As mentiras que os neoliberais contaram e você acreditou, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Onde quer que tenha sido adotado o neoliberalismo produziu efeitos devastadores. As privatizações acarretaram desabastecimento, encarecimento e decadência de serviços que eram públicos.

As mentiras que os neoliberais contaram e você acreditou

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os neoliberais seguem dizendo que sua teoria é um sucesso presente ou que ela é uma garantia de sucesso futuro. Entretanto, o fracasso do neoliberalismo é um fenômeno bem documentado.

A privatização de empresas públicas é incapaz de, por si só, produzir uma otimização dos serviços prestados e uma redução dos preços. A cidade de Paris privatizou a água e rapidamente passou a sofrer escassez desse insumo abundante na região em que está localizada. A Inglaterra privatizou o transporte ferroviário e alguns anos depois aquele serviço se tornou caro, caótico e passou a sofrer interrupções constantes. O Brasil privatizou os aeroportos e alguns deles se tornaram economicamente inviáveis em razão da diminuição do tráfego aéreo provocado por uma crise que não pode ser superada dentro dos limites impostos pelo neoliberalismo.

A Califórnia desregulamentou totalmente a distribuição de energia elétrica e foi deixada no escuro porque os operadores obtinham lucro maior causando interrupções no fornecimento. O colapso financeiro de 2008, cujos efeitos continuam operando efeitos em diversos países, foi causado pela desregulamentação bancária. No Brasil a diminuição da regulamentação das relações do trabalho (a Reforma Trabalhista imposta país após o golpe de 2016) não provocou nenhuma diminuição na taxa de desemprego.

Franceses e ingleses foram obrigados a reverter as privatizações que fizeram. Alguns serviços somente são otimizados se forem públicos. A regulamentação dos bancos brasileiros protegeu nosso país dos efeitos imediatos da crise financeira de 2008. O único impacto da Reforma Trabalhista foi negativo. A precarização do trabalho acarretou uma queda na arrecadação de contribuições previdenciárias.

Confrontados com os fracassos de suas teorias, os economistas neoliberais culparam a democracia. Utilizando a China como exemplo positivo e os países europeus como exemplo negativo, os defensores do neoliberalismo passaram a defender a tese de que nos países menos democráticos o crescimento econômico era mais acelerado. Eles omitiram um fato importante: há mais de um século diversos países africanos têm passado das mãos de um ditador para as de outro, mas a situação econômica do continente negro não melhorou muito. A ausência de democracia não pode ser considerada uma causa eficiente do desenvolvimento econômico.

Além disso, a China não se tornou uma potência econômica porque adotou um regime antidemocrático. Isso ocorreu em consequência de uma estratégia política de longo prazo cuidadosamente negociada entre Pequim e Washington.

No auge da Guerra Fria os norte-americanos e os chineses perceberam que tinham interesses comuns. Nenhum dos dois poderia fazer frente sozinho ao poderio militar da URSS. A intensificação das relações comerciais e financeiras entre China e EUA foi capaz de satisfazer os interesses mútuos dos dois países. Os chineses obtiveram um fluxo constante de capital que eles não tinham e precisavam para gerar mais renda, empregos e impostos. Os norte-americanos mataram dois coelhos com uma cajadada só: além de ter acesso à abundante mão de obra barata chinesa eles passaram a ter certeza de que a China não se aliaria à URSS para atacar os EUA.

Onde quer que tenha sido adotado o neoliberalismo produziu efeitos devastadores. Aumento da informalidade, redução da expectativa de vida e perpetuação de uma elevada taxa de desemprego e de subemprego. As privatizações acarretaram desabastecimento, encarecimento e decadência de serviços que eram públicos.

As únicas coisas que os neoliberais realmente conseguiram fazer foi aumentar a concentração de renda e desdemocratizar o Estado. Os efeitos deletérios da captura da política pelo mercado financeiro criou um paradoxo insolúvel. Quanto mais a política se torna necessária menos ela é valorizada como uma alternativa viável para a superação da crise. Aliás, a própria crise é em grande medida alimentada com a adoção de uma austeridade economicamente injustificável.

Com a eleição de Donald Trump para comandar os EUA ocorreu uma verdadeira catástrofe internacional. Na Europa e na América Latina começaram a surgir vários clones do presidente norte-americano. Os líderes neofascistas geralmente fazem o mesmo que seu mestre: eles espalham Fake News e atacam ferozmente as consequências do neoliberalismo. Mas quando chegam ao poder eles aplicam receitas neoliberais que perpetuam a crise.

No Brasil não foi diferente. Os resultados econômicos produzidos pelo bolsonarismo são catastróficos: destruição da indústria nacional, crescimento pífio, dólar estratosférico, fragilização da democracia e aumento da concentração de renda. Nós chegamos a uma situação em que realmente não há qualquer alternativa. Exceto uma improvável revolução global.

Em seu livro Alan Sokal e Jean Bricmont afirmaram que “… a história da ciência nos ensina que as teorias científicas passam a ser aceitas acima de tudo por seus êxitos.” (Imposturas Intelectuais – O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos, Alan Sokal e Jean Bricmont, edições BestBolso, Rio de Janeiro, 2014, p. 73). No caso do neoliberalismo ocorre exatamente o oposto. O sucesso eleitoral dessa teoria econômica está relacionado aos fracassos que ela produziu para garantir que os ricos ficarão sempre mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

As teses defendidas pelos neoliberais não são apenas imposturas intelectuais. Elas são uma estratégia de guerra econômica permanente. A relação que existe entre o neoliberalismo e os benefícios que ele proporcionou para todos é tão fantástica quanto aquela que existe entre o coronavírus, a cerveja Corona e o papel higiênico. Quando as conclusões não decorrem dos fatos ou os próprios fatos são sutilmente alterados provocando deduções diferentes daquelas que deveriam ser extraídas da verdade factual nos deparamos com o nascimento da literatura fantástica, das Fake News e da economia neoliberal. Não por acaso essas três coisas parecem estar intimamente ligadas.

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O artigo é interessante. Todavia, a manchete deve pretender alcançar leitores de Veja, Isto é; telespectadores da Globo News; ouvintes da CBN; todos fãs de Ricardo Amorim, um cruzamento de Miriam Leitão com Sardenberg, cuja leitura de cabeceira é Seja Foda e acreditam que Pondé e Karnal são o suprassumo da filosofia moderna.
    Não se dirige a pessoas que leem, para citar alguns, Stiglitz, Naomi Kein, Ladilasau Dowbor ou Fernando Nogueira da Costa e, com certeza, não busca quem lê regularmente este GGN, para os quais nada do que escreveu é novidade, ou melhor, é chover no molhado.
    Essa manchete ofendeu-me, sinceramente… Não somos todos bolsominions.

  2. Verdade seja dita: os bolsomínions e as tietes do Amoêdo jamais deixarão de acreditar nesse conto do vigário.
    Conto? Que digo eu? Isso é imensamente mais volumoso que um simples conto: é uma epopeia do vigário.

  3. Os neoliberais nunca prometeram melhorar o que está relacionado ao que é público exceto que acabariam com o crime de corrupção, o que realmente fazem: legalizando a ingerência da iniciativa privada sobre o que é público, corrupção deixa de ser crime. Vide o financiamento de campanha e de projetos nos EUA, candidamente chamados de “lobbies”. Aqui era crime dar dinheiro a político para que se elegesse ou que favorecesse este ou aquele projeto privado. Na prática, não é mais. Se for projeto da iniciativa privada estadunidense, então… portas abertas e tapetes vermelhos.

    O estado democrático, sob administração privada (ou neoliberal) apenas se aprofunda na corrupção de seus fundamentos. Só que, em “novilíngua” corrupção não é verter os recursos do estado para atendimento prioritário aos mais vulneráveis. Nesse léxico corrupção é… bem, corrupção passa a ser… tá bom, sob administração neoliberal não existe corrupção. Qualquer coisa que um empresário faça será sempre lei. Vide o “imbroglio” da Zona Azul, em São Paulo, por exemplo. Mas se não existe corrupção, segundo esse dicionário por outro lado existem corruptos: qualquer político que tente atender “de baixo para cima” é corrupto. Mesmo que atenda também os do meio e os de cima. Por exemplo Lula e Dilma.

    Assim, se os neoliberais nunca prometeram providências democraticamente distribuídas, brandam pela “meritocracia”, o que, na prática, existe tanto quanto os unicórnios: imagine que Neca Setúbal, para ficar num exemplo extremo, vai ter que fazer algo para evitar um eventual desemprego… Mas outros – e bem comuns – exemplos se constata todo dia, toda hora. No verdadeiro universo neoliberal o que conta é ser “sócio do clube”, por origem familiar e, em excepcionalíssimos casos, por formação acadêmica. A exceção confirma a regra: na prática, os de cima sobem e os de baixo descem.

    Enfim, toda lenga-lenga capitalista se baseia em credos, convicções, “wishful thinking”, pedrinhas de vidro colorido e quimeras que-tais, nunca em História ou qualquer outra ciência. O problema é que sempre haverá quem prefira uma doce ilusão à realidades que exigem mais esforço. Se até um estúpido como Forrest Gump fica milionário, a prática da civilidade coletiva (existe outra forma de ser civilizado?) é só para as pessoas excepcionalmente conscientes. E a depender de conhecimento – o que mataria as mentiras neoliberais -, já que a educação é cada vez mais orientada para formação de operários-padrão, ainda levaremos um tempo até nos livrarmos dos mentirosos e suas mentiras, até lá continuaremos na barbárie – ainda que tecnologicamente maquiada – do “ganha o mais forte”.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador