É a grande festa da hipocrisia nacional, diz Janio de Freitas

‘O Estado fez no Rio um Maracanã do samba para o Carnaval que os contraventores organizavam e pagavam. Em São Paulo foi igual’, diz ele.

Bruno Barbey, Rio, carnaval, 1980. Coleção particular.

Jornal GGN – Intitulado ‘Nesse grande Carnaval’, a coluna de Janio de Freitas, na Folha deste domingo, fala da grande festa. Janio relembra Zé Garoto, um tipo perfeito do sertão nordestino que foi guarda-costas e chofer de J.E. de Macedo Soares, o fundador do Diário Carioca, e depois do próprio jornal.

Lembra quem certa vez, Armando Nogueira saiu com Zé Garoto para reportar uma rebelião no presídio de Anchieta, uma longa viagem. As rebeliões eram raras na época, e esta alarmava já nas primeiras informações.

No meio do caminho, já no estado paulista, perto de um retorno, Zé Garoto embicou o carro e disse que ia voltar. Armando argumentou e argumentou, no fim só ouviu um eco: ‘Vou voltar’. E isso dito por voz e cara que não pediam concordância. Zé Garoto tinha o reparte das edições no sul fluminense e, no retorno recolhia remessas de pequenos agricultores, faturando um extra. Se ele seguisse, impediria os dois serviços.

Mas Janio se deu bem com Zé Garoto.

Conta que uma noite, logo depois do Carnaval, iam em seu furgãozinho buscar um carro problemático que Janio teve, e que ele se oferecera para consertar. Daí começou a chuviscar e, ao levantar o vidro do carona, notou uma rachadura e a falta de um pedacinho em forma de vê. “Estava chovendo, não desci o vidro todo, e a bala raspou aí. Mas não atrapalhou. Foi o último.”

Carnaval não é o mesmo para todos. Carnaval é de cada um, diz Janio. ‘O Estado fez no Rio um Maracanã do samba para o Carnaval que os contraventores organizavam e pagavam. Em São Paulo foi igual’, diz ele.

‘O feito dos contraventores projetou o Carnaval pelo mundo. Com incentivo e proveito das economias urbanas, com formidável promoção da TV, dos jornais, das revistas e rádios, e lucros altos para todo lado. E, por todo o ano, ataque e polícia para cima dos contraventores, acusados sempre, presos e soltos, considerados a laia da sociedade e do crime —até chegar o Carnaval’.

Esta é a grande festa da hipocrisia nacional. ‘Agora estendida ao país pelos carnavalescos Bolsonaros, Damares, Ricardo Vélez, Ernesto, Queiroz, e tantos outros fantasiados’, conclui.

Redação

1 Comentário

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  1. Morei por quase quarenta anos no Rio, bem no miolo da Zona Sul dos ricos, em ser rica. Cheguei lá quando a ditadura estava chegando, em 8 de março de 64, e quando a gente sentia medo demais de violência, sem que a pior de todas fosse apenas o batedor de carteira, que estava em todos os cantos, até dentro de um ônibus. Mas era só isso o que tínhamos para comentar sobre violência. O fato é que bicheiros já tomavam conta das ruas dos bairros e do Centro da Cidade. Ver batidas contra os donos das bancas era corriqueiro, nunca uma ação forte contra os donos da bufunfa.
    Foi pelos idos de 70, quando o governo militar saboreava a violência contra os ditos subversivos, que vi nascer o CV. E nasceu com veneno nas tripas. Diante dos olhos de todos a organização crescia, e causava terror por onde andava. Até entrar num edifício, tomando o lugar do porteiro e assaltando cada unidade de apartamento do prédio, eles fizeram muito. Crimes hediondos, mas os milicos tinham tanto ódio dos ditos subversivos, que, parece, preferia gastar munição apenas com os homens de bem – comunistas.
    Mas, de tudo que vi, e sei que ainda existe, é o seguinte: os bandidos que fomentam essa beleza de Carnaval, acordaram sempre num ponto, o de que nesse período eles ficam de férias. E ai de quem inventar de agir normalmente como bandido contra quem brinca carnaval. A festa é regada por eles, e por isso mesmo tem que rolar legal, sem treta, como dizem os mais jovens. Pelo menos isso, né?

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