Não é greve, é rebelião, por Samuel Lourenço

Foto Ponte Jornalismo

Não é greve, é rebelião

por Samuel Lourenço

Passamos uma semana caótica por conta da greve dos caminhoneiros. Além dos impactos da paralisação, fomos obrigados a tentar discernir sobre o movimento: a paralisação era greve ou locaute?

Disseram que era greve, depois virou locaute, parece que virou greve mais uma vez. A Justiça garantiu haver a participação de empresário na paralisação, logo, criminalizada está a paralisação por ter se configurado como locaute. Essa foi a segunda vez que vejo um movimento de paralisação  ser criminalizado. A outra vez, foi na cadeia. Lá não existe greve, é rebelião!

Qualquer tentativa de reinvindicação coletiva por parte dos presos, é transformada em rebelião por parte de agentes, alguns meios de comunicação e boa parte da sociedade: “Um bando de vagabundo querendo reivindicar direito, tem que entrar na bala!”.

Usuários do serviço público, tutelados coletivamente pelo Estado, mantidos sob custódia por interesse da Justiça e da Administração Pública, os milhares de presos ou algumas centenas, de acordo com a unidade prisional, são obrigados a comer o pão que o diabo amassou pelo simples fato de seres presos. A estigmatização sobre o público desprovido de afeto, tenta constranger qualquer possibilidade de reivindicação. E ai daqueles que ousam reivindicar, não existe greve ou locaute: é rebelião.

A rebelião, o motim e a algazarra promovida pelos presos é forma nua e crua como esses movimentos são tratados na prisão. É na mira do fuzil e no som da bomba de efeito moral. Greve na cadeia, é precedente , pra chacina, pra barbárie e toda sorte de violação.

Numa conversa com um Defensor Público, o meu amigo e irmão Eduardo Newton, lembramos de um trágico acontecimento aqui na cadeia do Rio de Janeiro. Em algum momento reivindicatório, foi lançada na cela uma bomba que incinerou os presos, tal acontecimento está na parede da memória, e não se apaga, apesar do calor que derreteu a grade. Isso já faz muito tempo, foi antes do Carandiru, e torna-se uma clara mensagem, desde muito tempo, sobre a forma como grevista na cadeia merece ser tratado.

Fiquei preso com um cara incrível, o Arruda. Ele e outros mais falavam das rebeliões no Complexo Penitenciário da Frei Caneca. “Samuca, os caras não deixavam a gente falar. Logo esculachavam, puxavam armas, davam tiros e aí a cadeia virava”. Em um dos casos em que a greve virou rebelião, um helicóptero foi utilizado pela PM, e um confronto aconteceu. Tudo culpa dos presos que vieram com papinho de greve.

É difícil conciliar a reivindicação dos presos com o termo greve. Preso não tem direito a nada, nem mesmo de se manifestar. Como a pretensão é de docilizar o corpo e a mente, soa como insurgente e rebelador o fato de reivindicar algo. Já são criminalizado por serem presos, muito mais se tentarem se tornar grevistas.

Não existe diálogo com vagabundo, privado de liberdade, o cidadão perde a cidadania e fica privado de direitos e de reivindicar por eles. Qualquer movimentação na cadeia é vista de forma ameaçadora e na bala precisa ser coibida.

Trabalhadores fazem greve, empresários fazem locaute. Os presos não podem fazer nada, precisam de resiliência e entender quem são na estratificação social. Não é povo, nem Zé Ninguém, como cantam por aí, são indigentes, indignos, não pessoas… São presos, presos apenas.

Com o advento das privatizações dos presídios, possa ser que os grandes empresários do ramo penitenciário organizem uma greve e os presos façam um locaute. Ainda estará criminalizado, mas é bem melhor que rebelião, até que um dia os presos sejam vistos como pessoas sujeitas de direito, e que por eles possam reivindicar e fazer greves. Pois, por enquanto, ainda é rebelião.

Samuel Lourenço – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ
Samuel Lourenço Filho

2 Comentários

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  1. Mais de semana de

    Mais de semana de paralisações e as ditas “otoridades” ainda – e sempre – não conseguiram entender o que está acontecendo nas estradas e nos acostamentos. Nem as tais abins da vida, muito menos os pêsdois compreendem o significado do fim do pacto social que, esgarçado, mostra as entranhas criminosas a perverterem o sentido da “res publica”. Não a toa, surgem sub-movimentos da exigir um “pai-de-todos-verde-agrião”, um “fora temer-golpista-ladrão” e um “Lula livre”. Pela tríade recomposta pelo movimento-caminhoneiro-parado, vê-se o nível de desespero a permear o público em geral. A imprensa, ora, a imprensa: nem ao menos se pergunta com que (des)razão e ou (des)autoridade um moraes da vida se mete de pato a ganso para “representar” a ladroeira-temerista na imposição de ordens contra os “infiltrados”. Merda é muito pouco, que o atual congresso-de-entreveros-negocistas-quadrilheiros não consegue impor aos iguais-temeristas o fim deste desgoverno e a chamada – imediata, para ontem – de eleições gerais em 90 dias (no máximo). Pobre país que, de quase Nação, acabou lixo-roubado-pelos carniceiros de sempre, com o apoio-negocial-ladroeiro-das-verbas-publicistárias.

  2. Locaute que pode nocautear os Fasci-Golpistas

    Mas para isso, a população que produz a riqueza tem que ocupar as ruas, instituir um Tribunal Popular, julgar os acusados de traíragem e, se condenados, executá-los.

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