O Brasil precisa de líderes e organizações populares, por Roberto Bitencourt da Silva

Precisamos de coordenação e articulação nacional para superar clivagens mil, de ordem geográfica, cultural, profissional etc. Tendo em vista combinar toda uma energia e capacidades dispersas e fragmentadas de ação. 

O Brasil precisa de líderes e organizações populares

por Roberto Bitencourt da Silva

São horríveis as imagens veiculadas ontem, oriundas da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Protesto de professores e demais setores do funcionalismo paulista, em oposição à contrarreforma da previdência, proposta pelo governo estadual, foi covarde e duramente submetido à repressão policial. Um tipo opressivo e violento de prática de governo, contumaz no País, mas que não retira o ânimo e a disposição de luta dos trabalhadores do Brasil.

Há poucos dias, os petroleiros promoveram uma greve heroica, que perdurou semanas. Denunciaram demissões, o sobrepreço dos produtos e derivados do petróleo – voltado à satisfação da gula especulativa e parasitária de acionistas da Petrobras, privados e gringos –, bem como esses trabalhadores questionaram a destruição e privatização da Petrobras, a entrega do petróleo brasileiro e da empresa para o capital estrangeiro. 

Em diferentes estados, Minas Gerais, Pará etc., nesse exato momento, outros protestos e paralisações de trabalhadores pululam. Não faz muito tempo, servidores da educação, saúde, ciência e tecnologia e outros, do estado do Rio de Janeiro, assim como funcionários e docentes de prefeituras da região metropolitana fluminense, mantiveram lutas, atos e greves sistemáticas, criticando as causas das mazelas do estado e as razões da crise financeira. 

Seja defendendo direitos trabalhistas e previdenciários, seja criticando ações reacionárias, privatistas, desnacionalizantes, injustas ou ilegais, os trabalhadores têm se mobilizado, repercutido suas insatisfações e preocupações. E têm agido. Não raro, como na zona oeste do município do Rio de Janeiro, também questionando a provisão de péssimos serviços públicos, como as interrupções na oferta de energia elétrica, o transporte coletivo ruim etc. 

Toda essa pujante energia precisa, e muito, de coordenação política em escala nacional, de líderes e organizações populares (partidos, sindicatos, confederações e centrais sindicais etc., ou mesmo a criação de novos organismos representativos e participativos etc.). Lideranças e organizações que se dediquem a mudar o estado de coisas prevalecentes no Brasil, uma situação lastimável, marcada pela aplicação de um nefasto projeto reacionário, antipopular e neocolonial, de aprofundamento da dependência financeira e tecnológica da nossa economia ao capitalismo internacional. 

Antes de tudo: reorientar o foco, escantear o verdadeiro fetiche associado à atenção dedicada às vicissitudes do calendário eleitoral, à hiperestimação das possibilidades de realização das mudanças no seio das instituições políticas, e atrelar as suas sortes, como também canalizar as suas energias para as questões e dificuldades do cotidiano popular. Uma pedagogia política ciosa pela mudança – norteada pela defesa dos interesses nacionais e populares – demanda razoável descomprometimento com as instituições, as expectativas e as regras predominantes, delineadas pelo sistema de poder. Abandonar a docilidade e a aposta infrutífera no sistema.

Precisamos de coordenação e articulação nacional para superar clivagens mil, de ordem geográfica, cultural, profissional etc. Tendo em vista combinar toda uma energia e capacidades dispersas e fragmentadas de ação.  A vastidão do território e a complexidade cultural, social e política do nosso País, requerem engenho criativo, vontade política e ação audaz, costurando anseios e ultrapassando os limites das inúmeras heterogeneidades existentes no mundo do trabalho (entre outros potenciais atores sociais oprimidos e espoliados).  

Precisamos também nos valorizar e lembrar que podemos e temos tremenda capacidade de agir. Não raro, frações do universo progressista ou dito de esquerda tendem a operar com esquemas de percepção que depreciam a dignidade da nossa gente brasileira, atribuindo inatas características amorfas e passivas à maioria. Na esteira de tal fenômeno, os estridentes reclamos ressentidos por uma “importação” de “chilenos”, “franceses”, “argentinos”, ou demais povos envolvidos em grandes manifestações políticas de protesto. Infelizmente, um perfil de imagem projetada que não se distancia do latente racismo preconizado pelos agentes do governo Bolsonaro, pelas classes dominantes e por demais reacionários e vende pátria, que, ad nauseam, atribuem a culpa do “atraso brasileiro” ao Povo, ao “povinho de m.”…

Faltam-nos, isso sim, lideranças sem apego a posições e contingências político-eleitorais, organizações populares sintonizadas com as lutas cotidianas e projeto de Nação, que vise romper com a dependência e a subalternidade do País na cena internacional. Tendo a felicidade de contar com esses decisivos fatores – ainda contaremos, como já contamos em outras oportunidades da nossa história –, a mudança fluirá naturalmente, partindo do engenho criativo, da energia e da vontade popular. Parafraseando, em parte, a Mao Tsé-tung, o tigre, se não é de papel, não possui dentes tão afiados.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político. 

Redação

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