Economia Brasileira em Sete Pecados Capitais: soberba, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Weber tinha razão. Meritocracia tem suas raízes no calvinismo, que defende que a graça se consegue com grande esforço, aqui na terra mesmo. Daí correlacionar-se graça e sucesso financeiro, como apregoam algumas igrejas evangélicas.

Economia Brasileira em Sete Pecados Capitais: soberba.

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Quando o sociólogo alemão Max Weber (1864 – 1921) escreveu “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (1905), a Europa já vivia a decadência das monarquias, justamente porque o capitalismo dependia de o povo ser apto a consumir dignamente. A dignidade no consumo não pode ficar longe da dignidade humana. Não se tolerava mais que nobres tivessem o privilégio medieval de organizar caçadas em que batedores tocavam os animais para um príncipe atirar. Francisco Fernando, penúltimo herdeiro do Império Austríaco, matou mais de duzentos e sessenta mil bichos em seus cinquenta anos de vida. Foram privilégios assim que motivaram a revolução que levou os franceses a  tratarem-se uns aos outros  por “cidadão” somente.

Weber tinha razão. Meritocracia tem suas raízes no calvinismo, que defende que a graça se consegue com grande esforço, aqui na terra mesmo. Daí correlacionar-se graça e sucesso financeiro, como apregoam algumas igrejas evangélicas. Se esse pensamento está correto ou não é outra discussão. É preciso ter em mente que o calvinismo precedeu os movimentos pela democracia europeia, além de ter construído o espírito dos americanos. Problema maior há de ser aliança entre uma pretensa meritocracia com a soberba entranhada numa sociedade de tradição escravocrata como a nossa.

A soberba reside em alguém se achar “diferenciado”. Não passarem ônibus na Park Avenue para não incomodar os ricos de New York confirma isso. A soberba é um pecado mundial mas, no Brasil, ela é institucionalizada.

Na campanha Serra x Haddad rumo à prefeitura em 2012, num debate, discutiu-se para quem era o Metrô. Para Serra, era para pobre; para Haddad, era para o povo. A ministra Teresa Cristina sacramentou esse modo de pensar ao sugerir a venda de produtos vencidos à população carente. Ela divide a população brasileira entre os que merecem produtos a vencer e os que merecem somente produtos vencidos. Qualquer argumento que tente justificar a ideia tem duas vertentes de interpretação, que a miséria será permanente e que o miserável é culpado pela sua situação.

Na sua soberba, a ministra crê sinceramente ser caridosa, como eram as princesas que iam uma vez por semana distribuir donativos aos carentes. A soberba impede que a pessoa veja o semelhante como alguém com exatamente os mesmos direitos e que a tal meritocracia não pode vilipendia-los, somente exaltar suas conquistas. É justamente o capitalismo que perde com isso, pois a economia vai se tornar forçosamente exportadora, posto que a nobreza precisa de renda para permanecer diferenciada e a população local não merece consumir além do necessário para manter-se trabalhando. Isso se reflete até em automóveis, entre outros bens, perderem acessórios ao serem exportados para o Brasil.

 Mesmo Milton Friedman, com a ideia de imposto de renda negativo, amplamente empregado na Austrália, via com bons olhos o programa de renda mínima. Tacitamente, ele concordava com a ideia do multiplicador keynesiano. Isso implica na aceitação de que o Estado deve intervir para que a meritocracia não se possa contrapor à manutenção da condição humana e que o capitalismo só funciona a partir do consumo excedente. Por esse programa, os australianos, cuja renda não chega aos Au$100 mil, têm sua renda complementada até esse limite, garantindo o excedente de consumo que faz o capitalismo girar. Enquanto isso, na contramão, nosso presidente diz que Jesus Cristo era seguido a custas de pães e peixes.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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