Negro, sim, em campo, ou nigerianos nas arquibancadas

A COPA é uma festa nacional e arrasa com toda a torcida e ações  contrárias a seu sucesso, pelo menos até quando escrevíamos estes texto.

No entanto, nada mais estranho que ver na TV as imagens  das arquibancas, um público totalmente branquelo, europeizado, muito diferente do que frequenta os jogos comuns entre times brasileiros. Grupos de negros mesmo, só quando jogam as seleções africanas.

Nada pode ser mais representativo da história do país, onde a escravidão foi extinta tardiamente e sem qualquer compensação aos negros, condenando-os a ficar entre a população de menor renda. Nem mesmo algumas escolas específicas, para que recuperassem a dignidade, tivessem acesso ao conhecimento, compensassem o atraso resultante das condições de vida e marginalização. Só em 2014 é que a nação lhes cedeu algumas vagas na universidade e na administração pública.

Sobraram então, para se destacarem, os caminhos da arte (música fundamentalmente) e dos esportes (futebol, principalmente). Por este motivo e somado ao talento inato,  o time de futebol do Brasil, tem mais da metade de negros ou mulatos, algo um tanto semelhante a composição da população do país e nada a ver com o público da arquibancada.

Se alguém duvida, ainda temos um ou mais jogos da seleção para ver. Os estádios estão tomados pelos brancos, por quem pode comprar ingressos a no mínimo R$ 500 ou tem contatos entre os poderosos da máfia futebolística.

Dessa constatação podemos tirar duas conclusões. A primeira é que as preferências políticas desse público, descontado que em jogos de futebol se vai até minuto de silencio, também não representam as da população em geral, como gostam de afirmar (e se enganar) alguns cronistas da mídia tradicional. A segunda é que se fizermos novos eventos do tipo Copa, é justo que se tenha uma cota para a população de baixa renda, especialmente pelo uso que se fez do BNDES e outros recursos públicos.

Percival Maricato

Redação

21 Comentários

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  1. “No entanto, nada mais

    “No entanto, nada mais estranho que ver na TV as imagens  das arquibancas, um público totalmente branquelo, europeizado…”

    “um público totalmente branquelo, europeizado…”

    Se alguém escrevesse que uma platéia de futebol era MUITO “negrada”, “africanada”, o que aconteceria?

    Quanta hipocrisia, ressentimento e raiva…

     

  2. Nessa Copa teve cota para

    Nessa Copa teve cota para pessoas mais pobres. Os operários do Maracanã, por exemplo, receberam ingressos.

    O problema é que eles venderam tudo depois. 

    E agora, como fica? os pobres agiram como genuínos capitalistas e preferiram ganhar R$ 500, R$ 1000 a assistir um jogo da Copa.

    Em suma, preferiram fazer churrasco durante toda a Copa a assistir um jogo só.

    Com a palavra, os esquerdistas que acham que os pobres são comunas.

    Aprendam: somos capitalistas. Gostamos de dinheiro.

    E não há nada de errado nisso.

    1. Eu faria exatamente a mesma

      Eu faria exatamente a mesma coisa.  Nao sou SOMENTE esquerdista.  Sou inteligente.

      Eh so questao de ver o que me eh importante imediatamente e o que nao eh.

      A “quantidade” de dinheiro eh irrelevante pra quem tem prioridades.

    1. McDonald’s!

      Prezado,  uma aluna minha é voluntária lá no Maracanã e me disse que a garotada foi escolhida pelo McDonald’s, que  duvido que tivesse condição de fazer essa palhaçada nos EUA ou qualquer outro país. 

    2. Essa realmente chocou e é

      Essa realmente chocou e é muito evidente… Mas ouvi duas versões:

      1) Que as crianças eram filhas e filhos dos patrocinadores da copa.

      2) Que foram selecionadas em todo o Brasil

      A mídia criticou a primeira versão e eu, após o que vi, vejo e provavelmente verei em todos os jogos… Gostaria muito que a primeira versão fosse verdadeira.

      “Pelo menos seus lugares foram comprados e pagos”e “Não selecionados por cor”

  3. Esta torcida branquela não tem a cara do Brasil…

    … e tampouco a alegria e o balanço. 

    Parecem turistas. Vão aos jogos como se fossem passear em miami… ou na Disney. 

    Isto sem contar a péssima educação.  A baixaria dos xingamentos contra Dilma e as vaias ao Hino do Chile.

     

    Quem deveria estar nos estádios é o povo pobre e trabalhador… não estes ricos frívolos e ridículos. 

     

     

  4. E tem gente, principalmente

    E tem gente, principalmente aqui no blog, que são contra as ações afirmativas.

    Dizem que são esmolas dadas aos negros.

    Putz !

    A nossa diferença social é abissal.

     

    1. Cotas raciais não equivale a Ações Afirmativas

      Prezado Gilson,

      você insiste em confundir conceitos que são distintos. ´Cotas raciais´ é apenas a segregação de direitos em bases raciais de forma compulsória pelo estado: isso é racialismo puro, largamente financiado no Brasil, por centenas de milhões de dólares das ´Foundacion´s´ norte-americanas que sempre atuam a serviço da inteligencia dos EUA. A sua prática pelo estado apenas se destina a manter critérios raciais vivos no seio da população e foi largamente utilizado pelos norte-americanos.

      Ações Afirmativas, que defendo, ao lado de Joaquim Barbosa e Carmem Lúcia, dois juristas Ministros do Supremo Tribunal Federal é muito mais que ´cotas raciais´, são programas de políticas públicas visando a redução dos preconceitos e das discriminações. Ações Afirmativas visam a promoção da dignidade e da igualdade humana através da prática da diversidade humana.

      Também largamente utilizada nos EUA, na Inglaterra, na França, na Austrália e até na Finlândia não se destina apenas a impedir as discriminações raciais, mas, também às discriminações machistas, sexistas, homofóbicas etc… enfim, visa a promoção da diversidade humana. Um conceito muito mais amplo e generoso do que a segregação de direitos raciais.

