Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Capitalismo predatório ameaça a democracia, por Andre Motta Araujo

A concentração de renda se tornou avassaladora e está produzindo oceanos de miséria pelo mundo. Mas a crise do capitalismo financeiro predatório não é a que vem de baixo, ela é entrópica porque ela é autodestrutiva

Capitalismo predatório ameaça a democracia

por Andre Motta Araujo

Quem diz é o mais importante jornalista do mais importante jornal econômico do planeta, o FINANCIAL TIMES em artigo de Martin Wolff de 18 de setembro.

O colunista do jornal britânico demonstra que a CONCENTRAÇÃO DE RENDA está liquidando com sólidas sociedades de classe média, como Estados Unidos e Reino Unido. As gerações do pós-guerra tinham certeza de que os filhos teriam maior renda que os pais, durante as décadas de 40, 50 e 60. A partir da década de 70 a curva se inverteu, os filhos passaram a ter renda menor que os pais, e o processo se agravou enormemente a partir de 1990, chegando a um anticlímax após a crise de 2008, quando hoje 1% de bilionários detém 54% da riqueza mundial e um CEO (executivo chefe) hoje ganha 300 vezes mais que um operário, nos anos de pós guerra a relação era de 40 para 1.

A concentração de renda se tornou avassaladora e está produzindo oceanos de miséria pelo mundo. Mas a crise do capitalismo financeiro predatório não é a que vem de baixo, ela é entrópica porque ela é autodestrutiva, seus próprios métodos a levarão à sua implosão sistêmica. A concentração TRAVA O CRESCIMENTO e o crescimento é essencial para a própria existência desse capitalismo que não pode parar.

A crise tem elementos distintos e vou tentar dissecá-los. É minha análise e não do Financial Times:

1.ELIMINAÇÃO DE BARREIRAS ÀS FUSÕES E AQUISIÇÕES

A partir das políticas Thatcher-Reagan no coração do capitalismo anglo-saxão, foram eliminadas quase completamente as barreiras para empresas comprarem outras ao infinito. A cada compra há desemprego de milhares de trabalhadores e centenas de executivos de escalão médio. Fusões absurdas, como a DOW CHEMICAL e a DUPONT, dois gigantes que concorriam entre si há um século, ou BAYER e MONSANTO, dois competidores globais em defensivos agrícolas, eliminando competição, que é uma das bases do capitalismo de mercado, permitindo oligopólios em preços e patentes. As economias de escala são apropriadas pelas empresas e não trazem vantagem alguma a consumidores e países.

2.DIMINUIÇÃO EM PAGAMENTO DE IMPOSTOS

As megaempresas resultantes de fusões têm como um dos seus principais objetivos a REDUÇÃO DE IMPOSTOS e a própria fusão gera créditos fiscais que farão a nova empresa fusionada pagar menos imposto de renda, tornando vantajoso, pelo tamanho, transferir lucros para PARAÍSOS FISCAIS. Hoje as corporações americanas têm 6 vezes mais lucros “parqueados” em paraísos fiscais do que no seu próprio País. Com isso prejudicam tanto seu país-sede como os países onde operam. A desoneração fiscal significa que essas empresas USUFRUEM dos serviços públicos nos países hospedeiros, MAS não pagam seus custos, onerando os demais cidadãos que têm que pagar mais impostos para aliviar as megacorporações de sua cota na manutenção do Estado.

3.TRANSFERÊNCIA DE FÁBRICAS PARA PAÍSES DE BAIXOS SALÁRIOS

Processo largamente usado pelas corporações multinacionais e que criou oceanos de desempregados em países centrais e mesmo em países emergentes de industrialização tardia. O benefício pela economia em salários e impostos beneficiou especialmente o ACIONISTA e, em menor escala, o consumidor. Mas ao criar desemprego em um processo contínuo, ao fim faz empobrecer mercados consumidores, que ficam sem renda para comprar seus produtos. No uso de cadeias produtivas globais as empresas fazem LEILÃO FISCAL E DE VANTAGENS ENTRE PAÍSES, mudam a fábrica para o País que dá terreno de graça, créditos, vantagens, treinamento, infraestrutura e isenções fiscais. Mas ao empobrecer regiões e países, com isso aumentando seus lucros, vão no caminho reduzindo a renda de onde saem e, às vezes, de seus próprios países de origem, tudo beneficiando a empresa do ponto de vista micro. No outro lado a desidratação do mercado consumidor se dá  como efeito macro, CADA EMPRESA ganha nos seus custos, mas o conjunto das empresas perde consumidores, fenômeno que acontece gradualmente à medida que se cria desemprego em países que perderam fábricas, como Reino Unido, Brasil e Argentina. Desempregados não compram roupas feitas na China porque não têm renda.

4.PODER EXCESSIVO SOBRE CONSUMIDORES E FORNECEDORES

Quanto mais concentrado o mercado em cada vez menos empresas, menor a margem de liberdade do consumidor e do fornecedor dessas empresas. Quando a NESTLÉ comprou a Chocolates Garoto, cerca de metade das marcas de chocolates do País ficou sob controle de uma só empresa, transação que jamais deveria ter sido aprovada pelo CADE e foi. A AMBEV tem 600 marcas de cerveja pelo mundo, uma absurda concentração de mercado. A mesma NESTLÉ controla marcas de águas minerais pelo mundo, Perrier, San Pellegrino, São Lourenço no Brasil e em quase todos os grandes mercados domina o setor. Esse processo empareda consumidores e fornecedores. Isso só é bom para o acionista e para ninguém mais, é um processo autofágico e destrutivo, a competição é da essência do capitalismo e sua eliminação é perigosa para o próprio sistema.

5.CONTROLE POLÍTICO DE GOVERNOS E CONGRESSOS

Aumentando o poder das corporações multinacionais, o processo se dá reduzindo o poder dos Estados para taxar e regular essas empresas, um processo danoso às sociedades em geral, confrontacionista com os Estados que perdem poder de controle.

6.TUDO PARA O ACIONISTA E NADA PARA A SOCIEDADE

A lógica do atual sistema é dar TUDO AO ACIONISTA contra os direitos dos trabalhadores, dos consumidores e dos Estados, é uma IDEOLOGIA que vem dos anos Thatcher-Reagan, não existiu tal conceito entre 1900 e 1970, quando o grupo Standard Oil foi, por decisão do Presidente Theodore Roosevelt, DIVIDIDO em 6  partes, a concentração numa só empresa era vista como perigosa ao Pais e à sociedade. A Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA, entre sua criação em 1903 e 1978, barrou cerca de 6.700 fusões, por serem contra o interesse público. Bancos nos EUA só podiam existir em um Estado, em certos Estados só em uma cidade. Tampouco bancos poderiam controlar corretoras de bolsa, seguradoras e fundos de investimento. A partir do Governo Reagan essas barreiras foram eliminadas e permitiu-se uma concentração livre no mercado financeiro, o que resultou na crise de 2008, salva pelo Tesouro, ou seja, pelo Governo dos EUA, a desregulamentação gerou a crise de 2008.

A etapa final desse capitalismo será o patrocínio de GOVERNOS NEOFASCISTAS para controlar as massas miseráveis geradas pelo processo. A partir desse ponto, já atingido em alguns países, serão eleitos governos populistas de direita para permitir a CONTINUIDADE DA CONCENTRAÇÃO e o desmonte dos serviços sociais e de amparo às populações pobres, para que o CORTE DE GASTOS permita aliviar ainda mais a carga fiscal das empresas e de seus acionistas. TUDO PARA QUE A PARTE DO CAPITAL NA RENDA NACIONAL AUMENTE, ao mesmo tempo que se enfraquece o Estado para que ele NÃO TENHA FORÇA PARA REGULAR AS EMPRESAS e fique dependente dos “mercados” para seu financiamento através da dívida pública.

Com esse processo atinge-se o objetivo maior do CAPITALISMO PREDATÓRIO, qual seja, controlar a POLÍTICA MONETÁRIA através do Banco Central dominado pelos “mercados”, a POLITICA ECONOMICA pelo seu comando por um executivo do “mercado” e através disso controle do Estado por um preposto, político de direita apenas para fazer o papel de polícia das massas miseráveis para que não se revoltem, o controle real do Estado e do CAPITALISMO PREDATÓRIO.

POR QUE O CAPITALISMO PREDATÓRIO NÃO CONSEGUE ENXERGAR RISCOS?

Porque é de sua própria natureza operar SEM AUTO CONTENÇÃO, SEM LIMITES. As escolas de negócios pelo mundo, cuja expansão se deu em grande escala a partir dos anos 70, são “madrassas”* de lavagem cerebral que moldam executivos na religião do “corte de custos”, não importa o risco que tal processo possa gerar. O CASO VALE mostra onde essa “religião” leva, corta-se custos ao máximo limite não importa o risco, mesmo de morte de centenas de pessoas, é DA NATUREZA DO SISTEMA não conhecer limites para o lucro. Os bancos brasileiros poderiam ser altamente lucrativos com juros mais baixos, MAS eles jamais serão razoáveis por autodeterminação, os robôs humanos MBA são programados para o lucro máximo, mesmo que pelo caminho destruam sociedades. Só o ESTADO pode conter esse tipo de sistema predatório que, deixado às suas próprias razões, destruirá o equilíbrio social, o meio ambiente e trará, em larga escala, o aumento da criminalidade, das doenças mentais, do uso de álcool e drogas, das rupturas sociais e da Humanidade.

Essa é, na essência, a conclusão de MARTIN WOLFF no jornal FINANCIAL TIMES em artigo magistral publicado em 18 de Setembro de 2019.

 *A palavra deriva do árabe madrsa, por vezes transliterada como madrassa ou madrasa, palavra que em árabe originalmente designava qualquer tipo de escola, secular ou religiosa (de qualquer religião), pública ou privada.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

9 Comentários

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  1. Como sempre um artigo magistral de André Araujo, espelho da realidade que já estamos vivenciando, aí esta a reforma da previdência hoje aprovada, entretanto a grande maioria do povo e os políticos por ignorância ou má fé não não enxergam. Não é necessário ser um sábio para perceber o que esta ocorrendo basta senso de observação.

  2. Excelente diganóstico. Mas acho que “e o vento levou”. Já entramos no capitalismo “científico” sem volta, onde haverá cada vez mais concentração nos meios de produção. Concentrando, a escala de produção diminui custos, elimina desperdícios, otimiza a logística, o próprio monopólio (ou quase) permite a empesa ter uma visão de mercado como um todo, reduzindo riscos de encalhar estoques ou de fracassar no lançamento de produtos.

    Antigamente quem tinha um pouco de dinheiro abria um negócio com seu capital, um comércio ou uma indústria. Hoje está cada vez mais raro. Cada vez mais, o mais comum é investir em Bolsa ou em fundos, o que gera mais concentração dos meios de produção. Em vez de empreender, gerando concorrência, prefere-se ser acionista das empresas grandes, o que faz realimentar a concentração na economia.

    Se olharmos a função social da produção como sendo suprir necessidades humanas de forma univesal sem exigir contrapartida do poder aquisitivo para consumo, esse cientificismo produtivo é até correto para o planeta. Produz-se onde é mais barato produzir, com menores danos ao planeta, e em abundância para atender a todos e sem desperdício.

    Então o capitalismo, para sobreviver, vai ter de inventar formas de remunerar pessoas. O caminho mais natural é o velho e bom Estado recolher impostos sobre a produção e distribuir na forma de um enorme cabide de empregos: remunerar para manter jardins, manter ecossistemas, contar estórias, cuidar de idosos, dar mais bolsas de estudo e pesquisa, pagar para exercer atividades esportivas, artísticas, sociais e culturais.

    Ou talvez chegue ao ponto de ter que considerar o próprio consumo uma forma de trabalho remunerado. Ou seja vão ter que pagar consumidores para receber de volta pelo consumo. Parece estranho, mas se os bancos criam dinheiro sem lastro conversível, porque as indústrias não poderiam fazê-lo, ainda mais tendo o próprio produto como lastro?

    Mas tem outra revolução que pode eliminar muitas indústrias e comércios: a economia do compartilhamento. Impressoras 3D podem fabricar em casa diversos utensílios, brinquedos, ferramentas, peças, eliminando boa parte da indústria de quinquilharias e utilidades domésticas. Basta comprar as resinas industrializadas como insumos e mandar “imprimir” o objeto com um design de domínio público comparrtilhado. Devem surgir até impressoras 3D que fabricam alimentos em casa como macarrão, massas, paẽs, bolos, sorvetes, etc. As fábricas se limitam aos insumos para a impressora. Outras que podem fazer roupas, outras que podem fazer material de limpeza, comprando cápsulas concentradas com insumos para misturar com água.

    Creio que países ricos viverão essa realidade em menos de 20 anos, nem que seja em fase de transição. Aqui vai chegar atrasado. Engatamos a marcha a ré rumo aos anos 70, como bem definiu o artigo.

  3. Prezado André e amigos,
    Então um dia os bilionários dirão: nós temos todo o dinheiro deste deserto….
    O futuro parece cada vez mais incerto, pelo aumento da população e, portanto, por tantos “negócios que entrelaçam” visando o lucro em detrimento do outro, do outro ser humano…
    A Grécia, massacrada pela roubalheira neoliberal, elegeu o syriza que se corrompeu e continuou o programa. Hoje estão negociando uma base militar americana em Alexandropolis para que os americanos possam “fechar” o mar Egeu.
    Líbia devastada. Seu grande reservatório de água que faria um oásis no Saara, roubado. Seu petróleo, roubado. Seu povo, escravizado.
    O oriente médio sempre tensionado.
    Os coletes amarelos abandonados da mídia. Sufocados pela polícia, pelas mentiras e pelo abandono.
    A reforma da previdência que destruiu o futuro deste país, já, mas ninguém percebe.
    Os partidos políticos brasileiros estão todos alinhados à direita…afinal os políticos querem ganhar o seu. Então, na prática, todos seguem o “projeto apresentado para o país”. Não existe esquerda, nem nacionalismo.
    Militares! Ah! Militares, cantam hinos com louvor! Engraxam seus coturnos com esmero. Fazem a barba impecavelmente! Entregam o pré sal! A Embraer, Alcântara! Querem o seu! Fora dessa reforma maldita! Essa é pra civil!
    E por aí vai….

  4. Meu caro André.
    Primeiro nos manuscritos prévios de “O Capital” em 1858 (Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie ou traduzido, Elementos fundamentais para a crítica da economia política ou simplesmente Grundrisse) Karl Marx apresentou dentro deste texto de 130 páginas “a lei mais importante da economia política” a lei da Taxa de Lucros declinante do Capital, sendo que este texto só apareceu em 1894 após a morte de Marx no volume terceiro de O Capital na seção III do dito volume, a “Lei de tendência à queda da taxa de lucro”.
    O que os economistas não marxistas estão enxergando agora é simplesmente a fase final desta “queda da taxa de lucro” que é erroneamente interpretada como uma perda de lucro total das grandes corporações.
    Marx explica muito bem que o aumento individual da produtividade dos trabalhadores de cada indústria através de mais “meios de produção” (máquinas, ferramentas, etc.) por trabalhador, produz um aumento da chamada “composição técnica do capital”. Entretanto este aumento implica num aumento imenso do investimento necessário para adquirir estes meios ao mesmo tempo que o investimento em força do trabalho não aumenta no mesmo ritmo, podendo até decrescer.
    O que faz os economistas não marxistas negarem esta crescimento da “composição do técnica do capital” e suas consequências é que para aceitar isto eles devem aceitar que a única fonte de valor do sistema como totalidade é o trabalho e o lucro na realidade provém da retirada da “mais valia” do trabalhador.
    Se olharmos com cuidado as contas nacionais dos países, vemos que há com este aumento da “composição técnica do capital” uma diminuição no conjunto de todas as empresas uma tendência a diminuição do lucro unitário dos produtos. Como sempre algumas empresas são mais fortes do que as outras, a média caindo as mais fracas serão tiradas do mercado (falência, venda ou fechamento), ou modernamente criando um grosso número de que se chama “empresas Zombies”, nome dado pelos próprios economistas capitalistas. Estas empresas Zombies, são empresas maduras que não geram receita nem para pagar seus empréstimos e são mantidas pela baixa de taxas de juros nos países do primeiro mundo.
    O mais interessante disto tudo é que o sucesso de capitalistas individuais leva ao desatre a classe capitalista como um todo. Qualquer inovação tecnológica que aumenta a produtividade necessitando menor trabalho para a produção de qualquer bem (segundo Marx “trabalho socialmente necessário”) diminui o preço dos bens e cria o chamado desemprego estrutural.
    Vária explicações procuraram mostrar que a lei de Marx dos rendimentos decrescentes estava errada, porém as evidências empíricas provaram que há uma tendência secular da queda da taxa de lucros.
    Muitos economistas modernos postularam que as vagas nos serviços substituiriam as vagas perdidas nos setores industriais, porém Marx nunca dividiu em setores como produção de material e “serviços” mas sim entre trabalho produtivo e improdutivo, pois ele sabia que no setor de serviços haviam categorias destes que podem ser definidos como “trabalho produtivo”, ou seja, ajudavam na produção criando mais valia pela expansão da produção.
    Trabalho no comércio, na polícia, na burocracia estatal e outros simplesmente não criam maior valor, pois simplesmente transportam os produtos de um lado a outro e não agregam nada.
    Conforme se vê, o capitalismo está ficando claramente antifuncional exatamente porque como a lucratividade das empresas monopolísticas caiu tanto que retira a possibilidade do chamado capitalismo produtivo, não restando mais nada aos capitalistas aderirem ao rentismo até que o lei da vaca seque.

    1. Vocês fazem todo tipo de contorcionismo retórico para provar que o capitalismo está levando a sociedade ao colapso. E no entanto o capitalismo vai muito bem de saúde, penetrando cada vez mais nos últimos países comunistas, como a China e Cuba.

      Não há maior fonte de desorientação e construção de fantasias teóricas do que aplicar as teses de Marx ao Brasil atual. O mundo de Marx era a Europa da revolução industrial do século 19, com sua divisão de classes. O Brasil nunca passou por esta fase, e muito menos vive essa fase agora, no mundo globalizado do século 21, onde a marcada divisão de classes do tempo de Marx tornou-se uma sombra difusa.

    2. Caro Maestri, Engels e Marx previram que a tecnologia proporcionaria abundância de bens, distribuindo o bem estar-geral, ao contrário do que advogam os críticos de que o comunismo distribuiria só pobreza.
      Paradoxalmente a tecnologia está está levando o capitalismo para uma ponta do socialismo científico, ao produzir abundância suficiente. O problema fica na outra ponta, quando a propriedade dos meios de produção ficam mais concentradas, em vez de sob mãos de todos.

