O aprofundamento da crise: da recessão à depressão?, por Rodrigo Medeiros

Por Rodrigo Medeiros

Desde o início deste ano já era possível prever que o ajuste macroeconômico pretendido dificilmente atingiria o objetivo desejado (clique aqui 1; clique aqui 2). A grave crise política prejudicou o clima no País, porém não seria mesmo possível retomar a confiança dos agentes econômicos na economia rapidamente porque a contração macroeconômica não contaria com a demanda externa desta vez.

O jornal “El País Brasil” (24/10/2015) publicou uma matéria sobre a crise na América Latina, citando como o Brasil, a Colômbia, o Peru e o Chile amargam déficit nas contas públicas com o fim da festa das commodities. Na matéria constam diagnósticos. Para Ricardo Caballero (MIT), por exemplo, “tivemos um episódio daquilo que se conhece como doença holandesa. Quando o preço e a produção de um bem de exportação sobem muito, as matérias-primas em nosso caso, geralmente elas arruínam o resto do setor exportador, por causa de uma valorização sustentada da taxa de câmbio”. Segundo o colombiano José Antonio Ocampo, da Universidade Columbia, “o quinquênio de crescimento excepcional, que vai de 2004 a 2008”, deve muito “a uma espécie de alinhamento dos astros”. Logo adiante, ele completa: “A desindustrialização foi excessiva, o investimento em tecnologia muito baixo, e há muito por fazer até obter uma educação de qualidade, um setor público eficaz, e uma melhora na infraestrutura que potencialize o crescimento”.

Conforme ponderou o famoso economista Joseph Stiglitz, “basicamente, todas as economias emergentes estão enfrentando um momento difícil. Uma das razões é a desaceleração da China, porque a demanda por commodities está diminuindo. Eles também estão sofrendo com o fim dos juros baixos nos EUA, que, aliás, não vão acabar, mas o medo disso terminar prejudica esses países“ (“Folha de S.Paulo”, 05/11/2015). A interdependência global gera paradoxos e perplexidades: os países desenvolvidos sofrem o risco de deflação e os países em desenvolvimento ou emergentes sofrem pressões inflacionárias. Bem recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que revisou posicionamentos após a crise de 2008, chamou esse cenário global de perspectivas de “um novo medíocre”.

Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, “o Brasil segue perdendo posições no ranking dos maiores exportadores mundiais de bens manufaturados” (“Análise IEDI”, 18/11/2015). Nos últimos dez anos, a participação dos manufaturados nas exportações brasileiras recuou de 53% para 34%. Para o instituto, “a indústria do país continua perdendo competitividade no cenário internacional e doméstico, o que contribui para agravar a restrição externa ao crescimento e é parte explicativa da recessão econômica vivida pelo país”. 

As medidas de austeridade em curso, diz a matéria do “Wall Street Journal” (09/11/2015) assinada por Paul Kiernan, fizeram a tributação ainda mais regressiva para as classes de renda média e baixa no Brasil. Essas estão pagando, a partir de dramáticos cortes nos investimentos públicos, a conta amarga dos ajustes.

As desonerações fiscais e o represamento dos preços administrados retardaram alguns efeitos da crise vigente. Entre 2011 a 2015, segundo levantamento da Receita Federal, foram editadas ao menos 40 medidas provisórias contendo isenções fiscais contestadas pela Operação Zelotes; de 2010 a 2018, a soma das desonerações é de R$ 501 bilhões (“Blog do Fernando Rodrigues”, 04/11/2015).

Segundo o relatório da Transparência Internacional, o Brasil tem uma das piores legislações do mundo no que diz respeito à lavagem de dinheiro e à evasão de divisas (“Blog do Fernando Rodrigues”, 11/11/2015). O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional aponta que a sonegação fiscal é da ordem de 10% do PIB (“Valor Econômico”, 18/11/2015). Portanto, o ajuste poderia muito bem estar sendo feito de forma progressiva, redistribuindo o peso da carga tributária para aliviar os mais pobres e ainda estimular o desenvolvimento da economia popular. A carga tributária regressiva é injusta e a propensão marginal ao ato de poupar ou consumir não é a mesma para classes sociais distintas de renda.

Em outro artigo busquei esboçar uma linha de ação para os novos tempos, levando em conta a “armadilha da renda média” na qual estamos inseridos (clique aqui). Creio que esse debate deve ser aprofundado.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Rodrigo Medeiros

6 Comentários

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  1. Tudo recai sobre as classes

    Tudo recai sobre as classes mais baixas, desde a privatização da água e energia até a privatização ou destruição de serviços básicos e essenciais. Acredito que se o estado não tomar as rédeas, poucos terão uma vida digna e confortável daqui pra frente. Se não houver investimentos em áreas estratégicas e fortalecer a economia nacional como fazem na China e Rússia atualmente ou como fez o Japão… Se ficarmos preocupados com o dólar baixo para que a classe financeiramente mais alta possa ir para Miami; dificilmente o país irá para frente para a classe média-baixa e a indústria nacional. Para a classe rica isto não importa, tendo seu meio de ganho e fortunas intactas e cada vez maiores já está de bom tamanho. Temos que pensar que a classe financeiramente mais alta pouco se importa com o Brasil ou suas empresas, e muito menos com as necessidades mais básicas da população. Se não houver uma preocupação da classe média e classe média-baixa quanto a isto; estaremos a pagar absurdos por um corpo de água ou para ascender a luz de casa. Não teremos saúde pública e muito menos educação escolar satisfatória. Tudo estará nas mãos da classe alta que estará rindo a toa enquanto assiste 90% da população sair na porrada por um pedaço de pão e água.

  2. Já cantaram a pedra.

    O problema todo foi a derrota do Governo para os rentistas.

    A soluçao é mudar de governo, PT não dá mais, PSDB nem pensar.

    Redução de juros no geral mais correção dos juros da dívida.

  3. Quando o Michel Temer diz que: ‘Espero que ao final deste proces

    Quando o Michel Temer diz que: ‘Espero que ao final deste processo o país saia pacificado’, se ele pensa que após um golpe de estado à paraguaia o país estará pacificado, ele está muito enganado. Caso leve a diante o golpe, o país irá mergulhar no caos. Se hoje a crise está incomodando, quero ver depois do golpe. No final das contas o PMDB receberá um governo com uma crise econômica e social ainda maior.

  4. Os políticos têm que começar

    Os políticos têm que começar a entender que quem manda neste país e no planeta é a sua população. Eles têm que entender que são eleitos pela população para servi-la e não para servir seus interesses egoistas e mesquinhos. Se não está contente com o rumo com que as coisas estão tomando que saia e deixe um político mais representativo em seu lugar. POis o mundo já está cheio dos interesses egoistas e mesquinhos de alguns em virtude do interesse democratico de todos os outros.

  5. Há muitas idéias que deveriam ser desenvolvidas separadas

     

    Rodrigo Medeiros,

    Não bastasse ser discordância de leigo nem chego a discordar deste seu post “O aprofundamento da crise: da recessão à depressão?, por Rodrigo Medeiros”, de sexta-feira, 04/12/2015 às 10:51, aqui no blog de Luis Nassif. Hoje mesmo, eu elogiei o seu texto em comentário que enviei para Luis Nassif junto ao post “Há muita oferta de ativo de petróleo no mercado: não é hora de vender, por Sergio Gabrielli” de sexta-feira, 04/12/2015 às 09:45, e originado de artigo de Sergio Gabrielli publicado no Brasil Debate. O post “Há muita oferta de ativo de petróleo no mercado: não é hora de vender, por Sergio Gabrielli” com o meu comentário enviado sexta-feira, 04/11/2015 às 13:42, pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/ha-muita-oferta-de-ativo-de-petroleo-no-mercado-nao-e-hora-de-vender-por-sergio-gabrielli

    O que me parece ficou a desejar no seu post foi que você trouxe muitos assuntos e não os desenvolveu a contento. Vejamos alguns desses assuntos. Primeiro seria desenvolver uma alternativa ao ajuste que o Brasil precisaria fazer diante da inevitável desvalorização do real. A proposta de não se fazer o ajuste é o que eu penso que o Guido Mantega pretendia adotar quando ele fez a correção de rumo da economia em 2011. É bom que se diga que a correção iniciou-se em 2010 com a diminuição das taxas de crescimento quando se considera um trimestre com o trimestre imediatamente anterior. A idéia seria que quando o Banco Central Americano iniciasse a elevação do juro, a taxa de juro no Brasil já estaria alta, o crescimento seria razoável com base no investimento e não haveria bolhas de consumo e isso não espantaria o investidor estrangeiro tornando a desvalorização menor e com um setor industrial menos enfraquecido.

    Tudo pareceu-me realizar-se segundo o planejado com o único inconveniente da seca no Oeste americano que elevou os preços das commodities e reduziu o ímpeto de desvalorização da moeda por parte do governo brasileiro. Talvez em razão disso, o Banco Central teve que iniciar a subida do juro mais cedo. Antes da subida do juro, entretanto, a economia que ficara estagnada com um crescimento pífio de 0,1%, durante uns quatro trimestres, quando se compara trimestre com trimestre imediatamente anterior, começou a retomada.

    Quando a recuperação tomou ímpeto, ali no primeiro e segundo trimestre de 2013, ela ficou um pouco mais forte do que o desejado daí até um artigo de Chico Lopes recomendando que o BC subisse o juro de forma mais rápida porque o crescimento poderia prejudicar a economia. O Banco Central, entretanto, não alterou o comportamento e manteve constante a elevação da taxa de juro. E o melhor da recuperação eram as taxas elevadas na Formação Bruta de Capital Fixo. Parecia que o Brasil ia finalmente fazer uma retomada consistente e planejada.

    Só que de repente aconteceu o terceiro trimestre de 2013. Em meu entendimento o terceiro trimestre de 2013 foi a origem de todos os males que aconteceram sobre a economia brasileira, desde então. É por isso que eu tenho insistido que os economistas deveriam analisar o PIB trimestral de cada trimestre da recuperação, decompondo o PIB nos vários setores e em especial fazer um estudo desagregando a Formação Bruta de Capital Fixo em investimento privado, investimento do governo e investimento das estatais estas sendo divididas em estatais do setor elétrico, Petrobras e outros setores.

    Isto é trabalho para ser feito em equipe e um professor tem condições de dar este tipo de trabalho para alunos ou estagiários de pesquisas.

    De posse dos dados, então se iria concluir com precisão o que aconteceu com o terceiro trimestre de 2013. Foi algo normal decorrente da própria política do governo ou houve um fator estranho que destruiu o planejamento do governo?

    Venho mencionando este problema do terceiro trimestre de 2013 há mais tempo e apresentei alguns dados sobre isso em comentário que enviei domingo, 28/06/2015 às 03:01, para Margot Riemann junto ao comentário dela de quinta-feira, 25/06/2015 às 19:24, numa série de comentários que se iniciara com o dela enviado quarta-feira, 24/06/2015 às 17:22, para você junto ao post “Ressaca econômica? Por Rodrigo Medeiros” de quarta-feira, 24/06/2015 às 15:53, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/blog/rodrigo-medeiros/ressaca-economica-por-rodrigo-medeiros

    Pode ser, entretanto, que a atual realidade da economia brasileira foi algo inevitável a qual teríamos chegado independentemente do caminho tomado. Passei a pensar nesta possibilidade depois que li algumas reportagens mostrando que o Brasil passa por crise econômica semelhante a da Rússia. Sobre isso vale ler o post “Global growth bounces back a bit” de segunda-feira, 30/11/2015, publicado no site de blogs do Financial Times, e de autoria de Gavyn Davies, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://blogs.ft.com/gavyndavies/2015/11/30/global-growth-bounces-back-a-bit/

    Você insiste em ver problema na alternativa do comercio exterior com base na atual retração mundial no comércio internacional esquecendo que na recuperação econômica de 1983, não foi tanto pelo aumento das exportações que o país voltou a crescer. O que favoreceu o crescimento naquela época foi o aumento em cruzeiro recebido pelos exportadores em razão da desvalorização de 30% e a substituição das importações. Duas circunstâncias que estão acontecendo atualmente na economia nacional.

    Depois você questiona a tributação regressiva. Eu sou a favor da tributação progressista, mas mais sob o aspecto moral. Uma tributação progressista revela um país preocupado com a distribuição de renda, mas no sistema capitalista dinâmico, quem suporta o ônus tributário não é realmente aquele previsto na lei, mas sim, aquele fruto do resultado do dinamismo da economia.

    Há também a partir do blog de Fernando Rodrigues referência às desonerações fiscais que você reconhece como sendo medida adequada, mas podendo ser fruto de corrupção. Eu sou contra a desoneração porque sou a favor do aumento da carga tributária, mas não vejo a desoneração como fruto da corrupção ou como algo totalmente negativo para a economia. São as circunstâncias que vão caracterizar a correção ou não de um política de desoneração.

    E logo em seguida você fala a respeito de relatório da Transparência Internacional acusando o Brasil de ter piores legislações do mundo no que diz respeito à lavagem de dinheiro e à evasão de divisas. Não levo a sério a Transparência Internacional, mas pode ser que neste caso ela esteja certa. Basta ver que logo no início do governo do PT houve tentativa de aumentar a pena de corrupção e de caixa dois. A pena de corrupção foi aumentada, mas a de caixa dois que punha em risco muitos interesses, não foi possível aumentar. Foi preciso que o STF no julgamento da Ação Penal 470 transformasse o crime de caixa dois quando feito por funcionário público com o poder de um político em crime de corrupção. Grande avanço que o STF via Joaquim Barbosa e Enrique Ricardo Lewandowski conseguiram trazer para a legislação brasileira, mas dependendo de que lado está o acusador, os dois são enxovalhados.

    E você menciona ainda a sonegação fiscal que estaria, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, da ordem de 10% do PIB. Um bom estatístico e economista vai constatar com facilidade que a sonegação como a corrupção não podem ser superiores a 2% do PIB. E mesmo que fossem, não se pode fazer todo o gasto inimaginável para acabar com elas, pois talvez tanto uma como outra funcionem como vasos comunicantes que na ausência levaria a economia a certo emperramento.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 04/12/2015

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