Globeleza vestida em 2017 pode ser um Cavalo de Tróia, por Dalmoro

por Dalmoro

No meu Fakebook pulula a notícia de que em 2017 a Globeleza aparece vestida – e não em um sumário tapa-sexo. Quem compartilha a notícia a apresenta em tom positivo, como vitória feminista pela igualdade de gênero. Olhando o fato em si, descontextualizado, realmente, vitória. Entretanto, ao tentar entender o que poderia ter levado a essa mudança em 2017, há muito mais motivos para se preocupar que para comemorar.

Fosse 2010 e, definitivamente, poderíamos ver as vestes da Globeleza como avanço na desconstrução do estereótipo feminino de corpo-objeto para satisfação sexual alheia, em nome de um protagonismo político da mulher. Convém lembrar: na Alemanha, Merkel seguia firme e intocável; na Argentina e no Chile, Kirchner e Bachelet ocupavam o executivo federal e enfrentavam, dentro da moldura liberal-burguesa, os setores mais conservadores de seus países; no Brasil, elegia-se a primeira mulher para a presidência desta república bananeira (que então achava que podia ser minimamente independente), e na metrópole, o segundo cargo mais importante era ocupado por uma mulher (muitos atribuem a Clinton, por sinal, o caos no mundo árabe e os retrocessos na América Latina). Então a Globeleza seguia sem roupa, anunciando o que a imprensa diz ser a festa mais popular do Brasil (diz ela mais que as festas juninas), e oferecendo seu corpo para desfrute alheio, chamariz para as belezas naturais desta terra que os civilizados europeus tanto gostam de desfrutar e gozar, desde 1500.

Mas estamos em 2017. Na Europa até cresce o protagonismo político das mulheres na França, Inglaterra e mesmo na Alemanha, em que a extrema-direita é encampada por delicadas figuras maternais a proferir discurso de ódio contra o imigrante, o estrangeiro e o muçulmano. Na Argentina, Kirchner é perseguida por ter sido eleita presidenta (uma versão mirim do que fazem com Lula aqui); enquanto no Brasil e nos EUA são eleitos para a presidência dois homens misóginos – nos Estados Unidos eleito democraticamente, no Brasil, eleito por um conchavo entre donos do poder, da bufunfa e da mídia, já que o povo votara “errado” em 2014, na candidata que cidadãos e cidadãs de bem classificavam como “vaca”, “vadia”, e outros termos lisonjeiros. Não só isso: não temos em Pindorama apenas um governo de homens, trata-se declaradamente de um governo machista, em que o papel da mulher é o de bibêlo mudo para enfeite do ambiente. Marcela Temer, anuncia a Veja, é a nova tentativa de marketing do governo golpista, não por qualquer traço marcante de personalidade ou aguda inteligência, mas por ser “bela, recatada e do lar” (e eu acrescentaria: uma oportunista do machismo) – e impedida de falar. Ao mesmo tempo, cresce o número de evangélicos ocupando cargos eletivos com a bandeira do proselitismo religioso, generalizado na pauta dos bons costumes e da moral (claro, para esse grupo pastor estuprar não é algo que atente a moral). É neste contexto, em que a mulher perde espaço na política para pautas conservadoras e de submissão da mulher a papéis “tradicionais”, que a Globeleza aparece vestida.

Ainda que se tenha vestido a Globeleza para atender aos segmentos religiosos, majoritariamente aos evangélicos, não se poderia considerar isso positivo? Até poderia – eu mesmo achei simpática a idéia de mostrar o carnaval em suas diversas manifestações, as quais incluem, muitas vezes, pesadas indumentárias (e essa abertura da Globo à diversidade regional pode ser sintoma de crise de seu poder de afirmação de uma pretensa unidade nacional). A questão é tudo o que isso implica de negativo em 2017, que não pode ser ignorado por quem ainda preza pelo razoável e pela sensatez. Faço uma analogia: diante do catastrófico governo Dilma, sua saída poderia ser considerada positiva – desde que abstraiamos que tal saída se deu via golpe de Estado e levou ao Planalto uma corja de corsários sabujos do Tio Sam, que conseguem fazer com que sintamos saudades de Dilma, Mercadante, Levy e cia. Daí que há pouco a comemorar entre aqueles que defendem os direitos da mulheres o que se passa em nossos televisores.

A Globeleza de roupa não merece comemoração e deve fazer com que aumentemos os questionamentos. A que mais cabe neste 2017: que papel queremos às mulheres em nossa sociedade? Escolher entre as opções “corpo para consumo” e “submissa para a obediência” me parece uma falsa escolha – na verdade, não há exatamente escolha, mas construções coletivas, que devem ser protagonizada pelas próprias mulheres, que podem, sim, querer para si uma dessas opções. E outra questão, que eu faria em 2010, e ainda vale este ano: não é hora de retomarmos a antropofagia modernista e, ao invés de tentarmos vestir o índio, despirmos o europeu? Antes de cobrirmos a Globeleza, não seria mais interessante tirar a roupa de todo mundo – homens, mulheres, trans, velhas, adultos, crianças, brancas, negros, índios, asiáticas, gordas, magros – , como se fosse natural que por baixo da roupa houvesse um corpo (e não um pecado), e que num calor de 35, 40 graus fosse natural haver quem se sentisse mais confortável em trajes sumários, sem que isso implicasse em qualquer atento à moral?

Espero estar errado, mas a Globeleza vestida em 2017 me soa a chegada no Brasil do século XXI daquela civilidade que fez a Alemanha grande na década de 1930.

 

10 de janeiro de 2017

Redação

9 Comentários

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  1. Reflexões à parte (e

    Reflexões à parte (e válidas), a Globo vestiu a globeleza para destacá-la.

    Hoje veste, amanhã despe, depois põe barba e bigode, sei lá.

    A intenção é chamar a atenção do público para A GLOBO (o meio é a globeleza, pelada, vestida, fantasiada, etc.). E parece que acertaram na mosca.

    Em resumo, busca-se atenção, audiência, poder, money. 

    Sei que é uma análise simplista, mas prefiro seguir o dinheiro. Na boca dos que sabem o que é isso: follow de money.

     

     

  2. Vestida?

    Vestida?

    Qual é a grande diferença daquele shortinho ali para um biquini ou para a pintura? Pra homem não faz diferença nenhuma: tá visto. E, talvez, esteja representando um pouco mais o carnaval de rua, e não somente a passista da sapucaí.

    Vestida está a porta bandeira.

    E aquele de turbante ali na direita representa o Kamel, rsrsrs.

  3. Velhacarias e nacionalismos

    Será que o velhaco vai deixar a mudinha (‘submissa para a obediência”) sambar… De vestido?!

    Globo apela ao nacionalismo rítmico para tentar retomar sua “popularidade”, avacalhada pelos que ainda têm credibilidade, apesar das suas majoritárias e inerciais estratégias de auto-promoção e defenestração. Jornalismo-ó(d)io e ilusão de banguela, de ondas, de manipulações, agora em outras levadas.

    Num Carnaval sem o Festival de Marchinhas da Fundição Progresso, ainda que tão restrito, a ironia das ruas, ladeiras e avenidas contra os “políticos-ladrões”, as perdas de dinheiro e de direitos e ainda contra a intolerância e os golpistas, pode representar uma efêmera esperança de picardia, convivência e um incerto espírito crítico, no país da hipocrisia.

  4. Isso é vitória do
    Isso é vitória do moralismo.
    A bandeira feminista seria cobrar que nas vinhetas globais do Carnaval também brilhasse um homem nu dançando.
    Da forma como está estao comemorando um retrocesso. O próximo passo será desfiles de escolas de samba com todos perfeitamente vestidos como no Carnaval de Veneza. E os tolos vão bater palmas.

  5. A globo está apenas atendendo

    A globo está apenas atendendo à mentalidade moralista das seitas evangélicas e da própria onda conservadora/ignorante que a ela própria  insuflou durante a campanha pelo golpe de estado. Não foi em atendimento a demandas de setores mais esclarecidos da sociedade que a emissora mudou o padrão da vinheta.

  6.   Seja qual for a motivação,

      Seja qual for a motivação, o resultado a meu ver é positivo. Algumas vezes damos tantas voltas nos raciocínios que nos perdemos – lembrando que celebrar esse ponto não equivale a celebrar a Globo. A meu ver, o autor foi longe demais.

       

  7. Recato e pudor

    Uma das maiores críticas ao Brasil no exterior, e com isto me refiro a quase todos os países de primeiro mundo e muitos de terceiro, é a nudez extrema praticada nas terras tupininquins.

    Os americanos dizem ficarem horrorizados com os trajes de banho que os brasileiros e brasileiras usam, homens de sunga e mulheres com fio dental. Muitos americanos ao visitarem o Brasil se recusaram a vestir estes trajes em nossas praias por questão de pudor.

    Nos países árabes ( onde faz muito mais calor do que aqui, acreditem ) segundo conhecidos  que viveram lá, quando eles vêem um brasileiro na rua, cochicham  aos seus filhos para não se aproximarem muito pois para eles  somos um povo de “depravados e libertinos”.

    Outra brasileira, morando em países árabes relatou que perguntaram para ela certa vez se a maioria  das mulheres brasileiras são “garotas de programa “. Este tipo de pergunta me parece ofensivo, mas perguntaram na maior inocência. Aliás por mais irritante que seja, este é um esterótipo comum para o Brasil no exterior.

    Quase todas as novelas, filmes, miniséries e telejornais da nossa mídia contribuem com esta imagem. Para um estrangeiro que não conheça nosso país e assista a nossa mídia, terá a impressão que aqui todo mundo anda semi nu. Filmes brasileiros que mostram aos montes, nudez, violências, e palavrões horríveis. Apesar de muita gente aqui no Brasil se vestir recatadamente, viver uma vida pacífica e sem violência e não falar palavrões, a mídia adora mostrar este lado.

    Sei que tudo o que a mídia faz costuma ter segundas intenções, mas vejo com bons olhos esta iniciativa de carnaval recatado.

     

     

     

     

     

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