Uma questão de dimensão, ou será de proporção?, por Luiz Alberto Melchert

A vida de um palestino vale tanto quanto a de qualquer judeu, ou não judeu, morto naquela festa rave.

Arte na Rua – Muro de Gaza

Ecosofia

Uma questão de dimensão, ou será de proporção?

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

As falas de nosso presidente levam esta coluna a interromper uma série sobre depreciação acelerada como indutor do investimento para falar de outro tipo de depreciação, a da vida humana. Essa mudança de rumo fere outra premissa desta coluna, a de não ser jornalística, mas opinativa sobre assuntos que transcendem o tempo presente. Essas transgressões têm a indignação como justificativa e, se nos é dado espaço, que não o desperdicemos com base em princípios que, perante a hecatombe que se abateu contra os palestinos, tornam-se insignificantes.

A indignação começa pelo ato terrorista de 7 de outubro de 2023. Ela se vem multiplicando a cada corpo abatido por uma implacável vingança travestida de defesa. Todos sabem que a História, por ver os fatos de longe, dá-lhes a devida importância, ao mesmo tempo em que, por contar com eventos findos, adquire a imparcialidade necessária a que a justiça seja feita.

Ocorre que os fatos estão em curso e, se os quisermos apreciar, teremos de nos fiar em eventos congêneres num passado cuja distância não tenha apagado seus detalhes. Foi isso que Lula fez em seu discurso, ao dizer que o que está acontecendo em Gaza só encontra paralelo nas maldades que Hitler e seus asseclas impuseram aos judeus, aos ciganos, os homossexuais e opositores mortos nos campos de extermínio, enquanto  as pessoas com deficiência eram eliminadas nos centros de eutanásia. Aí, na ânsia de manter apoios históricos, quando não meramente comerciais, parte significativa da mídia trata de defender o indefensável. Usa-se a forma mais vil: aplica-se a mais primárias das aritméticas, contam-se corpos.

O holocausto, que matou principalmente judeus, mas não só, deu cabo de seis milhões de almas, quem sabe, simplesmente as separou violentamente de seus corpos. Isso aconteceu num crescendo, dia a dia, mês a mês, ano a ano por quase seis anos.

No holocausto, somando-se os colaboracionistas, os indiferentes e os ingênuos de todos os países envolvidos, chega-se facilmente a oitenta milhões de habitantes. O caso do Velódromo de Paris é um excelente exemplo. Mas há outros como descreve Simone de Beauvoir em “O Sangue dos Outros”.

Somente na Faixa de Gaza, em quatro meses, já morreram quase vinte e nove mil pessoas, noventa e cinco por cento civis, entre mulheres, crianças e outros que, por qualquer sorte — ou falta dela – não conseguiram escapar do mais sofisticado armamento. Na Cisjordânia, já tombaram quase quatrocentas pessoas. Pelo mapa sem Palestina apresentado por Netanyahu na seção de abertura dos trabalhos da ONU, quantos mais irão perecer daquele lado? A sete mil pessoas ao mês, se as operações durarem seis anos, serão 868 mil. Se levarmos em consideração que Israel tem perto de dez milhões de habitantes, transpondo para o número de envolvidos por ocasião do holocausto, chega-se a 6,944 milhões, ultrapassando em número os horrores da II Guerra.

A conta acima sai do simplismo para a imbecilidade, não resta dúvida; mas dizer que não se pode comparar por conta da diferença em números não é menos estúpido. Não se trata de quantidade como método de medida, mas de desproporção. A morte de inocentes não se pode considerar como dano colateral. A vida de um palestino vale tanto quanto a de qualquer judeu, ou não judeu, morto naquela festa rave. Quanto à diplomacia, vale a máxima de Vinicius de Moraes, “Há que ser doce e conciliador, sem covardia”. Podemos estar certos de que Lula sabe disso.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador