Economia ou o samba de duas notas só, por Luiz Alberto Melchert

A venda da Kopenhagen para a Nestlé, incluindo fábricas e lojas, franqueadas ou não, fez-me voltar a um tema que me debruço há trinta anos

Economia ou o samba de duas notas só

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Joan Robinson, economista britânica, disse: “Sou economista há mais de quarenta anos e não sei se ganhei meu dinheiro honestamente”. Sou economista há mais de quarenta anos, estou certo de que ganhei meu dinheiro honestamente, só não sei se fui ouvido atentamente. A recente venda da Kopenhagen para a Nestlé, incluindo fábricas e rede de lojas, franqueadas ou não, fez-me voltar a um tema que me debruço há quase trinta anos, o fato de os economistas simplesmente ignorarem tudo o que não seja taxa de câmbio e taxa de juros. Desde os anos 1980 que venho apregoando que a lei 6404/1976 seria a ruína da indústria nacional.

Eram tempos sombrios. A crise do petróleo tinha começado recentemente. Os enormes superávits que os produtores obtiveram nas suas balanças comerciais dirigiu o excedente de capital para aplicações seguras em países tidos como desenvolvidos. Os investimentos diretos para países em desenvolvimento, especialmente não produtores de petróleo, minguaram. Na ânsia de se manter o país atrativo, Mário Henrique Simonsen, contando com a maioria que o governo militar mantinha a duras penas no Congresso, conseguiu a aprovação de uma nova lei das S. A., que, entre outras coisas, apresentava um enfoque mais moderno a elas. Entre outras coisas, desobrigou empresas com mais de sete sócios de se tornarem S. A., ao mesmo tempo em que tornou as demonstrações contábeis mais próximas  do necessário à análise pelos investidores fundamentalistas. Trouxe também a obrigação de se contratarem empresas de auditoria externa para as empresas de capital aberto, tornando o mercado de capitais menos suscetível a bolhas. O problema é que desobrigou as empresas estrangeiras de contar com sócios nacionais, além de facilitar a transformação para sociedades limitadas. Os sócios nacionais foram expurgados, ao mesmo tempo em que todas – absolutamente todas – as indústrias estrangeiras tornaram-se limitadas.

Tudo isso já foi amplamente explorado na matéria sobre desindustrialização no Brasil, publicada neste e em outros espaços. O que se pretende reforçar aqui é que, quando um grupo se torna seguro e rentável aos olhos da rapinagem, é assediado e inexoravelmente comprado. A própria Nestlé fez isso com a Garoto, com forte oposição no CADE, e, agora, com a Kopenhagen, com a quase imediata anuência do mesmo órgão.

A GE foi fundada por Tomas Edison há mais de cento e cinquenta anos e continua solvente e próspera até hoje por conta de ser empresa de capital aberto desde antes mesmo da invenção da lâmpada elétrica. Da mesma forma, a Apple, a Meta, a Tesla e tantas outras, apesar de ostentarem falsos selfmade men como bandeira de sucesso, têm seu capital aberto. Em resumo, são empresas que foram moldadas para ultrapassar gerações.

No Brasil, posto que não há limite para o tamanho das empresas limitadas, as fundadas nacionalmente  raramente ultrapassam uma geração e, inexoravelmente, são vendidas antes da terceira. Isso se deve a que os herdeiros não necessariamente têm pendor para o negócio e o valor obtido precisa ser dividido pelo menor número possível de herdeiros, tal que eles possam viver no ócio, sustentados pelo mercado financeiro. Aí, eles mudam de lado e passam a almejas juros cada vez mais altos em aplicações cada vez mais seguras, de preferência, papéis do governo, cujo risco é tido como zero.

A lei 11.638 pretendeu pôr um freio nisso e, curiosamente, saiu da caneta de um advogado de extrema direita, Modesto Carvalhosa. O texto tornou-se inócuo pela gaiata mudança de termo “publicado” pelo “divulgado”, referindo-se à transparência dos balanços das empresas de maior porte. Caso essa lei tivesse vingado, as empresas teriam um valor cotado a mercado, mesmo não tendo capital aberto. É que, aplicando-se o teorema de Modigliani, seria possível estimar o ponto de dívida ótima e daí inferir quanto ela valeria se tivesse o seu capital negociado em bolsa. No mínimo, as empresas seriam vendidas por um preço mais justo, ou o valor induziria à abertura do capital com uma expectativa racional do valor a ser amealhado. Nossa legislação, ao contrário, empurra nossas empresas para braços estrangeiros.

No papel, a negociação da Kopenhagen prevê a manutenção da qualidade dos produtos e das condições de franquia. Certamente, a validade vai até a próxima reestruturação, tão comum entre as multinacionais. Não será esse somente mais um passo na direção da monopolização de nossa economia? Serão os franqueados traídos em seus investimentos, geralmente fruto de uma vida de trabalho? Só o tempo dirá, mas uma coisa é certa, nem só de taxa de juros e taxa de câmbio vive a economia. Existem muitas outras variáveis legais e sociais que dizem como será o futuro da nação. Esta coluna continua a defender que jamais teremos a mais mínima soberania econômica enquanto não se obrigar a todas as empresas que tenham capital aberto em qualquer praça do mundo a abrir seu capital no Brasil, dando prioridade às franquias, pois seu fracasso há de ser um crime contra a economia popular, devendo o franqueador fazer face aos prejuízos. Acresça-se a isso que é imprescindível que, a partir de dado valor do patrimônio líquido, todas as empresas sejam obrigadas a abrir seu capital e, consequentemente, publicar balanços.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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