  5. não leu e não gostou (s/Antônio Risério, antropólogo baiano)

    Tem gente neste blog que não leu e não gostou de um comentário não meu, mas do antropólogo baiano Antônio Risério. Uma longa entrevista dividida em duas partes, e  tb cito a fonte, 2 links para as duas entrevistas, cuja íntegra reproduzi no corpo da mensagem pra facilitar. Entre tantas coisas, ele diz sermos seguidores de um capachismo cultural e ideológico. Posiciona-se a partir de uma reflexão que não vi em nenhum comentário, nem post por aqui (não sou novato, há tempos frequentava como visitante, sem me manifestar), nem mesmo nas longuissimas intervenções de Militão.

    Mas aqui não é lugar pra discussão aprofundada , muito menos é lugar onde se permite e se aprecia o contraditório, ou um espaço, uma margem tão estreita para o contraditório que nem merece este nome – claro é minha opinião, destoante ou não, pouco me importa, mas so chamo atenção pra estas limitações, não só eu percebo isto, mas os membros que saíram do blog, uns ótimos participantes dos queme lembre  (e ninguém é dono da verdade, às vezes a virtude está no meio – citando um antigo provérbio – ou num ponto que argumenta com originalidade as questões de etnia, de origens, de negritude, de racialismos, como faz Antônio Risério), mas teve uma exceção que me enviou e deixou um comentário “excelente”, claro que a gente não fica imune a uma manifestação dessa… ( e tenho ego humano…)

    Cotas é uma questão tão polêmica que há bons argumentos de negros a favor e contra. (Claro que tudo isso na nossa realidade brasileira). Já foi proibida pela suprema corte de outra realidade da qual se importam muuuitas coisas, USA (que eu saiba). Bem antes, algumas universidades não adotavam tais critérios. Se alguém conheceu um artigo especial para a FSP, da negra-mulata escritora premiada e tradutora Marilene Felinto, ou se lembra, é outra contribuição de quem cnhece bem os EUA e a realidade do Brasil, por sinal, a pessoa mais arguta e corajosa que já vi na grande imprensa e até na imprensa alternativa. Alguma coisa , v. no wikipedia ou no lindo site dela (pena que não autoriza reproduções de contudnetes ou não crônicas dela na grande imprensa, que foi a FSP – pedi, mas ela não me autorizou, e respeito).

    Quem quiser ler , tiver saco, paciência – é leitura muito atraente, sem pedantismos – acesse meus coentários arquivados, faz uns 4 ou 5 dias, acho. Seção Fora de Pauta, em dois dias seguidos. Tenho a forte impressão que não foi lido por muitos que opinam sobre esses assuntos, como se fossem dogmas, convicções já estabelecidas petrificadamente. Descontem as expressões enfáticas.

    1. Procurei e não achei…

      Prezado Almeida,

      tenho muito interesse no que dizem Risério e Marilene, procurei e não achei os links referidos.

      Adianto que comungo com ambos, sei que são críticos às políticas públicas em bases de segregação de direitos raciais – cotas raciais – o que não se confunde com a boa doutrina de Ações Afirmativas, que as defendo.

      Ambos comungam da doutrina de SERGIO BUARQUE DE HOLANDA, a de que não estamos submetido à prisão perpétua do pertencimento racial, o que, comungo, inteiramente.

      se possível, nos indique os links, pois nem aqui nem no ´Fora de Pauta´ consegui encontra-los.

      abraços,

      PS… fui no ´google´ e achei: https://jornalggn.com.br/noticia/fora-de-pauta-269  – dia 29/6 às 00:28hs.

      – vou ler com todo o carinho.

      1. A. Risério e M. Felinto, já que vc procurou e não achou:

        Militão, Sobre o “capachismo cultural e ideológico” expressão do ótimo Antônio Risério ver bem mais abaixo, depois de longuíssima observação. Como eu disse no comentário (creio que vc leu depressa demais… devagar com o andor pq voce escreve muuuuuito e, se os outros lerem depressa demais, também, perdem o teu conteúdo, ou enchem o saco e desistem de ler, e vi muita repetição – sim, isso é uma crítica, da qual tb. não estou isento, infelizmente).  Marilene Felinto: eu não reproduzo pq. ela não quer e ponto final, e a respeitemos. A que me referi: “O Fim do Mundo Sob Controle – A Categorização Por Minorias É A Maneira Civilizada de Continuar A Segregação Nos Estados Unidos”, 10.jan.1983, caderno MAIS! Só se voce contatar o arquivo da Folha SP UOL, indicar os dados, que eles vendem (antes o acesso era gratuito a assinantes da FSP ou UOL (Mas a admiro pelos quase todos os livros que li dela, e pelas muitas crônicas sobre os mais variados assuntos – ela não é de um assunto só! ). Não reproduza porque se eu estou lhe dando a referência, ela não quer saber nem do tempo na grande mídia, mesmo que tenha escrito algumas pérolas poéticas, outras contudentes – sobre diversos assuntos – perspicazes pra baralho… e chegou a receber carta ameaçadora do falecido Toninho Malvadeza e a FSP a proibiu de reproduzi-la e assim deixamos de conheceer melhor que era aquele coronelzão. Nem no arquivo do belo site dela (fácil de achar) se encontram as crônicas.

        (OBS LONGA antes das duas entrevistas com Risério pra voce não estranhar o que estranhou explicitamente num outro comentário meu, ou reprodução, compartilhamento, mas vejo que perco tempo e uma ingenuidade danada. Só não pedi imediato descadastramento pq. o cadastrado tem recursos que o visitante não tem, só por isso, e não contenho a tentação de deixar um alô. Não estranhe a falta de estrelinhas, nem comentário ao que atualmente raramente comento – fico quase exclusivamente no Multimídia – é que entrei em atritos com alguns participantes, e, por extensão, generalizei reagindo a algumas grosserias, e disse que o blog virou uma irmandade no pior sentido do termo (não apenas a existência de grupo com afinidades e a linha editorial do blog: o desvio de rota do blog vai muito mais além. Pra tentar quebrar uma certa sisudez, alguns fanatismos principalmente sob posts de alguns assuntos, brinquei um pouco, usei de entrelinhas, de ironias, cheguei a usar de empáfia com toda minha vontade só pra debochar de um cadastrado – cho que outros vestiram a carapuça ou também não sacaram nada de nada de minhas provocaçõezinhas feitas pra curtirem, pra sorrirem, até porque debochei contra mim próprio, mas o semianalfabetismo que há nalguns membros – estou sendo delicado – os impediu, os incapacitou de sacarem, de viajarem. Este artigo do Risério, p.ex., só vc e mais um elogiaram pra baralho, o resto acho que não consegue ler, ou não leu e não gostou, ou silenciou só porque foi postado por mim – infantilidades, criancices. Ao invés de te falar disso em particular, recaio no meu defeito (semelhante ao teu) de “falar” demais, de me repetir. Mas fico muito aquém nas repetições e da verdadeira ocupação ou ataque ao Blog na sua essência original que era justamente ter o maior espaço para o contraditório, o que não mais existe. Tem gente da irmandade que acha que há contraditório aqui, eu não vejo mais, quando tentei alguma vez fui atacado, teve um que até me desejou uma boa morte, ir dessas pra melhor, vê o nível. Claro que há exceções, mas só exceções, a quem tiro o chapéu. E há visitantes que nunca se manifestam pelo que notei, p.ex., um que nunca vi no blog (mas não leio quase nada há algum tempo, confesso, principalmente depois dos incidentes, sim, já vi um visitante postar maravilha no Multimídia – mas os que se acham miltantes, e militantes de esquerda, parece não apreciarem aquela seção, só frequentam um assunto só, aqueles em que vêem oportunidade de … militar – o que considero uma esquerda estreita que se acha o máximo, e viram em mim um cara de direita, de centro, coxinha, ou assemelhados: erraram, e erraram feio. Sim, aqui tb. é uma nova crítica frontal e repetitiva à irmandade). Segue em negrito – o pessoal não vai ler, mesmo, e o negritado é pra ficar mais fácil de as entrevistas serem lidas. QUe o Nassif e equipe entendam – equipe que se omitiu nos conflitos já referidos e a quem pedi intervenção, pois não queria apertar o botão “Denunciar tal ou qual membro”. Quem sabe agora vá se pronunciar, previsivelmente, como muita coisa por aqui, pressuponho, ou preconceito, mesmo, o que a equipe vai dizer. Que digam. “E ai” – expressão bem nordestina, de subúrbio ou de interior (um bom dicionário talvez traga o que significa tal expressão, talvez não, é dessas linguagens do povo, nem sempre encontradas em dicionário.

        Antropólogo Antonio Risério e o capachismo cultural e ideológico

        http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2696371-EI6608,00-Uma+entrevista+um.html

        http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2056760-EI6608,00-Uma+entrevista+parte+II.html

         Entrevista do Antropólogo Antonio Risério (em 2 partes)

         autor de: “A utopia brasileira e os movimentos negros”

         
        Eu vou ali pegar um avião, visitar essa bela cidade, a convite dessa baita instituição, e já volto. Deixo-os com uma entrevista que dá muito, muito o que pensar. É uma conversa de José Castelo com o historiador e antropólogo Antonio Risério, a propósito de seu próximo livro, intitulado A utopia brasileira e os movimentos negros. A entrevista foi publicada originalmente no Valor Econômico. Nela, Risério fala do que considera sua “solidão” no debate racial brasileiro de hoje, dividido entre, por um lado, os que negam a existência do racismo e simplesmente se recusam a reconhecer a relevância do tema e, por outro lado, os que, segundo Risério, tentam importar ao Brasil categorias raciais norte-americanas, bicolores. Aí vai a íntegra da entrevista, enviada por cortesia de meu amigo Armando Almeida.

        P: Em seu novo livro, você defende a idéia de que, ao tratar da cultura brasileira, não podemos nos iludir com fantasias fáceis, novos truques ideológicos e maniqueísmos simplificadores. Você se empenha, ainda, em não fugir da questão chave posta pela idéia de uma democracia racial e cultural. Contra quais idéias dominantes você escreveu este novo livro? Em que direção vai esse caminho original que você vem nos oferecer?

        R: Estou nadando, clara e decididamente, contra a maré “bem-pensante”, hoje, no Brasil. De uns tempos para cá, enquanto negromestiços norte-americanos passaram a reivindicar sua “identidade birracial”, aproximando-se assim do modelo brasileiro, o que está acontecendo aqui é um movimento inverso: negromestiços tentando enfiar a rica e múltipla realidade racial brasileira na camisa-de-força do padrão dicotômico norte-americano, que é essencialmente racista e foi criado pelos senhores brancos do sul dos EUA. Os EUA são o único país do mundo onde a existência de mestiços de branco e preto não é socialmente reconhecida – basta uma gota de “sangue negro” para fazer do indivíduo um “negro” (jamais um “branco”, é claro). É isto o que está sendo transposto para cá, por nossos acadêmicos racialistas e agrupamentos ativistas neonegros. Trata-se de tentar transformar o Brasil num campo racial nitidamente polarizado, com base no que aconteceu na vida norte-americana, como se a experiência histórica de um povo pudesse ser simplesmente substituída pela experiência histórica de outro. Daí que o racialismo político-acadêmico de professores e militantes tenha baixado o decreto ideológico de que inexistem mestiços em nosso país. De que nossos morenos e mulatos não passam de uma perversa ilusão de ótica. É certo que a mestiçagem brasileira recebeu, no século passado, uma interpretação senhorial, mistificadora. Mas a solução não é abolir o problema, mesmo porque continuamos mestiços. Temos de saber encarar os fatos. Mestiçagem não é sinônimo de igualdade, nem de harmonia. Não exclui o conflito, o racismo. E a melhor prova disso é o próprio Brasil. É claro que nunca vivemos numa democracia racial. Mas realizamos conquistas que nos autorizam a acreditar que podemos avançar nessa direção. Que podemos realizar o mito, fazendo com que ele se encarne na história.

        P: O multiculturalismo é, ao mesmo tempo, uma idéia muito rica e uma idéia contaminada de mal-entendidos e confusões. De qualquer modo, ela parece estar no centro dos principais debates culturais de hoje. O multiculturalismo é uma característica crucial da cultura brasileira. Mas, você mostra, nenhuma das culturas que aqui chegou conseguiu conservar sua “pureza”, nesse sentido somos o país das impurezas. Que dificuldades, mas também que vantagens essas contaminações nos oferecem?

        R: Minha visão é algo diferente. De um modo geral, podemos dizer que existem países multiculturais e países sincréticos. O Brasil é um país essencialmente sincrético. Não temos aqui nada de parecido com o bilingüismo paraguaio, com as divisões que detonaram a antiga Iugoslávia, com os cingaleses e tâmeis que fragmentam o Sri Lanka, com o que acontece na Nigéria e na Indonésia. Não temos conjuntos culturais fechados, ensimesmados. Aqui, apesar das crueldades da escravidão, as coisas se mesclaram em profundidade. Daí que eu costume dizer que, culturalmente, mesmos os brancos brasileiros são mais africanos do que os negros norte-americanos. Mas há, ainda, uma outra distinção. Uma coisa é a realidade multicultural de um país, outra é a ideologia multiculturalista. O multiculturalismo se opõe às interpenetrações culturais, defendendo o desenvolvimento separado de cada “comunidade” étnica, de modo que esta possa permanecer sempre idêntica a si mesma, numa espécie qualquer de autismo antropológico. Ora, nem o Brasil é multicultural, nem há lugar aqui para o multiculturalismo, a não ser que, como dizia Adam Smith, neguemos a evidência dos sentidos em nome da coerência de nossas ficções mentais. Hoje, de resto, a experiência sincrética brasileira se tornou referência para o mundo globalizado, com todos os seus encontros e atritos interétnicos.

        P: Você estuda, em particular, a presença da cultura negra no cinema brasileiro e na música popular brasileira. E faz, sempre, um contraponto com o que se passa na cultura norte-americana. Por que?

        R: Sublinho o assassinato espiritual do africano nos EUA. Lá – sob a pressão cruel e poderosa do poder puritano branco – as culturas africanas foram destroçadas, varridas do mapa. É por isso que não há orixás nos EUA (eles só começaram a voltar no século 20, com migrações antilhanas). Os pretos abraçaram a Bíblia. Criaram uma variante do cristianismo puritano. E como elementos, práticas e sistemas simbólicos de origem nitidamente africana inexistem na sociedade norte-americana, também inexistem na criação estética desta mesma sociedade. Dessa perspectiva, a cultura norte-americana pode ser resumida em poucas palavras: nunca ninguém fez nenhum “despacho” na cabana de Pai Tomás. O que vemos no Brasil é justamente o contrário disso. Faço o contraponto para mostrar as enormes diferenças que existem entre as experiências históricas e sociais do povo brasileiro e as do povo norte-americano, com a sua rígida separação entre um mundo cultural branco e um mundo cultural negro, coisas que são fundamentais, mas que nossos atuais racialistas político-acadêmicos não levam em consideração. Se o que aconteceu nos EUA tivesse acontecido também no Brasil, em Cuba e no Haiti, não teríamos hoje sequer vestígios de deuses africanos em toda a massa continental das Américas. Teria sido melhor assim? Não creio.

        P: Você se esforça para mostrar que essa influência negra não deve ser tratada só como um elemento de formação, como um aspecto importante do passado, mas também como algo presente, e ainda, como algo que diz respeito ao futuro de nossa cultura. Que exemplos você poderia oferecer da vitalidade da tradição negra? Onde e por quem ela é anulada, e onde consegue não só sobreviver, mas se fortalecer?

        R: O ponto principal é que signos culturais de origem africana fazem parte de nosso presente social e cultural. Impregnam e imantam a nossa ambiência. Por isso mesmo, não comparecem, na criação estética brasileira, como dados arqueológicos ou como relíquias salvas de um naufrágio. Pelo contrário: aparecem como produtos concretos da vivência pessoal de nossos criadores (muitos deles, negromestiços) ou, pelo menos, como coisas que existem objetivamente à sua volta. Veja a criação plástica de Rubem Valentim, que é uma espécie de Mondrian dos terreiros, a um só tempo ancestral e construtivista. Veja a obra de alguns criadores do cinema novo, a produção poético-musical de Caetano Veloso, a literatura brasileira, onde Iansã pode irromper até mesmo nas Galáxias de Haroldo de Campos. O fato é que temos a presença ancestral da África na arte brasileira de invenção. Quanto à segunda pergunta, vejo um quadro complicado. Se o candomblé se fortaleceu em meio às elites, está se enfraquecendo em âmbito popular. As massas negromestiças brasileiras estão abandonando os terreiros e aderindo às igrejas neopentecostais, que se utilizam, diabolicamente, de crenças populares e de práticas das religiões negras, como a técnica do transe. Não quero fazer profecias, mas acho que estamos caminhando para a formação de um neocandomblé, não só em São Paulo, mas também na Bahia. Um neocandomblé que se configura a partir da presença, nos terreiros, de pessoas das mais diversas cores, classes e formações culturais.

        P: Apesar do prestígio do futebol brasileiro, o futebol continua a ser um tema recalcado em nossa cultura. Você não se esquiva dele e mostra como, apesar de ser um esporte da elite inglesa, ele logo sofreu entre nós uma sábia apropriação popular. Mostra, ainda, como a expansão do futebol afetou o crescimento do rádio e da imprensa brasileira, como ele se tornou produto de exportação e como fomentou uma indústria. Mas como, apesar disso tudo, nunca perdeu a liberdade e a criatividade. Em que medida a recriação ou reinvenção do futebol pelo povo brasileiro ainda é desprezada e por que? Que fatores levaram, entre nós, a uma valorização estética do futebol, a ponto de ele se tornar um “futebol-arte”? Você chega a dizer que o futebol brasileiro é “filho do barroco” – o que isso significa exatamente?

        R: Não acredito que haja desprezo, hoje, por essa proeza popular de recriação ou reinvenção de um esporte inglês. Dos tempos de Mario Filho e Nelson Rodrigues para cá, cresceu e muito, por sinal, a legião dos que examinam, estudam e buscam entender a escola brasileira de futebol. E não vejo como situá-la fora da matriz barroca que está na base mesma de nossa formação e vem marcando há séculos, de uma ponta a outra, tanto em plano “erudito” quanto no “popular”, a criação cultural brasileira, da arquitetura ao desfile das escolas de samba. Visões do barroco como arte do excesso, como criação lúdica e sensual, como artesanato feito para enfeitiçar os sentidos definem perfeitamente o futebol brasileiro, da folha seca de Didi ao lance desconcertante de Ronaldinho Gaúcho, ou da bicicleta de Leônidas às pedaladas de Robinho, passando pelo deus Pelé. É o gosto pela curva, pelo floreio, pelo efeito, pela voluta, pela estetização extrema de cada jogada, pela surpresa. O povo brasileiro reinventou o futebol com a inteligência corporal específica de sua formação etnocultural. Na base, o samba e a capoeira. O ritmo e a malandragem. Não é por acaso que usamos uma mesma palavra – e de origem africana: ginga – para falar de sinuosos movimentos corporais de sambistas, capoeiristas e jogadores. E esta recriação se deu em horizonte barroco. É por isso que, acompanhando alguns estudiosos, chego a falar, sinteticamente, de uma escola barroco-mestiça de futebol.

        P: Que marcas a escravidão, e também o movimento abolicionista que a enfrentou, deixam, ainda hoje, na cultura negra brasileira? Em que medida esses não são apenas eventos do passado, mas marcas que ainda hoje se disseminam, com força, na vida brasileira? Como se comportam, hoje, nossos movimentos negros em relação a esse passado que se perpetua no presente?

        R: Raramente nos lembramos de que durante séculos, no Brasil, ninguém foi contra a escravidão em si. Os tupinambás praticavam a escravidão, assim como os portugueses e os africanos. Quando um determinado grupo negro se rebelava contra a sua situação, travava uma luta específica: queria se libertar do seu cativeiro, mas não hesitaria em escravizar outros grupos. Havia escravos em Palmares. E os negros malês, que se sublevaram em 1835, pretendiam escravizar os mulatos. Ou seja: do século 16 ao século 19, fomos todos escravistas. Foi com o movimento abolicionista que, pela primeira vez em nossa história, a escravidão como sistema foi colocada em questão. E, também pela primeira vez, formou-se uma ampla aliança de classes e cores, em função do combate ao sistema. Negros – livres e escravos – participaram ativamente do processo. Nesse sentido, o 13 de Maio (ainda hoje, apesar de tudo, a nossa maior revolução social) foi, também, uma vitória negromestiça. E penso que nossos atuais movimentos negros não deveriam estigmatizar a data, desprezando a longa e dura luta vitoriosa de seus antepassados. O problema é que as nossas elites impediram a realização completa do projeto abolicionista, que visava à integração final do negro na sociedade brasileira. Não promoveram as reformas moral, educacional e agrária que eram reivindicadas pelas lideranças abolicionistas. Nabuco dizia que acabar com a escravidão não bastava: era preciso liquidar todos os vestígios do regime. E isto não foi feito. É por isso que a maioria dos negromestiços vive ainda no subsolo da sociedade brasileira. E que ainda estamos lutando para completar a obra apenas iniciada pela Abolição. O que não acredito, ao contrário dos movimentos negros, é que a luta tenha de se dar, necessariamente, por linhas étnicas rígidas. Pela adoção do modelo racial norte-americano. Temos de pensar o Brasil por nossa própria conta e risco – ou os equívocos continuarão se sucedendo vertiginosamente. É mais difícil, mas, certamente, menos enganoso e falsificador.

        P: Você trata da existência de uma “nova história oficial brasileira”, que se distingue da velha história oficial, que era tramada na perspectiva dos colonizadores. Você chega a dizer que ela é “uma espécie de contra-história brasileira”. Como ela se define? Em que medida ela construiu novos dogmatismos e novos clichês? Que aspectos e contradições de nossa história essa “contra-história”, formulada nos anos 70, tratou, ela também, de dissimular e esquecer? Em que medida ela apenas substituiu mitos antigos por mitos novos?

        R: Existe a velha história oficial do Brasil, que se institucionalizou a partir da obra de Varnhagen e da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E existe a nova história oficial do Brasil, que nasceu na década de 1970, invertendo os sinais algébricos da “velha”, e se institucionalizou mais recentemente, gravando-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Falo de “contra-história” porque ela pouco mais é do que uma inversão de sua antecessora. Se a “velha história” celebrava a colonização lusitana, a “nova história” celebra irrestritamente negros e índios, condenando o colonizador português ao fogo do inferno. De uma parte, ela é a história do índio eco-feliz e do negro gloriosamente empenhado na luta por sua liberdade. De outra, é a história do colonizador branco como um animal invariavelmente estuprador e assassino. De um maniqueísmo absoluto, reduz a história do Brasil, que é altamente complexa, a um filme de bandido e mocinho, idealizando os dominados e caricaturando os dominadores. Daí que passe bem ao largo de coisas como o caráter essencialmente agressivo e belicoso da cultura tupinambá ou do fato de que os nagôs vieram parar aqui porque foram vendidos aos brasileiros pelos reis do Daomé. Enfim, é uma história de povos-anjos e povos-demônios, que converte os nossos antepassados em fantasias a-históricas. E, assim, não faz mais do que substituir mitos antigos por mitos novos – ou mentiras surradas por mentiras recentes. Se quisermos de fato nos conhecer, temos de superar esse primarismo “rousseauniano”, feito sob medida para debutantes mentais.

        P: Contrariando a idéia dominante, você faz em seu livro uma aproximação estreita entre o Brasil e Cuba. O fio de ligação principal é a santería, a religião dos orixás, e, em particular, a figura de Exu. A maior parte dos brasileiros tende a ver Cuba como um país atrasado, parado no tempo, e imobilizado sob o peso de um regime de exceção. Que elos secretos, ainda assim, seriam esses que nos unem a Cuba?

        R: O traço de união entre o Brasil e Cuba é a África. Em termos históricos, genéticos e culturais. Costumo dizer que Cuba foi uma Bahia tardia e, ao mesmo tempo, mais avançada. Mais tardia porque o apogeu da economia açucareira cubana aconteceu no século 19, quando os canaviais baianos se encaminhavam para a decadência final. Mais avançada porque o que se implantou lá foi um parque açucareiro moderno, efeito e causa da chamada “revolução agrícola” cubana. Nessa época, as populações negras do Brasil e de Cuba experimentaram uma mudança notável. Os bantos estavam desde o início em ambos os lugares. Mas a revolução agrícola em Cuba e o estabelecimento de nexos comerciais diretos entre o Brasil e o golfo do Benim, na África, trazem para os nossos países levas e mais levas de iorubanos – chamados “nagôs” no Brasil e “lucumís”, em Cuba. E os iorubanos vão marcar profundamente e para sempre as duas regiões, irmanando-as. Isto é muito claro no campo da produção cultural. Uma antropologia das formas estéticas no Novo Mundo mostra com clareza a presença africana, sobretudo banto e nagô (ou lucumí), nas criações brasileiras e cubanas. Antes que “hacienda” de Fidel Castro, Cuba é, mais profundamente, terra de Iemanjá e Xangô. Como a Bahia.

        P: Como você se sente e se vê no cenário cultural brasileiro de hoje? Quais são seus principais interlocutores e quais são os principais obstáculos que enfrenta? Quais são, a propósito, seus novos projetos de livros?

        R: No campo específico da discussão das relações sócio-raciais no Brasil, hoje, minha sensação é de isolamento. De uma certa solidão política e intelectual. Por um lado, o que temos é a velha conversa de que não existe racismo no Brasil. Por outro, o que predomina é o racialismo político-acadêmico, a militância neonegra, lendo o Brasil com lentes norte-americanas. Ou seja: por um lado, o clichê insustentável; por outro, a alienação universitária e o capachismo ideológico. Nesse último caso, não se trata de combater “idéias fora do lugar”, mas de lembrar que as concepções raciais norte-americanas não são conceitos, categorias universais, mas noções “nativas”, indestacáveis da experiência histórica dos EUA, que procuram injetá-las em nosso meio através de suas instituições e financiamentos de pesquisas. Além disso, o poder se comporta com excessiva reverência diante do discurso racialista. E é ignorante, como Lula pedindo perdão no Senegal. Quem tem de pedir perdão aos povos africanos, pela escravidão, são as elites africanas, que participaram ativa e lucrativamente do tráfico de escravos. Como se não bastasse, há uma certa covardia dos intelectuais, que temem contrariar os movimentos negros e serem classificados como racistas. O clima, enfim, é de inibição do debate. Fico, então, com as exceções. Com a paixão da troca clara e honesta de idéias. E, portanto, com poucos interlocutores, a exemplo de Peter Fry, Eduardo Giannetti, João Santana e Caetano Veloso. Quanto a novos livros, não sei. Tenho escrito muito sobre a cidade no Brasil. Mas, no momento, quero que venha à luz este novo, “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros”.

        Notícia postada em:  Nov de 2007

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        ainda em função do lançamento de A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros.

        Como você se sente e se vê no cenário cultural brasileiro de hoje? Quais são seus principais interlocutores e quais são os principais obstáculos que enfrenta? Quais são, a propósito, seus novos projetos de livros?
        No campo específico da discussão das relações sócio-raciais no Brasil, hoje, minha sensação é de isolamento. De uma certa solidão política e intelectual. Por um lado, o que temos é a velha conversa de que não existe racismo no Brasil. Por outro, o que predomina é o racialismo político-acadêmico, a militância neonegra, lendo o Brasil com lentes norte-americanas. Ou seja: por um lado, o clichê insustentável; por outro, a alienação universitária e o capachismo ideológico. Nesse último caso, não se trata de combater “idéias fora do lugar”, mas de lembrar que as concepções raciais norte-americanas não são conceitos, categorias universais, mas noções “nativas”, indestacáveis da experiência histórica dos EUA, que procuram injetá-las em nosso meio através de suas instituições e financiamentos de pesquisas.
        Além disso, o poder se comporta com excessiva reverência diante do discurso racialista. E é ignorante, como Lula pedindo perdão no Senegal. Quem tem de pedir perdão aos povos africanos, pela escravidão, são as elites africanas, que participaram ativa e lucrativamente do tráfico de escravos. Como se não bastasse, há uma certa covardia dos intelectuais, que temem contrariar os movimentos negros e serem classificados como racistas. O clima, enfim, é de inibição do debate. Fico, então, com as exceções. Com a paixão da troca clara e honesta de idéias. E, portanto, com poucos interlocutores, a exemplo de Peter Fry, Eduardo Giannetti, João Santana e Caetano Veloso. Quanto a novos livros, não sei. Tenho escrito muito sobre a cidade no Brasil. Mas, no momento, quero que venha à luz este novo, “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros”.

        http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2056760-EI6608,00-Uma+entrevista+parte+II.html

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        No livro o senhor condena o movimento negro universitário brasileiro que adota o modelo de raças importado dos Estados Unidos. Por obra do acaso, na semana passada esbarrei com o seu livro “Avant-Garde na Bahia” em um sebo. E comecei a lê-lo simultaneamente com o seu novo livro. Nos dois livros fica bastante claro que o senhor tem uma visão muito crítica da intelectualidade brasileira (sempre colonizada e deslumbrada com modelos estrangeiros). Pergunto: fazendo uma comparação entre aquele período do livro que conta a história do reitor Edgard Santos e agora, o Brasil é hoje um país mais “colonizado”?
        Não sei, é difícil responder, mas talvez sim. No mundo universitário, certamente. Mas temos de fazer uma distinção. Uma coisa é a assimilação de conceitos e teses universais, outra coisa é a mera cópia de idéias e modelos. O primeiro processo é necessário, enriquecedor. O segundo é que nos conduz aos mais diversos graus e tipos de alienação. Ao capachismo cultural e ideológico. E a verdade é que, com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes alcançamos um patamar de reflexão brasileira que hoje parece perdido, especialmente com os subjetivismos reacionários, alheios ao movimento real da vida e do mundo, que encontramos em certos meios “pós-modernos”.

        Depois da leitura do seu livro, fiquei com a impressão de que o pensamento politicamente correto incomoda o senhor. É verdade?

        Não, não incomoda. Me divirto com suas cretinices e construções estapafúrdias. Com suas contradições hilárias, como no caso de negromestiços condenando o uso de palavras como bozó e macumba, sem saber que são vocábulos de origem africana, palavras bantas. Tenho amigos homossexuais que se definem tranquilamente como veados, mas aí vêm os comissários do politicamente correto combater isso. Alguns pretos dizem que a palavra preto, quando empregada para designar uma pessoa preta, é pejorativa. No entanto, esses mesmos pretos se tratam como “blacks”. Quer dizer, em português não pode, mas em inglês pode? É um besteirol sem limites. E como é mesmo que agora vocês aí em Minas Gerais vão chamar o Aleijadinho, que, aliás, era um descendente de escravos que tinha escravos?
        O que não devemos admitir é que esses imbecis do “politicamente correto” (“political correctness” é a expressão original, que eles copiaram) queiram mutilar a língua portuguesa mestiça do Brasil, em nome de um modismo tão passageiro quanto supérfluo.

        Tem recebido muitos ataques depois que publicou o livro? Como o movimento negro recebeu a sua obra?
         

        Não, nenhum ataque. Público, ao menos. Até agora, só elogios, mesmo que com algumas restrições críticas. A começar pelo Eduardo Gianetti, que escreveu a apresentação do livro. Mas também com artigos de Demétrio Magnoli, Idelber Avelar, Antonio Paim. E não faço a menor idéia de como os movimentos negros estão recebendo o livro. Mas tenho a mais absoluta certeza de que ele será ou já está sendo detestado pelos ideólogos acadêmicos do racialismo neonegro. Afinal, me choco de frente com eles, denunciando suas falácias, maniqueísmos, fantasias e mistificações.

        Gilberto Freyre é um autor que o senhor cita em vários momentos na sua obra. Gostaria que o senhor contasse o que pensa da recepção da obra de Freyre dentro do movimento negro. O que está vivo e o que está morto na obra dele?
         

        Freyre é um autor fundamental para a compreensão do Brasil. E é claro que não é preciso concordar “in totum” com suas idéias. Acho que o pessoal do movimento negro, em boa parte, cultiva uma recusa sem conhecimento do que Freyre fez. Não lê seus livros. Foi ensinado a vê-lo como um inimigo e ponto final. É uma pena. Como dizia Leonardo da Vinci, nada se pode amar ou odiar, se primeiro não temos conhecimento do que se trata. E é bom não esquecer de que foi Freyre quem, com Casa-Grande & Senzala, detonou o chamado “racismo científico” que dominou por décadas o pensamento brasileiro, de Euclides da Cunha a Paulo Prado e outros. E isso no momento mesmo em que o nazismo ia tomando conta da Europa.
        O que Freyre nos ensina é que, para entender o Brasil, não podemos ficar só no alpendre. É preciso conhecer o canavial. Conhecer a casa-grande e a senzala, os atos técnicos e as criações simbólicas das elites e das populações excluídas das favelas e dos bairros periféricos. E isso abertamente, fazendo o possível e o impossível para superar preconceitos. Se sua visão da mestiçagem era senhorial, não devemos, ao combatê-la, fazer de conta que a mestiçagem não existe. Nem baixar um decreto ideológico histórica e sociologicamente absurdo, eliminando o mestiço e afirmando que no Brasil só existem negros e brancos. Porque isto é uma falsificação grosseira da realidade em que vivemos.

        Por fim: em um país com a pior distribuição de renda do planeta, onde a elite não parece disposta a ceder sequer um milímetro, sua proposta de abolição da herança não lhe parece uma proposta muito utópica?
         

        A idéia não é minha. Faz parte do ideário que se produziu ao longo da história do pensamento socialista. Você pode chamá-la de utópica, sim, mas no sentido em que podemos falar de “utopias realistas”, com Pierre Bourdieu e Russell Jacoby. Acredito, como Roberto Mangabeira de What Should the Left Propose? (livro, aliás, que acabei de traduzir), que a esquerda tem de ir além do neoliberalismo e da social-democracia. Tem de construir, em seus lineamentos gerais, um novo projeto de civilização. Com teses definidas contra o modelo norte-americano de globalização, com políticas próprias para o mercado, com propostas de novas formas de trabalho, contrato e propriedade.
        A abolição gradativa do instituto da herança é uma proposição que deve ser vista nesse contexto maior. E isso tudo não vai acontecer de uma hora para outra. O que não podemos é abrir mão do projeto de transformação social, política e cultural do país. Desenhando, para isso, um horizonte de mudanças de longo prazo.

         

        Antonio Risério é poeta e antropólogo.

        1. Já tinha lido…

            OK, já tinha encontrado e lido.

           Aliás, é um bom motivo para debates, e comungo com o que diz o Risério.

          abç

        2. Já tinha lido…

            OK, já tinha encontrado e lido.

           Aliás, é um bom motivo para debates, e comungo com o que diz o Risério.

          abç

      2. “A síndrome da militância arrogante”

        (Cópia. Ver Fora de pauta deste domingo 6 de julho). Me diga se o blog enviou email automático pra você e você viu:

        À Equipe: Sugiro reprise por ser e continuará sendo muito atualizado:

        https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-sindrome-da-militancia-arrogante

        O texto se refere à militância feminista como uma amostra. Só de passagem se refere aos movimentos de crítica-radical, aos de esquerda, ou de uma esquerda de modelitos (amostras há por aí afora, e bem pertinho, abundam).

         

    2. Reserva de vagas nos EUA

      No tocante ao texto do senhorPercival Maricato

      Cotas é uma questão tão polêmica que há bons argumentos de negros a favor e contra. (Claro que tudo isso na nossa realidade brasileira). Já foi proibida pela suprema corte de outra realidade da qual se importam muuuitas coisas, USA (que eu saiba). Bem antes, algumas universidades não adotavam tais critérios.

      Gilberto: Não é assim. As cotas não foram proibidas nos EUA.

      Aqui no Brasil, com tudo começando na UNEB e na UERJ (A UnB é tempos depois), apenas temos 10 anos de reserva de vagas. Nos EUA, a entrada por vagas reservadas nas universidades e outros direitos dentro das ações afirmativas americanas  já existiam há 50 anos. Como nestas cinco décadas além das leis gerais terem incorporado muitas das ações afirmativas e como elas foram cumpridas  para valer,  a Suprema Corte entendeu que elas não precisam mais ser impositivas, deixando livre  a cada instituição a adoção ou não da reserva de vagas. Se instituição quiser, pode adotar.  Caso não queira adotar a reserva de vagas, não precisa fazê-lo, diz a Suprema Corte, pois, agora, após 50 anos, elas não se fazem mais necessárias.  Não cumprir a lei, isso  não é (mais) inconstitucional. 50 anos não são 10.  

      Gilberto Menezes Moraes – FEN/UERJ.

       

      1. 1978, Suprema Corte proíbe cotas raciais desde 1978

        Prezado prof. Gilberto,

        Vossa informação não está correta. No país da segregação racial e da lei Jim Crow cotas raciais foram consideradas inconstitucionais em 1978, no famoso caso Regents of the University of Califórnia versus Bakke (1978), e a decisão foi reafirmada em 2003, nos julgamentos envolvendo a Universidade de Michigan, Grutter versusBollinger et al.

        A Suprema Corte nos dois casos considerou inconstitucional a reserva de vagas para minorias em universidades. Em 2007,  novamente, a Corte Suprema americana se viu diante da mesma questão, desta vez a respeito  de crianças brancas que haviam sido preteridas em algumas escolas do distrito de Seattle que praticavam uma  política de discriminação positiva. A corte decidiu que a cor da pele não deveria mais ser usada para matricular crianças em uma escola ou outra, pois segundo a maioria dos juízes, obrigar os indivíduos a se definirem racialmente tinha o efeito de perpetuar a proeminência da “raça” na vida pública americana. Um dos juízes da Suprema Corte Americana foi além ao dizer: “Fazer com que a raça tenha existência agora para que não tenha no futuro fortalece os preconceitos que queremos extinguir”.

        Portanto, o que prevalece nos EUA, e deveria prevalecer no Brasil, são políticas públicas de Ações Afirmativas, o que não se confunde com as ´cotas raciais´ compulsórias com reservas numéricas de vagas, pois isso, viola a dignidade humana dos beneficiários.

        E veja bem, ações afirmativas, tem por pressuposto, a promoção da diversidade humana e não a de privilégios ´raciais´, e os beneficiários são pessoas talentosas destacando-se mulheres, latinos, afroamericanos, árabes, asiáticos etc.

        A tal propósito, matéria publicada na BBC-Brasil:

        http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/04/120425_eua_cotas_pu_ac.shtml

        “Mas, como no Brasil, a aplicação destes critérios nos EUA está longe de ser uma unanimidade. Da mesma forma que as iniciativas brasileiras vão a julgamento no Supremo, em Brasília, também tem cabido à corte de maior hierarquia nos EUA o papel de definir a forma e o escopo das ações afirmativas.

        Atualmente, vigora o entendimento da Suprema Corte americana em duas decisões tomadas conjuntamente em 2003, quando estava em julgamento o sistema de ações afirmativas da Universidade de Michigan.

        Em um dos casos (Gratz x Bollinger – Lee Bolinger era o diretor da instituição), a Corte derrubou uma atribuição de 20 pontos para alunos de minorias étnicas no sistema de admissões da Universidade, um quinto do necessário para aceitação automática.

        Shirley J. Wilcher (Arquivo Pessoal)

        Ações afirmativas permitiram que Shirley J. Wilcher entrasse em instituições até então só frequentadas por brancos

        O tribunal manteve uma decisão de 1978 que proibía vantagens numéricas para as minorias – assim banindo, por exemplo, cotas.

        Ao mesmo tempo, em outro caso (Grutter x Bollinger), a Corte entendeu que a Universidade tinha o direito de fazer sua seleção com o objetivo mais vago de criar uma “massa crítica” de minorias sub-representadas em suas salas de aula, em especial negros e hispânicos.

        “O Supremo enfocou, mais que nada, a questão da diversidade na educação superior, na necessidade de ter um corpo estudantil diverso, que prepare os estudantes a trabalhar em um país cada vez mais diverso”, diz Wilcher.

        “Até o meio deste século, metade de todos os americanos serão pessoas de cor, portanto a diversidade, para nós, é um tema nacional.”

        1. Agredeço, Militão,

          agradeço, creio que voce me enviou uma cópia, pois recebi uma notificação pelo email se referindo a outro comentarista.

  6. Nesse ponto o petismo nunca

    Nesse ponto o petismo nunca enganou ninguém de que seria uma festa de arromba só para a elite branca curtir até para pagar o tempo que suportou o petismo no poder

  7. Exclusão de crianças negras de mãos dadas com atletas!

    Acintoso e chocante demais  demais: Após ouvir pronunciamentos de capitães de times antes dos jogos, sobre “Ação Global contra o racismo” pergunto: Onde estão as crianças negras de mãos dadas com os atletas?  A empresa que selecionou as crianças não ousaria excluir crianças negras nos EUA ou qualquer outro país (como bem  mencionado em mensagem acima) .

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