Daniel Afonso da Silva
Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de "Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas". [email protected]
[email protected]

Notícias do fim do mundo, por Daniel Afonso da Silva

Vale sempre lembrar que, jamais houve sociedade sadia, desde o mundo antigo, sem níveis importantes de solidariedade e lealdade.

Pixabay

Notícias do fim do mundo

por Daniel Afonso da Silva

Jacques Attali tem o raro encanto de provocar sem desolar. Em uma recente manifestação na França, por ocasião dos 50 anos da Unesco, em Paris, ele apresentou um cenário espetacular sobre o destino mundial próximo, logo ali, em 2050, que nos convida a pensar, meditar, refletir e agir.

Partindo de uma extensa base de dados públicos e privados produzidos e divulgados por variadas agências internacionais, ele avançou sobre algumas variáveis que vão modificar a face do planeta nos próximos dias, meses e anos até o meio e o fim deste século. A primeira diz respeito à demografia.

A população mundial dos oito bilhões de habitantes atuais tende a chegar aos 9,5 bilhões em 2050, sendo que, ao menos, quatro bilhões de pessoas estarão espalhadas pelo continente africano. Alguns muitos países “velhos”, que perderam a sua janela demográfica e possuem alta longevidade entre os seus residentes, por ausência de taxas positivas de natalidade e reposição humana, tendem a desaparecer ou diminuir muito de sua relevância atual.

Pelos cálculos de Attali, esse namoro com a irrelevância está para ser o caso de Alemanha, Itália, Espanha, China, Coréia, Japão, Rússia. A China, especialmente, parece que vai envelhecer antes de enriquecer. A Itália e a Alemanha, notavelmente, parecem que vão envelhecer mais e, inevitavelmente, empobrecer.

Essa movimentação demográfica desparelha tem tudo para agudizar, ainda mais, os movimentos migratórios presentes.

A explosão imigratória hodierna decorrente, particularmente, da falência de estados no Oriente Médio, na África e na Ásia, doravante, tem tudo para aumentar devido ao aumento de incertezas sociais mediante crescentes desigualdades multidimensionais que o mundo inteiro tem vivenciado, especialmente, após a pandemia de covid-19, no biênio 2020-2021. Ao sul do mundo, por exemplo, aproximadamente 50% das pessoas, em 2050, estarão residindo em lugares, cidades ou países distintos dos quais nasceram. Adicione-se a isso, o agravante climático que impõe deslocamentos relevantes em muitas partes do mundo. Note-se, por exemplo, a situação dramática e sintomática do Paquistão.

No Paquistão, por sabido, intempéries entre temperaturas extremas que ultrapassam os 50 graus e inundações imensas, causadas por recorrentes temporais descomunais, tornaram-se comuns, normais e insuportáveis. Esse verdadeiro Armagedão climático por lá já deixou, nos últimos anos, mais de 30 milhões de paquistaneses sem moradia, esperança nem destino.

Nenhum país consegue administrar essa intermitência de tragédias incólume. O fluxo de migração, forçada ou não, tende, assim, a se impor como a saída estatal para a manutenção da existência de seus nacionais.

Outro desafio logo ali, daqui cinco, dez, vinte e/ou trinta anos, diz respeito à aceleração das mutações tecnológicas impetradas pela Quarta Revolução Industrial.

A internet das coisas já é uma realidade em muitas partes do mundo. O Metaverso começa, pouco a pouco, a tomar conta do cotidiano das pessoas. Mesmo das mais desprovidas de demais equipagem econômica, social ou cultural. Mas outros e novos avanços na popularização, por exemplo, do uso de hologramas, nanotecnologia, biotecnologia, computação quântica, automação e afins tendem a modificar a capilaridade das relações entre os humanos.

Se o celular, hoje, representa uma inquestionável prótese de uso constante e massificado. Outros aparelhos e tecnologias, de uso também diuturno e colados ao corpo, vão se impor nos anos a seguir.

Geopoliticamente a concepção de poder, que vem se modificando, progressivamente, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vai ganhar feições mais claras, abstratas e letais. O conflito ucraniano – que todos sabem não se tratar de uma guerra convencional tampouco de uma contenda somente entre Rússia versus Ucrânia, mas, efetivamente, de uma tensão mundial para a manutenção e/ou o restabelecimento de forças de hegemonização planetária – dá mostras efetivas dessa mutação na compleição do poder.

O império norte-americano, como participante ativo do contencioso ucraniano, agarra-se como pode em suas bases atuais de poder e hegemonia mundiais. Mas o seu declínio relativo, que vem desde muito constante, vai, claramente, acentuar-se.

Parece pouco provável que, logo ali, em 2050 ou mesmo em 2100, os Estados Unidos sejam destronados de sua condição de maior potência hegemônica no mundo. Contrário a todas as especulações, a China, especialmente pela projeção de queda demográfica, mas também por questões de natureza cultural profunda – vale reconhecer que os chineses, diferente dos ocidentais, não possuem vocação messiânica de levar a verdade e a iluminação a todos os povos –, vai, mais e mais, abdicar da condição de concorrente dos Estados Unidos ou aspirante ao posto de líder hegemônico global.

Em caso de declínio e queda súbitos do império norte-americano, é provável que se reavive a mesma realidade histórica de ausência de dominância imperial mundial como ocorreu após o desaparecimento do império romano, no mundo antigo.

Vale ressaltar que depois do desaparecimento do império romano, o mundo ficou sem liderança hegemônica até a emergência das cidades-estados italianas ancoradas, politicamente, em Veneza. Substituída pelo império Habsburgo holandês. Em seguida, pelo Reino Unido. Para, apenas, no entreguerras do século 20, os Estados Unidos mostrarem a sua face irresistível de hegemônico absoluto no sistema internacional.

Parece, hoje, bem claro, que a desmoralização da política e o féretro de democracias mundo afora causa um vazio intenso preenchido por empresas mundiais. Empresas tangidas pela financeirização do mundo e fiadores incontestes da globalização irresistível desde os anos de 1970. Empresas que, muita vez, aspiram a compleição de poder decisório mundial em lugar de estados.

Entretanto, empresas, diferentes de estados, possuem integral indiferença e insensibilidade ao encontro de desigualdades humanas. A inovação acelerada que elas, empresas, produzem não reduz, em contrário, aumentam as desigualdades.

O fim dos estados e o fim da capilaridade mundial de alguns estados tende a gerar, assim, ainda mais, anomia pelo planeta, hoje, já, soterrado em penúrias e tragédias sem fim.

O identitarismo ambiente e a cultura woke, por sua vez, com a crescente desmoralização da política e do poder estatal, tendem a ampliar a dimensão egocêntrica da vida. Essas duas realidades – identitarismo exacerbado e wokismo mal-intencionado – enfatizam a liberdade absoluta sem notar que esse tipo de liberdade solapa toda possibilidade de construção de laços de solidariedade e pactos de lealdade entre pessoas, culturas, estados e coletividades internacionais.

Vale sempre lembrar que, jamais houve sociedade sadia, desde o mundo antigo, sem níveis importantes de solidariedade e lealdade.

Que, diante de tudo isso, fazer?

É a pergunta que Jacques Attali deixa no ar e, para a qual, parece caber a todos nós tentar responder.

Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de “Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas”.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Daniel Afonso da Silva

Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de "Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas". [email protected]

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Raro me deparar com um texto que tenha tantos lugares-comuns e ideias antagônicas e disparatadas. Foi horrível perder 10 minutos do dia lendo isso.

    1. Foi um dos piores textos que já li neste portal. Google tradutor mandou um olá. O texto consegue ser pedante, confuso e sem sentido ao mesmo tempo.

  2. Eu já nem me indago nem me preocupo com o que será o futuro; tenho certeza de que ele será mais ou menos o que está descrito no texto. As “novas tecnologias” apenas intensificarão seus efeitos e alcance, e os seres humanos com acesso a elas se submeterão, de livre e espontânea vontade. Essa atomização do ser humano já está em curso. Quanto aos que não tem, nem terão, acesso a elas, quem se importa? A minha preocupação está voltada para o que está contido na seguinte frase: “ Vale sempre lembrar que, jamais houve sociedade sadia, desde o mundo antigo, sem níveis importantes de solidariedade e lealdade”. A questão é: já houve, em alguma época ou lugar, sociedades sadias? Desde sempre, e ainda jovens, ao sermos confrontados com as nossas mazelas brasileiras, invariavelmente éramos bombardeados com a ideia de que “ah, lá fora, não existem essas coisas”. Lá fora, bem entendido, eram os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão, etc. Lá não havia corrupção, nem jeitinho, nem discriminação de qualquer tipo. Eram sociedades perfeitas. Sadias, solidárias, leais. À medida que vamos crescendo, e nos tornando mais capazes de analisar criticamente as coisas, percebemos que não é bem assim – mas a ideia do nosso viralatismo já está tão inculcada em nossas mentes, que mesmo pessoas bem-pensantes ainda se deixam levar por essas comparações estúpidas. Não, elas não são, nem nunca foram, sociedades sadias, e muito menos perfeitas; são corruptas, racistas, prepotentes, e tudo o mais que puderem ser, com vistas à própria prosperidade e enriquecimento. Só não são solidárias nem leais. A “Democracia” americana é solidária com seus pobres, seus imigrantes, seus ‘wetbacks’? Ou os tolera apenas como mão-de-obra barata e sem direitos? A “Democracia” americana foi leal com seus índios, ou os dizimou para livrar-se de um estorvo? Não é necessário falar dos europeus, e seus séculos consecutivos de guerras, massacres e sanguinolências diversas; os Estados Unidos, esse monstro super-europeu (Sartre) nos mostram, em escala planetária e em tempo real, o que foi (e é) a Europa na História. São seus filhos diletos. E tudo isso, amigos, para edificar uma sociedade sadia e leal? Invasões, saques, pilhagens, massacres, exploração de recursos naturais e humanos alheios, podem edificar algo sadio e leal? Podem gerar solidariedade e lealdade? Darcy Ribeiro, um de meus heróis da juventude, achava que devíamos criar nossa própria democracia, nossa própria fórmula de prosperar com igualdade e distribuição de recursos. Até hoje não foi possível; talvez pela falta de modelos, e pela necessidade de criar tais situações do nada. É difícil tatear no escuro. Sociedades solidárias e leais, nunca houve, a não ser na fantasia dos crédulos e na convicção dos áulicos, esses últimos, geralmente, beneficiários mínimos da prosperidade do 1% ao longo da História. 1% que, diga-se, não são solidários nem leais entre si, ou o são apenas quando disso se aproveitam de alguma forma. Quando seus esquemas fazem água, é cada um por si. Quem se afoga nesse dilúvio não são eles. Somos nós, gregos e ucranianos. Eles se bastam a si mesmos, e já pouco precisam de nós; mais-valia é hoje tão demodé. E danem-se a solidariedade e a lealdade.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador