “As ‘Bolsonomics’ – o nome dado às medidas econômicas adotadas pelo executivo – são eficazes?” Dificilmente se pode negar que tais medidas representam o aprofundamento das políticas neoliberais seguidas no governo anterior, de Michel Temer. A divisão das opiniões sobre a real eficácia das mesmas é nítida entre as correntes do pensamento econômico e essas diferenças se explicitam no campo do jogo político. A centro-direita brasileira compreende que essas medidas econômicas são “boas”, porém critica a retórica agressiva do presidente e os posicionamentos “equivocados” de governo relativos ao meio ambiente e à cultura.

Desindustrializado precocemente, o Brasil enfrenta grandes desafios para modernizar a sua estrutura produtiva, que é de baixa complexidade econômica e elevada concentração de renda. Segundo a matéria da RFI, o superávit comercial caiu quase 20% em 2019, para o nível mais baixo desde 2015. “Muitos investidores relutam em investir no Brasil do altamente imprevisível Bolsonaro”, diz Le Monde. O apoio organizado doméstico ao aprofundamento do darwinismo social brasileiro seria o responsável pela “decolagem” do índice Bovespa. A pobreza extrema atinge 13,5 milhões de cidadãos, que sobrevivem com menos de R$ 145 reais por mês. O projeto ideológico ultraliberal em curso não oferece luz no fim do túnel.

Para este ano, o ministro da Economia planeja privatizar ou vender ações estatais em quase 300 empresas (incluindo a Eletrobrás). Não há visão estratégica de país nesse projeto e tampouco se notam salvaguardas de defesa da soberania nacional em um mundo no qual o neoliberalismo é tão questionado. Conforme aponta a matéria, “a desaceleração global poderá pesar bastante sobre a economia brasileira. De Brasília, observamos com ansiedade a guerra comercial sino-americana (os dois primeiros parceiros comerciais do país), mas também um possível confronto militar no Oriente Médio que provavelmente aumentará perigosamente o preço do petróleo”.

O Brasil vem vivendo um processo de rebaixamento das expectativas nos últimos anos. Nesse sentido, em um ano eleitoral, de disputas municipais, tal fato poderá reforçar a onda populista de extrema-direita entre nós. Afinal, não convém olvidar que essa onda populista global deriva do aprofundamento das políticas neoliberais em diversos países, com características diferenciadas, conforme vem apontando o professor Dani Rodrik, da Universidade de Harvard. Segundo pondera o acadêmico, em um artigo recente no site Project Syndicate, há “um conjunto específico de ideias econômicas que privilegiam o mercado livre, juntamente com uma obsessão por indicadores materiais como produtividade agregada e PIB, que alimentaram uma epidemia de suicídio, overdose de drogas e alcoolismo entre a classe trabalhadora norte-americana. O capitalismo não está mais cumprindo suas promessas, e a economia é, no mínimo, cúmplice”. No Brasil, é possível dizer que a festejada “recuperação” vem se processando como ilusão e ideologia.

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