      Recentemente Jeromy Rifkin escreveu sobre a economia de custo marginal zero, ou seja, a capacidade excedente de produção em larga escala caminha para ter custo próximo de zero em muitos casos, permitindo o acesso universalizado a bens e serviços. Esse fenômeno matou a indústria fonográfica, a partir do Napster. Ela foi socializada pela própria sociedade cometendo desobediência civil quanto a direitos de propriedade autoral. Youtube compartilhado reduziu a MTv a insignificância. A wikipedia matou as enciclopédias proprietárias tipo “encarta” da Microsoft. Software livre, como Android e Google Docś, matou mercados de software proprietário. Segundo Rifkin vários outros negócios de outros setores da economia sofrerão esse mesmo processo.

      A queda da margem de lucro unitária nunca foi problema, desde a revolução industrial, passando por Ford e pela globalização, pois o lucro total aumenta na escala de produção. Hoje temos até um fenômeno novo: empresa de sucesso em valor de mercado que dão prejuízos sistemáticos (Amazon durante muito tempo, Uber, WeWork, Nubank no Brasil), ao mesmo tempo em que há no mundo US$ 15 trilhões aplicados em títulos que pagam juros negativos. Ou seja: tem tanto dinheiro excedente no planeta (e sem lastro real de fato), que os Bancos Centrais cobram para guardar em segurança, preservando o valor, em vez pagar para captar.

      Talvez porque sem abrir essa válvula da panela de pressão, a alternativa seria esse dinheiro sofrer um crash. E com juros negativos e dinheiro sobrando, vale a pena até capitalizar empresas que dão prejuízos, para as ações valorizarem em bolsas e ganhar na venda. Ou seja investidores pagam (na forma de subsidiar prejuízos) para ter clientes, e ter clientes (mesmo subsidiados) torna-se um ativo de valor.

      Junte-se a isso o fenômeno das criptomoedas. O Bitcoin surgiu do nada, ganhando valor apenas pela vontade de subversão de quem a adotou para fugir do sistema financeiro tradicional. Este reagiu e absorveu as criptomoedas tornando-as ativos tradicionais de mercado para aplicar o dinheiro excedente no mundo.

      Mas o precedente está criado. A qualquer momento trabalhadores excluídos do mundo, sem dinheiro, podem se unir e criar criptomoedas para trocarem entre si bens e serviços, deixando bilionários com fortunas em dinheiro sem liquidez e perdendo valor. O próprio capitalismo para sobreviver terá que distribuir renda.

  5. A ideia de que o aumento da concentração de renda produz miséria baseia-se em uma concepção simplória do conceito de riqueza, que é vista como algo material, tangível, em quantidade limitada e pré-existente, que não pode ser criada nem destruída, apenas repartida de diferentes formas, assim como uma pizza sobre uma bandeja, onde quem corta uma fatia grande para si deixa um pedaço pequeno para os demais. Portanto, quem enriquece necessariamente empobrece outrém, e se a concentração de renda aumenta, o número de pobres também aumenta.

    Mas a concentração de renda nada mais é do que uma percentagem, um valor relativo. O que importa para o indivíduo não é o relativo, mas o absoluto. Todas as estatísticas têm confirmado que o número de miseráveis tem diminuído em todo o mundo nas últimas décadas, embora com avanços e recuos e diferentes velocidades aqui e ali. A classe média não está encolhendo, está se expandindo. A renda dos mais pobres, em termos absolutos, está aumentando, embora possa recuar em termos relativos. Previsões catastrofistas nada mais são do que um desalento, um sintoma depressivo, uma vontade de ver o crico pegar fogo. Não vai haver revolução nenhuma porque o número de pobres não está aumentando, e os trabalhadores há muito tempo aderiram ao capitalismo, restando aos militantes de esquerda procurar seu novo público entre os marginais, aqueles a quem Marx chamava lúmpens e com toda a razão afirmava serem imprestáveis como revolucionários.

  6. Andre Motta, qual seria a solução para os problemas expostos nesse artigo? Qual, na sua opinião, seria uma alternativa ao capitalismo que o senhor tanto critica em seus artigos?

    Obrigado

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