Obscurantismo na PUC São Paulo, por Vladimir Safatle

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

da Folha

Obscurantismo, por Vladimir Safatle

Pode parecer um mero problema ligado à vida acadêmica nacional, mas infelizmente é muito mais que isto. Trata-se da expressão perfeita de um sintoma de obscurantismo que parece, aos poucos, tomar conta de setores importantes da sociedade brasileira.

Há alguns anos, alguns dos mais destacados professores de filosofia da PUC de São Paulo, associados a várias universidades francesas, ibéricas e latino-americanas, juntamente com o Consulado Geral da França em São Paulo, criaram a cátedra Michel Foucault. Seu objetivo era fornecer a estrutura institucional para o estudo e pesquisa de um dos filósofos mais importantes do século 20, com grande influência no desenvolvimento do pensamento brasileiro. Graças a tal iniciativa, o Brasil recebeu, por exemplo, um precioso acervo das gravações de suas aulas no Collège de France.

No entanto, há algumas semanas um dos conselhos dirigentes da PUC-SP vetou a criação da referida cátedra. Motivo: o pensamento de Foucault não coadunaria com os valores defendidos por uma instituição católica de ensino. Por ironia do destino, e isto diz muito sobre o Brasil atual, a mesma PUC-SP foi, nos anos setenta e oitenta, uma das instituições responsáveis pela introdução do pensamento de Foucault e outros filósofos franceses entre nós.

Alguns podem ver nisto certa coerência, como seria coerente, seguindo este mesmo raciocínio, impedir os alunos da PUC terem aula sobre Nietzsche (já que este anunciou a morte de Deus), Freud (que chamou a religião de “o futuro de uma ilusão”), Voltaire (o anticlerical por excelência) ou quiçá mesmo sobre Spinoza (visto pela teologia oficial como a expressão cabal da heresia panteísta).

Mas, se assim for, por que chamar de “universidade” o que, cada vez mais, se aproxima de um seminário católico ou de uma maquinaria de proselitismo religioso? “Universidade” significa espaço livre de saber, no interior do qual podemos oferecer um formação na qual visões em conflito são apresentadas. Por isto, o conteúdo de ensino de uma universidade deve estar livre dos limites impostos pelos interesses de igreja, mercado, Estado ou de qualquer outro poder político.

Se a PUC quer seguir tal caminho obscurantista, então ela deve assumir as consequências de sua escolha e abrir mão de sua creditação como universidade. Pois tal creditação é fornecida pelo Estado brasileiro a partir do respeito a valores elementares de abertura e pluralidade. Várias outras universidades católicas no mundo achariam aterrador uma atitude como a recusa de uma cátedra de filosofia por motivos teológicos. Se esta for a regra daqui para a frente, o Estado brasileiro deve defender o conceito de universidade fruto do Esclarecimento.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É. O circo e o hospício não

    É. O circo e o hospício não se restrigem a Brasilia e nossas instituições. Quando uma universidade, casa do saber, opta pelo obscurantismo é porque o nazi-fascismo com a face que tem hoje, está impregnado na sociedade. E o pior é que esse obscurantismo não atinge apenas o nosso país. Estados Unidos e Europa também apresentam essa mesma inflexão sob o beneplácito da sociedade.

  2. Certeiro. Princialmente no

    Certeiro. Princialmente no ultimo parágrafo.

    Mas o MEC vai vacilar, não tenho dúvida.

    Em pensar que, por exemplo, o título “A verdade e as formas jurídicas” foi uma publicação de palestras proferidas na própria PUC (RJ, salvo engano)… E isso depois de se atrasar, segundo consta, por causa de uma aventura sexual, hhahaha!

  3. Entrei na faculdade de Direito em 1989

    E naquela época já circulava uma piada sobre a PUC: “a PUC é uma universidade careta e sem tradição, que ao invés de Direito ensina religião”.

    Acho que perdem tempo com os carolas fanáticos. Eles que morram na ignorância e lanchando hóstias pra lá. Vamos nos preocupar é com a universidades públicas.

  4. Boiando

    O autor está boiando!

     

    Não é a PUC, é SP! A prova é que no Rio não há impedimento.

     

    A solução para o Brasil é a criação do Estado Bandeirante, ou o nome que for. Tem que dividir SP em 3!

    Depois disso, vamos para a Lua, Marte, descobrir a fusão e etc..

    Só falta dividir!

  5. Divergências

    Concordo plenamente com o autor, desde que este faça uma defesa tão eloquente para exposições de pontos de vista de direita na FFLCH. Uma vez que seguindo sua lógica, não existe o conceito de “universidade” por lá e tbm em outros centros acadêmicos brasileiros.

  6. Divergências

    Concordo plenamente com o autor, desde que este faça uma defesa tão eloquente para exposições de pontos de vista de direita na FFLCH. Uma vez que seguindo sua lógica, não existe o conceito de “universidade” por lá e tbm em outros centros acadêmicos brasileiros.

  7. A ideologia da PUC

    Como bem citou Safatle, sempre houve os filosofos anti cléricos e criticos da alienação religiosa na “grade curricular” da PUC. Aposto que ha algo mais com Foucault, além de ateu, era homossexual assumido e fez parte da gauche prolétaire, foi um ferrenho militante politico contra as prisões de membros do movimento Maiosta, e teve muitos problemas nos anos 70 com a Universidade de Vincennes, até passar para o Colège de France. Vladimir Safatle esta certo em falar em obscuratismo, ele se da também ai, no plano ideologico. Eh um caso grave em se tratando de uma universidade. 

  8. A PUC-SP é uma expressão do

    A PUC-SP é uma expressão do pensamento despolitizado e reacionário que toma conta do estado de São Paulo, que reelegeu um governador que despreza e trabalha para a destruição do ensino público, do fundamental à universidade. e que  não tem compromisso com a sociedade, está aí a crise hídrica a bater na porta dos moradores desse estado Se naõ bastasse, ainda elegeram  para o senado –  José Serra que defende a entrega da nossa maior riqueza – o pré-sal aos estrangeiros.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador