Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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As ciências, a verdade e o sentido da vida, por Michel Aires de Souza Dias

O grande  motor do progresso das ciências é a luta entre modelos explicativos, entre teorias e concepções de mundo

As ciências, a verdade e o sentido da vida

por Michel Aires de Souza Dias

Essa obra se chama “Uma e Três Cadeiras” (1965), de Joseph Kosuth, exposta no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. A obra  nos leva a refletir sobre  o problema da verdade. Qual dessas três peças é a verdadeira? O objeto cadeira, a imagem da cadeira, ou a definição de cadeira.  Por meio desse trabalho o artista nos mostra que não há nenhuma relação entre o ser, o pensar e o dizer. Não há nenhuma relação entre a coisa, sua representação pelo pensamento, e a linguagem doadora de sentido. O ser das coisas não se deixa desvelar pelo pensamento. O mundo carece de sentido. O sentido é uma característica da linguagem e não das coisas. A coisa permanece intocada pela representação e pelo mundo simbólico da linguagem. Apesar de todo o progresso do pensamento e das ciências não conseguimos tocar no problema da verdade e do sentido da vida. Na Grécia antiga, o sofista Górgias expressou a mesma reflexão ao dizer: “Nada é; ainda que fosse, seria incognoscível; ainda que fosse cognoscível, seria incomunicável” (GÒRGIAS apud DENUCCI, 2008, p. 5). Nessa reflexão ele refuta a pretensão da linguagem filosófica de produzir um discurso verdadeiro sobre a realidade. A tese de Górgias “nada é” equivale a afirmar que as coisas não têm essência. Ele demonstra que qualquer discurso que tente atingir o fundamento da realidade está fadado a conter em si mesmo contradições (DENUCCI, 2008).

Com o advento do mundo moderno, principalmente com a descoberta da física newtoniana, no século XVII, os filósofos e cientistas possuíam uma forte crença na possibilidade de a ciência conhecer a estrutura oculta da natureza. A visão determinista e mecânica do universo, cuja relações causais seriam comparadas a um relógio, admitia que o universo poderia ser compreendido em sua totalidade. A famosa frase de Laplace demonstrava isso: “Uma inteligência que, por um instante dado, conhecesse todas as forças pelas quais a natureza é animada e a respectiva estrutura dos seres que a compõe, se, por outro lado, ela fosse bastante ampla para submeter esses dados à análise, abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve átomo; nada seria incerto para ela, e o futuro como o passado estariam presentes a seus olhos” (LAPLACE apud PATY, 2004, p. 472). 

A convicção de Laplace foi logo abalada pelas novas descobertas das ciências. A física newtoniana possuía a ideia de um universo fixo, acabado, com uma estrutura determinada, cujas leis e princípios eram necessários e universais. A partir do século XIX essa convicção foi desconstruída  pela geometria não-euclidiana e pela física não-newtoniana. No começo do século XX, a física quântica e a teoria da relatividade abalaram definitivamente todo o racionalismo da teoria mecânica. Esse fato desencadeou uma enorme crise,  mostrando que a infalibilidade das ciências era apenas uma crença. Como observou Wittgenstein: “Na base de toda moderna visão do mundo está a ilusão de que as assim chamadas leis naturais sejam esclarecimentos a propósito dos fenômenos naturais” (TRACTATUS, 6.371). O que a ciência faz é apenas criar modelos sobre a realidade. Esses modelos são como espelhos que refletem os estados de coisas no mundo.

Thomas Kuhn em sua obra, “A estrutura das revoluções científicas”, procurou  mostrar que a história das ciências evolui pela tradição intelectual, representado por paradigmas. Paradigmas são modelos, representações e interpretações de mundo universalmente reconhecidos, que fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade científica. É por meio dos paradigmas que os cientistas buscam respostas para os problemas colocados pela comunidade científica. Os paradigmas são, portanto, os pressupostos das ciências. A prática científica ao fomentar leis, teorias, explicações e aplicações criam modelos que fomentam as tradições científicas. Como avalia o filósofo da ciência, os “paradigmas são as realizações cientificas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (Kuhn, 1991, p.13). Podemos dar alguns exemplos, a física de Aristóteles  foi o paradigma que durou por mais de mil anos. A astronomia Copernicana, a dinâmica Newtoniana, a química de Boyle, a teoria da relatividade de Einstein e a física quântica também são paradigmas.

O grande  motor do progresso das ciências é a luta entre modelos explicativos, entre teorias e concepções de mundo:  “O desenvolvimento da  maioria das ciências têm-se caracterizado pela contínua  competição  entre diversas concepções de natureza distintas”. (Kuhn, 1991, p. 22). É o que o filósofo da ciência chamou de “ciência normal”.  A ciência normal não se desenvolve por acumulação de descobertas ou invenções individuais, mas por revoluções de paradigmas. Trata-se de uma luta entre modelos aceitos pela comunidade científica. Por exemplo, a teoria geocêntrica de Ptolomeu, que afirmava ser a terra o centro do nosso universo, foi substituída por um novo modelo, a teoria heliocêntrica de Copérnico, que afirmava ser o sol o centro de nossa galáxia. Outro exemplo, é a teoria da gravitação de Newton, que afirmava ser a gravidade  uma força fundamental existente em todos os corpos. Essa teoria foi completamente modificada por um novo modelo explicativo, a teoria da relatividade-geral de Einstein. Segundo esse novo modelo, a gravidade não seria uma característica dos corpos, mas das distorções do espaço-tempo local causado pelo peso das massas dos corpos. Na avaliação Kuhn essas transformações de paradigmas são revoluções científicas e “a transição sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida” (KUHN, 1991, 32).

Para Kuhn (1991), a prática cientifica é uma tentativa de forçar a natureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente inflexíveis fornecido pelo paradigma. Ou seja, a ciência é uma tentativa de forçar a natureza a esquemas conceituais fornecidos pela educação profissional do cientista. Nesse sentido, mesmo que as ciências possam construir modelos explicativos do funcionamento da realidade com uma precisão cada vez maior, os paradigmas evoluem pela tradição intelectual e apresentam crises periódicas, não conseguindo resolver uma série de anomalias acumuladas. Quando essas anomalias se acumulam excessivamente surge um novo paradigma.

 O fato é que mesmo que a ciência possa reconciliar os dois grandes paradigmas do mundo contemporâneo, a Teoria da Relatividade Geral e a Física Quântica, para explicar todos os fenômenos da natureza, ela nunca tocaria no problema da verdade e do sentido da vida. É bastante provável que os cientistas descubram que o mundo não tem sentido. Como já alertava Wittgenstein: “o sentido do mundo deve estar fora dele. No mundo tudo é como é e acontece como acontece: nele não há valor — e se houvesse, o valor não teria valor” (TRACTATUS, 6.41). E sobre Deus o filósofo afirmou que a natureza é indiferente a ele. No mundo as coisas são como são, tudo acontece como acontece, tudo é contingente, tudo é casual: “Como é o mundo é completamente indiferente ao que está além. Deus não se manifesta no mundo” (TRACTATUS, 6.432).

Referências

DINUTTI, Aldo Lopes. Análise das três teses do Tratado do Não-Ser de Górgias de Leontinos. O que nos faz pensar, nº24, outubro de 2008. Disponível em < https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/759/1/AnaliseTresTeses.pdf>

KUHN, Thomas. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1991.

PATY, Michel. A noção de determinismo na física e seus limites. Scientiae Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 465-92, 2004.

< https://www.scielo.br/j/ss/a/Lf9R3Y5g6HTvQNxysFDCJ4C/?lang=pt>

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.


Michel Aires de Souza Dias – Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)

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Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

2 Comentários

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  1. O autor genelariza a partir de certas posições da física. São exceções, no gela a bilogia, a química e a fisi explicam e modificam a natureza. Mais do que nunca as quatro causas aristotélicas atingim o ser das coisas, elas a modificam. Basta observar o uso da genética quanto a vegetais animais. O conceito de paradima não se sustenta no uso desde sempre da matemática na construção civil. A revogação dos paradigmas matemáticos jogariam as obras da construção civil pelo chão. Contudo, não o faz.Nao existem paradigmas, mas explicações relativas incorretas, que são substituídas por corretas ademais as ciências da natureza não dá sentido a vida. Esse foi um dos propósitos de Kant na Crítica da Metafísica dos Costumes, de uma teleologia divina para a natureza. O sentido da vida está elaboração das questões da existência humana em torno daquilo que é absoluta criação humana. Nietzsche concebeu isso como a arte, é ela que nos salva da verdade, principalmente de que a vida é finita. Pois viver mais, fato dado pela biologia, apenas adia o fim da vida.

  2. A luta pela explicação da vida é, no seu setido orgânico, é proprio da biologia. As demais ciencias, principalmente a física, não fazem isso. O que temos quanto a essa ciência foi uma explicação errada que foi substituída por uma correta. Assim, não existem paradigmas. Explicações relativistas. A matemática, via a engenharia civil, não tem revogado suas leis, fazendo cair os edificios. Parmênides pribiu a busca do não-sser, Aristóteles o afirmou como falsi. Buscar o sentido da vida nas ciências da natureza é um projeto da Metafísica dos Costumes de Kant, que estabeleceu uma teologogia divina. Temos a arte par nao morrer da verdade, advirtiu Nietzsche. É a arte, uma criação genuniamente humana, que estabelece um sentido para a vida, pois lida com os sentimentos humanos. Viver mais, dado pela biologia, apenas adia a questão da finitude humana. Uma das questões centrais da existência humana.

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