Por que o desenvolvimento econômico não ocorre naturalmente em todos os países?, por Paulo Gala

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Por que o desenvolvimento econômico não ocorre naturalmente em todos os países?

por Paulo Gala

em seu blog

Para os autores clássicos do desenvolvimento econômico as atividades produtivas são diferentes em termos de suas habilidades para gerar crescimento e desenvolvimento. Atividades com altos retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas sinergias decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico (Reinert 2009, pg. 9). São atividades onde em geral predominam competição imperfeita e todas as características desse tipo de estrutura de mercado (importantes curvas de aprendizagem, rápido progresso técnico, alto conteúdo de R&D, grandes possibilidades de economias de escala e escopo, alta concentração industrial, grandes barreiras à entrada, diferenciação por marcas, etc).

Esse grupo de atividades de alto valor agregado se contrapõe às atividades de baixo valor agregado, em geral praticadas em países pobres ou de renda média com típica estrutura de competição perfeita (baixo conteúdo de R&D, baixa inovação tecnológica, informação perfeita, ausência de curvas de aprendizado e possibilidades de divisão do trabalho (Reinert e Katel 2010, pg 7.) Para esses economistas o aumento de produtividade de uma economia viria justamente da subida da escada tecnológica, migrando de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade, rumo à sofisticação tecnológica do tecido produtivo  (Bresser-pereira 2014, pg.103). Para isso a construção de um sistema industrial complexo e diversificado é fundamental, sujeito a retornos crescentes de escala, altas sinergias e linkages entre atividades (Reinert 2010, pg.3). A especialização em agricultura e extrativismos não permitiria esse tipo de evolução tecnológica.

Migrar de atividades de baixa qualidade (concorrência perfeita) para as atividades de alta qualidade (concorrência imperfeita) é tarefa de enorme dificuldade. Desse salto depende o processo de desenvolvimento Econômico. Por definição as atividades de alta qualidade aparecem em mercados com estruturas de oligopólio e concorrência monopolistica o que já dificulta sobremaneira a entrada de novos players de países emergentes. Barreiras à entrada, grandes economias de escala e diferenciação por marcas são algumas das características desses mercados que dificultam muito o acesso de novas empresas do mundo emergente.

Alguns exemplos ilustram facilmente o ponto e ajudam a entender como a economia mundial está estruturada em termos desses mercados. Aviões: Boeing, Airbus, Bombardier e Embraer. Automóveis: Toyota, Hyundai, Gm, Ford, Fiat. Alimentos processados: Nestlé, Danone. Eletrônicos: Apple e Samsung e assim por diante. Os exemplos nos setores de manufaturas e bens complexos são abundantes. Para se desenvolver um país precisa ser capaz de constituir empresas nesses setores já muito bem ocupados onde os potenciais de economias de escala e lucros são enormes: aí está a produtividade. Tarefa nada fácil para um país emergente; sem entrar nesses mercados e ocupar espaço relevante não há ganhos de produtividade relevantes e não há desenvolvimento econômico.

 

ver paper interessante de D. Rodrik sobre o temasobre protecionismo e regimes de comercio hojepaper Erik Reinert sobre o temaCatching Up segundo E. Reinert

Referencias

1. Rainer Kattel & Erik S. Reinert, 2010. “Modernizing Russia: Round III. Russia and the other BRIC countries: forging ahead, catching up or falling behind?,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 32, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.

2. Erik S. Reinert, 2010. “Developmentalism,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 34, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.

3. Rainer Kattel & Jan A. Kregel & Erik S. Reinert, 2009. “The Relevance of Ragnar Nurkse and Classical Development Economics,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 21, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.

4. Bresser-Pereira, L.C., 2014, A Construção Política do Brasil, editora 34, São Paulo, Brazil

5.  C. A. Hidalgo, B. Klinger, A.-L. Barabási, and R. Hausmann, “The Product Space Conditions the Development of Nations”, Science 27 July 2007: 317 (5837), 482-487. DOI:10.1126/science.1144581

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Resposta curta: Porque a meta

    Resposta curta: Porque a meta de toda empresa é gerar a maior quantidade de dinheiro possível, no menor espaço de tempo possível. E desenvolvimento leva tempo. É muito mais lucrativo e rápido explorar a população local e vender os produtos para países que já atingiram um grau maior de desenvolvimento no passado.

    1. Mas algumas fazem isso melhor do que outras

      A meta de toda empresa é gerar a maior quantidade de dinheiro possível, no menor espaço de tempo possível. Mas isso é ruim?

      A diferença é que algumas empresas fazem isso melhor do que outras Por isso que uns países são mais desenvolvidos do que outros.

  2. Nenhum país que atingiu um

    Nenhum país que atingiu um nível de desenvolvimento socioeconômico elevado chegou lá sem um projeto nacional de desenvolvimento razoavelmente compartilhado entre as suas elites dirigentes e a sociedade. Neles, as lideranças nacionais chegaram a um entendimento de que o Estado não poderia limitar-se a atender às suas demandas exclusivistas, mas deveria atuar em grande medida em favor da sociedade como um todo. Em todos eles, o Estado atuou de forma determinante, no fomento e proteção das capacidades produtivas nacionais e/ou participando nas atividades econômicas onde fosse necessário e pelo tempo necessário. Da Alemanha à Nova Zelândia, não há exceções a essas regras, ao contrário do que pensam os fundamentalistas do culto ao “deus mercado” ou à deusa “livre iniciativa”.

    No Brasil, somente em 1930 o Estado começou a ser estruturado para servir à sociedade e, apesar dos ganhos conquistados com altos e baixos até cerca de 1980, a “Nova República” ignorou solenemente qualquer proposta de retomada de um impulso de projeto nacional, houve apenas projetos de poder, com concessões pontuais às necessidades das bases da sociedade e uma ampla hegemonia do sistema financeiro, que continua dando as cartas, juntamente com segmentos específicos do Judiciário e da tecnocracia embriagada com o poder adquirido nos últimos anos.

    Enquanto os títulos da dívida pública continuarem sendo o melhor “investimento” e a mais eficiente fábrica de juros do planeta não for enquadrada nas necessidades reais da esmagadora maioria da sociedade, não sairemos do pântano. Definitivamente, as políticas públicas não podem continuar sendo feitas para beneficiar os usuários do “private banking” e seus dependentes diretos, universo que não deve passar de 500 mil pessoas.

    1. Mas o modelo esgotou-se nos anos 80

      O desenvolvimentismo varguista esgotou-se nos anos 80, quando terminou na maior crise de nossa história até então. Por isso que a Nova República “ignorou solenemente” qualquer proposta de retomada de um projeto nacional. Não havia mais projetos viáveis.

      Os países hoje desenvolvidos, antes de terem estados ativos na condução de um projeto nacional, tiveram forte iniciativa privada, que deu origem a prósperas burguesias ainda no século 18 e 19, protagonistas de elites nacionais e do próprio estado. Mas aqui se colocou o carro na frente dos bois: um estado condutor antes de termos uma burguesia empreendedora por iniciativa própria. O resultado foi uma classe empresarial totalmente dependente do estado, que ficou como aquele pai que além de financiar o botequim do filho, tem que ir lá beber cachaça para que o filho tenha faturamento.

      Um “projeto nacional” nos moldes varguistas ficou no passado. A tentativa de reeditá-lo no presente só tem o efeito de criar um séquito de empresários amigos-do-rei orbitando em torno do estado, ávidos de subsídios e dispostos a recompensar os políticos que os favorecem. Público e privado se fundem, como já acontecia desde os tempos de colônia. O que precisa ser feito é ensinar nossos empresários a andar com suas próprias pernas, submetendo-os à implacável seleção natural do mercado.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador