Impeachment: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, por Sr. Semana

Trata-se de um dilema que revela bem a dimensão do abismo em que fomos jogados. Como escolher entre duas alternativas tão assombrosas?

Impeachment: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

por Sr. Semana

“— Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga. … – E por que Pandora? – Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior deles, a esperança” (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, cap. VII/ O Delírio).

Na semana que antecedeu o carnaval a grande mídia deu a largada da campanha do impeachment do presidente da república, sinalizando apoio às até então isoladas vozes do “fora Bolsonaro”. Na semana seguinte o presidente reagiu, convocando seus seguidores às manifestações pelo “fora Maia e Alcolumbre” (presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado) e pelo “fora STF”. Seus apoiadores deverão optar entre aderir ou não à campanha do poder executivo contra os dois outros poderes da república. Os opositores do presidente terão, por sua vez, de escolher entre aderir ou não ao “fora Bolsonaro” lançado pelo chamado “quarto poder”. Este cronista, achando-se no campo dos opositores, abordará somente as opções colocadas para esses. 

Trata-se de um dilema que revela bem a dimensão do abismo em que fomos jogados. Como escolher entre duas alternativas tão assombrosas? E não há, leitor, a alternativa de não apostar. Como diria Pascal, vous êtes embarqués. O assombro do cumprimento do mandato presidencial é tão óbvio e medonho—mais três anos de sofrimento igual ou maior ao de 2019—que o cronista passa logo ao exame da alternativa. A suspeita sobre as vantagens do impeachment começa com os iniciadores da campanha: Isto É, Veja, jornalões e Globo. Brizola dizia que em situações de incerteza, quando não temos clareza do melhor a fazer, uma saída é olhar para o posicionamento da Globo e adotar o contrário. Impeachment de presidente da república eleito pelo povo já é em si danoso à democracia. Quanto mais na sequência de um outro impeachment, justamente o que nos jogou no abismo que a escolha em pauta evidencia. Sim, pensarão leitores de esquerda, mas uma coisa é tirar Dilma, outra Bolsonaro… 

A reticência que Lula tem demonstrado em encampar tal campanha lembra a de Brizola no início da campanha pelo impeachment de Collor. Itamar foi um alívio após Collor, mas pergunto a nós que gritamos “fora Collor”: sua renúncia forçada foi boa no longo prazo para a democracia brasileira? Pergunto aos que gritaram “fora Dilma”: seu impeachment foi bom para o país? É bom lembrar que caso o presidente da república sofra impeachment quem assume é o vice-presidente. Assim teremos na presidência um general que durante o governo Dilma defendeu a eventualidade de intervenção militar. Muitos dos que pregavam o “fora Dilma” reconheciam que o vice que assumiria era muito ruim, mas diziam: “é provisório, depois elegeremos um melhor”. Elegeram Bolsonaro. Sim, será um alívio ficarmos livres dos Bolsonaros pai e filhos, dos Araújos, das Damares, dos Salles, dos Weintraubs e dos Wajngartens, mas quem teremos no lugar? Mais militares? Os Guedes continuarão. Sem falar que o presidente já deu mostras que não aceitará republicanamente sua destituição pelo Congresso. Fará resistência fora da legalidade respeitada pelo Collor e pela Dilma. Acionará as milícias, e provavelmente não somente as digitais.

“Escolhas” como esta serão de fato escolhas deliberadas pelo livre arbítrio? Curioso o ditado popular citado no título desta crônica. Parece querer expressar um dilema cujas alternativas são igualmente ruins. Mas uma alternativa coloca um mal iminente e a outra um mal futuro. Futuros podem ser contingentes, portanto, pensará o otimista, expectativas pessimistas podem não ocorrer. Vai que o bicho leva mais tempo para pegar e perde a fome neste ínterim? Mas o principal problema do ditado é que não são subjetivamente comparáveis uma situação presente (ou iminente) de terror com um terror futuro cogitado. Não somos movidos só pela razão. O sentimento é quem manda em situações de sofrimento atual. Não há escolha. Iremos instintivamente, para o bem ou para o mal, aderir à campanha que os poderosos nos oferecem. Como disse o presidente, o próprio, ao enviar tropas militares para o Ceará nesta mesma semana que antecedeu o carnaval: “o bicho vai pegar”. E não será o hipopótamo do delírio do Brás Cubas, embora nada expresse melhor o que o país está vivendo.

 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Optar entre uma besta e outra besta é f…mesmo……principalmente porque a segunda besta já demonstrou idolatria por um criminoso talvez assassino paranaense e acabará por guindá-lo ao STF ou ao cargo ocupado por bestas daqui 3 anos. Mas tudo isso decorre da covardia de um tal tribunal que sabe de cor e salteado que empresários financiaram disparos de fake news contra Haddad, num claro crime eleitoral…e essa covardia não os deixa cassarem a chapa com duas bestas de uma vez só. Dá vergonha ser brasileiro quando se tem que optar entre bestas e não contar com providências de quem tem o poder para despachar bestas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador