O golpismo jamais precisou de maioria para prevalecer, por Antonio Lassance

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Sugestão de Dani

da Carta Maior

Antonio Lassance

Extrema direita cresce, envenena debate político e coloca em xeque avanços democráticos e dos direitos humanos

Quem acha o golpismo pequeno e o extremismo minúsculo se esquece de que eles jamais precisaram de maioria para prevalecer.

Depois do dia 15 de março, há uma nova manifestação de direita convocada para o dia 12 de abril.

Há quem argumente que tais protestos devem ser encarados como normais, pois o golpismo e o extremismo são minoritários.A maioria dos que foram às ruas no dia 15 está apenas farta de “tudo isso”.

Parece uma constatação bastante óbvia e inquestionável, principalmente se acompanhada de um inaceitável desconhecimento histórico de como funcionam o golpismo, a direita e seu extremismo.

Tudo parece normal quando se esquece o que aconteceu no Brasil em 1937, 1954 e 1964, quando o golpismo de uma minoria tomou o poder. Apenas em 1954 o golpismo foi derrotado, ainda assim às custas do suicídio de Vargas.

Fossem os golpistas maioria, eles não precisariam de golpismo algum. Ganhariam eleições. É próprio do golpismo e inerente à sua definição que ele signifique que governantes eleitos ou mesmo um regime político constituído por uma maioria seja pisado como a um verme por uma minoria ensandecida.

É próprio do golpismo tomar o poder enquanto minoria e usar a força justamente por faltar-lhe o mínimo consenso.

É próprio do extremismo, por sua vez, que ele ganhe terreno não por ter se tornado majoritário, mas por não contar com quem imponha resistência à altura a esses grupos de agressores.

Fossem os golpes majoritários, eles não precisariam, em sua maioria, que militares apontassem suas baionetas para massacrar adversários.

Tivessem sido os nazistas majoritários, eles não teriam se valido do incêndio do palácio do Reischtag, o parlamento alemão, em 1933, para a sua ascensão definitiva ao controle do Estado.

Se o golpismo precisasse mesmo ser majoritário e o extremismo benquisto, a Espanha não teria amargado décadas de franquismo.

No Chile, a insatisfação contra Allende teria aguardado a eleição seguinte para se manifestar. Augusto Pinochet sequer seria aceito por qualquer partido decente, nem ganharia mais que um punhado de votos.

O presidente João Goulart era muito popular em 1964, muito mais que a presidenta Dilma é no atual momento. De cada 10 brasileiros, apenas 2 reprovavam o governo Jango.

Quem acha o golpismo pequeno e o extremismo minúsculo se esquece de que eles jamais precisaram de maioria para prevalecer. Sempre se valeram não de grande adesão, mas apenas de uma grande insatisfação e de uma imensa anomia.

Insatisfação e anomia; revolta e decepção; a intolerância de uns e a indiferença de muitos – bastam tais ingredientes para que a direita e mesmo seus extremistas ameacem tomar conta da situação.

O rumo de manifestações políticas de massa é sempre dado não pela média dos que dela participam, mas pelas iniciativas dos que as convocam e conduzem.

O que se viu no dia 15 de março e se verá reeditado no dia 12 de abril são manifestações de insatisfeitos liderados por grupos de direita e alguns de extrema direita.

Golpismo e extremismo prosperam quando as pessoas passam a acreditar que sua participação vale pouco; que seu voto vale nada; que seus líderes são fracos ou os abandonaram.

O poder de grupos direitistas, alguns de caráter extremista – reacionários em suas concepções, agressivos em seus discursos, violentos no confronto com adversários – cresce à medida em que aumenta a insatisfação não apenas com os governos, mas com a política, com as instituições de uma democracia ainda pouco participativa e com novos direitos que trouxeram para a sala de estar da cidadania aqueles que sempre foram tratados a pontapés.

Não à toa, o ódio dos extremistas orienta-se a abominar direitos que tornam regra proteger e incluir setores excluídos. Setores que sempre foram tratados como marginais.

O extremismo é apenas a forma mais obtusa de transformar meticulosamente a frustração em revolta contra partidos, contra instituições democráticas e contra grupos e pessoas que pensam diferente, de modo a criminalizá-las e a buscar exterminá-las política ou mesmo fisicamente.

Faz parte da lógica do extremismo disseminar um sentimento – este sim, muito popular – de que as instituições estão podres, de que os partidos são %u20Btodos organizações falidas e que eleições não passam de enganação.

Quando um raciocínio dessa espécie a muitos também parece uma constatação bastante óbvia, é sinal de que palavras como democracia e direitos humanos estão em baixa e que seu oposto, o extremismo, mesmo minoritário em termos de adesão explícita, está em alta e com poder de iniciativa.

A História é farta de exemplos de como coisas vistas por muitos como normais reproduzem fenômenos políticos da pior espécie. Fenômenos que, de início, afiguram-se tão estúpidos que muitos consideram que não se deveria dar a eles qualquer relevância.

O grande problema é que, quando eles se tornam riscos óbvios e incontestáveis, aí já pode ser tarde demais.

Um país que conhece minimamente sua própria História não deveria jamais admitir que manifestações comandadas por grupos explicitamente golpistas e extremistas sejam consideradas normais, democráticas e inofensivas.

O desrespeito ao voto, ao devido processo legal e aos direitos humanos não é algo normal, não é nada democrático e está longe de ser inofensivo. Merece o mais ferrenho combate com as armas da crítica, antes que essa seja ameaçada pela crítica das armas.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Estes caras da direita

    Estes caras da direita escolhem umas datas engraçadas para aqueles eventos que a globo cobre ao vivo. Foi num 15 de março que Joaquim Silvério dos Reis entregou os incofidentes; também neste mesmo dia generais presidentes toamavam posse; nesta data, em 2001, explodiu a P36 e foi também num 15 de março que Cesar foi assassinado pelos senadores romanos, Brutus entre eles. “Até tu, Brutus!?”

    Dia 12 de abril também não parece ter sido escolha aleatória.

    http://oglobo.globo.com/brasil/dilma-sanciona-dia-nacional-do-humorista-mais-4-datas-comemorativas-15006261

  2. impedir alguem de se

    impedir alguem de se manifestar pois nao compartilharmos daquele ideal não é legal. eu sou contra. mas aquela manifestação do dia quinze de março teve defesas estranhas. quem exerce na sociedade o papel de iluminar as trevas taí uma ótima chance para faze-lo. a melhor arma ainda é a informação. antes que mais pessoas tomem aquele show como certo e perderemos uma batalha por nada. não se trata de ser ingenuo. mas querer conhecer o que o outro defende….

  3. Os golpistas não passarão!

    Há diferença entre os golpistas hoje e de ontem. Hoje conhecemos os modus operandi deles, nasci em 1964, mesmo tendo um pai militar, não sabia o que estava acontecendo, depois adulta fiquei sabendo desse horror, assim como eu muita pessoa sabe o que é o golpe, os golpistas querem criar alusão com Collor, mas Dilma não é Collor, eles se esquecem que com Collor todo povo brasileiro desejava o impeachment, ao contrário hoje, a maioria não quer, vai ficar difícil para os golpistas, não é a pequena classe burguesa quem manda, somos nós povo brasileiro. Os golpistas não passarão!

  4. Lassance,.

    Seu artigo deveria ser lido por todos, sobretudo pela juventude que não “viveu” a revolução de 64. Sobretudo!

    Interessante é que antes do seu artigo, li a evolução do ser humano neste mesmo blog e, por algumas fotos, lembrei-me dos idos de março…

    Mas, não percamos tempo e vamos ao principal: a palavra <golpe> vem do latim colpu, forma sincopada de  colaphus, que significa soco.

    Essa forma latina, por seu turno, vem do grego [tudo vem de lá] kólaphos que significa  pancada na face, bofetada.

    Aquilo que Roosevelt, T. chamava de política do big stick é um ótimo exemplo.

    Constituição, eleição, respeito, humanidade, humildade, lei, regra, regulamento estatuto, compromisso, respeito, receituário, preceito, doutrina, amor, regime, jurisprudência, códigos, Platão, Sócrates, você, o Nassif, Dalmo Dallari, Bandeira de Melo, eu, a minha vizinha bela e ética, não gostamos de levar bofetada.  O bom senso não endossa bofetada. 

    Concluo: três grandes livros, meados do século passado, foram escritos: Raízes, Casa grande e História Econômica.

    Há de se escrever, agora, um quarto: Brasil, o obscurantismo das clarividências…

     

     

  5. Mané extrema direta. O que
    Mané extrema direta. O que cresce é o orçamento para manifestações na America Latina.
    Deixo a pergunta para vcs…. De quem é o orçamento?

  6. ” Antonio Lassance é

    ” Antonio Lassance é cientista político”

    Não é coisa de “cientista” mas de ativista.

    Golpismo é seguir a lei agora.

     

  7. Sr. Dalmo Dallari

    Sr. Dalmo Dallari:

    “Quanto à pregação de golpe militar, que configura proposta de subversão da ordem constitucional, é crime previsto na Lei de Segurança Nacional, que, embora feita durante a ditadura, não foi revogada e o próprio Supremo Tribunal Federal já a considerou recepcionada pela nova ordem jurídica, naquilo em que não contraria as normas constitucionais. O que deve ser feito é o enquadramento dos autores dessa tolice antidemocrática, para processamento pela prática do crime.”

  8. Precisou, sim!

    A análise me parece que carece de alguns pontos fundamentais, que já coloquei em outros comentários, mas que cabe aqui repetir.

    Tanto na tentativa de 1954 como nas vitoriosas de 1937 e 1964, havia uma organização partidária (1954 e 1964) ou um governo no poder (1937) que aproveitaram parte da mobilização popular para dar sustentação aos golpes. Nos dias atuais, em que este movimento me parece mais gestado fora do Brasil do que dentro, esqueceu-se de formar um bloco partidário golpista e coeso, com algumas figuras chaves e reconhecidas nacionalmente. A tentativa de resgatar o movimento pelos partidos de direita não foi muito exitosa, pois parte dos grupos que organizam este movimento não estão ligados aos partidos políticos (exceto o último que apareceu, o Vem Pra Rua). A impossibilidade dos partidos de resgatarem o movimento para suas bandeiras é causada pelo descrédito generalizado de todos os partidos, coisa que foi inicialmente insuflado pelos dois grupos que se organizaram mais cedo, o Revoltados on Line (um grupo mais de lumpen proletariado) e o Movimento Brasil Livre (resquícios de grupos de neoliberais).

    Atualmente, os movimentos que convidam para estas manifestações, tem alguma vinculação com determinados políticos de extrema direita que se baseiam mais nas externalidades ideológicas da direita, do que uma ideologia mais clara tipo fascismo. Não há uma base doutrinária mínima e comum que amarrem os diversos movimentos ou que façam que um tenha condições de sobrepujar os outros.

    A tática de semear o ódio, que se tem mostrado muito eficiente para desconstruir partidos e governos em outros países que sofreram as revoluções facebook, não tem a mesma capacidade de aglutinar em torno de uma ideologia. Fora Dilma, Lula e PT só propõe a retirada de determinados atores da política, mas em nenhum momento propõe quem vai substituí-los.

    Outro empecilho para a progressão destes movimentos é a ausência de “mártires”, pois dentro do menu geral empregado em outros países as forças “ocultas” que estão por trás disto tudo, esqueceram que a segurança pública é de responsabilidade dos estados e não da união, logo a geração destes “mártires” motivadores da exacerbação do movimento mais enfraqueceria a posição de governadores de oposição ao governo federal do que o próprio, logo não foi possível aplicar o menu como o aplicado em outros países.

    Comparar os grupos que lideram os movimentos com o golpismo na Europa do século passado é ignorar a construção do fascismo e do nazismo, que por mais que apregoe não foi uma construção de um ou dois anos a partir de mero descontentamento popular, havia toda uma ideologia de mudança que serviu como atrativo as massa populares.

    As condições objetivas para um golpe ainda não estão postas, e o desenrolar dos eventos ainda possuirá diversos desdobramentos que criam condições de avanço e recuos do golpismo. Qualquer projeção a priori do futuro é incerta e baseada não na dialética do movimento, mas no achismo, por exemplo, como em 2013 incidentes tipo black blocs pode assustar e desmobilizar grande parte dos manifestantes e isolar as coordenações dos movimentos, lembre-se que os manifestantes ao contrário da consigna da esquerda do passado, tem muito a perder.

    Há em toda a esquerda uma falta de análise crítica destes movimentos, caindo mais num discurso vazio do tipo, “Um país que conhece minimamente sua própria História não deveria jamais admitir que manifestações comandadas por grupos explicitamente golpistas e extremistas sejam consideradas normais, democráticas e inofensivas.” Ninguém está considerando estes grupos como forças normais, democráticas e inofensivas, mas ver em grupelhos com poucas dezenas de militantes um potencial real capacidade de golpear o Estado, que é um exagero.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador