Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Banestado 3. Lula, a fome e a salvação da República de Moro, por Armando Coelho Neto

O afastamento do delegado Castilho ocorreu logo após ser divulgado o nome da família Bornhausen, a qual mantinha vínculos estreitos com o Banco Araucária - instituição, aliás, com pouquíssimas agências, mas que teria movimentado pelo menos 5 bilhões de dólares, em 2003, segundo o MPF.

Banestado 3. Lula, a fome e a salvação da República de Moro

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Ser professor é ato tão nobre que ter remuneração é um escândalo. Ao saber que sua professora tinha salário, o aluno entrou em depressão. Eis que viu a imagem da professora andando de um lado para o outro, e concluiu: “Não. Ela ganha pelas passadas que dá, não para ensinar”. Assim, retomou suas forças e foi tocar piano.

Aconteceu no quadrinho “A Turma do Amendoim”, que no Brasil recebeu o nome de Peanuts, de autoria de Charles M. Schulz (EUA). Nele há um personagem chamado Schroeder, que é muito puro; tem profundo respeito pela professora; sente uma paixão não correspondida pela personagem Lucy. Ele se dedica à música clássica.

Quando o assunto é Lula, tenho um pouco de Schroeder, e me perco em explicações para isso e aquilo. Sobretudo no país dos acordões, seja para anistiar militares assassinos, seja para dar golpe, seja com “Carta ao aos Brasileiros”, seja sobre o como seria se assim não fosse. A política como arte do possível é vil e cruel.

Volto ao Caso Banestado, versão 3, tentando encontrar desculpas para Lula. No número 1 disse que escândalo agonizou por causa de 200 dólares por dia que o delegado recebia para trabalhar em Nova Iorque. No número 2, tratei de crimes não prescritos, depois de uma conversa incompleta com o delegado Castilho.

Num primeiro momento das investigações sobre a roubalheira do Banestado, Castilho foi afastado do caso por ordem do ex-diretor-geral da PF, Armando Possa (governo FHC), o qual atendera solicitação do Ministério Público Federal do Paraná. Curiosamente, um de seus membros era o número dois do alto escalão da PF.

Tudo é muito nebuloso no Caso Banestado. Castilho só tomou conhecimento do seu estranho afastamento na CPI, durante o depoimento de Antônio Carvalho, delegado federal que o substituiu nos trabalhos. Na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Caso Banestado, o delegado atribui a Armando Possa a seguinte fala:

“Dr. Carvalho, o senhor tem de assumir um inquérito em Foz do Iguaçu, que estava sendo presidido pelo Dr. Castilho, que foi afastado por mim, a pedido do Ministério Público de Foz do Iguaçu. Os promotores estiveram em Brasília e pediram o afastamento dele desse inquérito”. Por que? Não se sabe.

O afastamento do delegado Castilho ocorreu logo após ser divulgado o nome da família Bornhausen, a qual mantinha vínculos estreitos com o Banco Araucária – instituição, aliás, com pouquíssimas agências, mas que teria movimentado pelo menos 5 bilhões de dólares, em 2003, segundo o MPF.

É possível, porém, que o nome Bornhausen seja meramente simbólico. Seria ou é apenas mais um num conjunto de famílias de controladoras da política, da grande mídia e das instituições, entre elas o Judiciário, como demonstramos neste GGN (1). Famílias alimentadoras da corrupção estrutural do país, que se nutre dela própria.

E aqui cabe contextualizar que o setor bancário, de uma forma geral, foi responsável por mais de 25% do financiamento das campanhas do governo Fernando Henrique Cardoso, pessoa que, mais tarde, já na Farsa Jato, o então juiz Sérgio Moro não queria melindrar. A propósito, FHC poderia ser um aliado.

De qualquer modo, o delegado Carvalho, mesmo com a mudança de governo, teria continuado o trabalho. “Não houve ingerência política alguma no caso… desenvolvi minhas investigações com a mais ampla liberdade”, tendo coletado em Nova Iorque cópia de documentos dos titulares das contas, passaporte, dados gerais.

Na surdina, porém, surgiram desconfortos pois, a cada passo, estava se tornando visível aquilo que o delegado Castilho trata como ponta de um “iceberg”. A iminente exposição das vísceras da corrupção brasileira levou o procurador da República Celso Três a advertir o Parlamento sobre eventual projeto de anistia.

De todo modo, os trabalhos seguiam, ainda que com divergências entre os delegados Castilho e Carvalho, concentração dos trabalhos num só inquérito ou abrir vários, quando o principal na visão de Castilho, era sem dúvida o rastreamento do dinheiro. Tudo, porém sob eterna pressão do não querer político.

A República dos cleptocratas acabara de ficar nua, a mesma cujo moralismo (Moro) só constataria depois. Desesperado, o procurador Celso Três escreveu: “Suplico que os Excelentíssimos Parlamentares resistam ao ‘lobby’ pela anistia. Porém, em sendo para concedê-la, o façam desde já, poupando trabalho inútil”.

Parece ter sido em vão. Numa das ações originadas pela CPI do Banestado consta uma emblemática sentença absolutória: “Não acolho a alegação de que o simples depósito em conta CC5, de qualquer espécie, já consumaria saída de recursos do território brasileiro”. Entre os réus, Banco Araucária.

Antes de se eleger, Lula divulgou sua Carta aos Brasileiros, na qual jurou honrar compromissos das elites, respeitar contratos e obrigações do país, e que na turbulência do mercado financeiro, o PT estaria disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade, de modo a evitar agravamento da crise.

Diante da República nua, coube ao ex-presidente Lula escolher entre salvar interesses das elites ou combater a fome. O meu lado da “Turma do Amendoim” sugere que Lula escolheu não destruir a República. Optou apenas por usar um trapo para esconder partes intimas da república devassa, e abraçar no combate à miséria.

O delegado Castilho generosamente vê nas atitudes dos então ex-diretores da PF uma certa ingenuidade. O mesmo pensa em relação ao seu colega Carvalho. Somo à ingenuidade deles a minha: em nome do combate à fome, Lula salvou a República de Moros, Marinhos, Bornhausen, Jereissatis, Maias, Alcolumbres, Barrosos…

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.

https://jornalggn.com.br/artigos/banestado-caro-mesmo-eram-os-200-dolares-pagos-ao-delegado-por-armando-coelho-neto/

2 – https://jornalggn.com.br/artigos/caso-banestado-2-conversa-incompleta-com-o-delegado-castilho-por-armando-coelho-neto/

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

10 Comentários

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  1. Como seria se, ao invés de “salvar a república de Moros, Marinhos etc.”, Lula decidisse peitá-la. Um Salvador Allende, talvez? Hoje, temos um messias no comando, um salvador da pátria que diz que destruirá tudo, isto é, a república dos moros etc. E todos estamos vendo o que está sendo destruído, tudo menos a tal república, que está cada vez mais robusta.

    1. Mas Lula peitou a República Devassa. Eles iam dançar.

      Foi por isso que decidiram destruir o governo PT.

      Hoje, está tudo sob controle da corrupção. E a mídia é um cão amestrado,
      diante da miséria do país, e mostra os dentes só para lhes interessa.

      A nota de 200,00 reais é a prova disso.

  2. Ainda bem que o autor admite a sua “ingenuidade” diante das atitudes e motivações do ex-presidente Lula, ao ajudar a enterrar esse caso assombroso.

    1. EU penso que se o #lula NÃO TIVESSE AGIDO ASSIM: preocupando-se mais em fazer alguma coisa para o POVO… ao invés de mexer na bandalheira do FHC, não tinha conseguido GOVERNAR …
      Lembra que a GLOBOSTA foi a principal cúmplice da robalheira do FHC?

    2. EU penso que se o #lula NÃO TIVESSE AGIDO ASSIM: preocupando-se mais em fazer alguma coisa para o POVO… ao invés de mexer na bandalheira do FHC, não tinha conseguido GOVERNAR …
      Lembra que a GLOBOSTA foi a principal cúmplice da robalheira do FHC?

      Armando , muito bom , pois me acrescentou muito sobre esse escabroso CASO BANESTADO, SOMOU MUITO!

  3. Schroeder ama seu piano e Beethoven. Ignora totalmente o amor de Lucy. Uma pena o autor cometer um erro tão básico no único trecho interessante num texto tão chato.

    1. Pelo seu comentário percebe-se o motivo do Brasil se encontrar hoje. Mais preocupado com um detalhe de uma série de desenho animado do que sobre a verdadeira história do Brasil.

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