Reflexões Sobre o Sínodo da Amazônia, por Marcos Vinicius de Freitas Reis

A presença do catolicismo na extensão territorial da floresta amazônica, ajudou no sucesso da implantação da colonização portuguesa.

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Religião e Sociedade na Atualidade

Reflexões Sobre o Sínodo da Amazônia

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

Poucos são os trabalhos acadêmicos que versam sobre a realidade do catolicismo no contexto da Amazônia. A Igreja Católica vem perdendo fiéis nos últimos anos nas cidades da região amazônica. Ao mesmo passo, percebe-se o crescimento dos evangélicos, liderados pela Assembleia de Deus e pela Igreja Universal do Reino de Deus, além do crescimento dos sem religião. Os dados do censo do IBGE 2010 apontam que as religiões evangélicas cresceram em número de fiéis, pastores, templos e influência na sociedade, sobretudo em regiões periféricas e entre a camada mais pobre da população.

Uma das razões que nos levam a compreender a queda do catolicismo no contexto amazônico é a falta de sacerdotes nas comunidades rurais, nas comunidades tradicionais, regiões quilombolas ou nos interiores de difícil acesso. Há lugares que a celebração da missa, batismo e casamento são realizados uma vez no ano pela falta de padres para realizar os sacramentos. O catolicismo não consegue atender as demandas individuais da população dessas regiões, abrindo espaço para que diferenças religiosas do movimento evangélico pentecostal ou neopentecostal, por meio das suas atividades prosélitas, consigam angariar novos adeptos.

O perfil do catolicismo na Amazônia por sua formação histórica e sociocultural. Desde o século XVI detectamos a presença de ordens religiosa na capitania hereditária do Grão-Pará. Franciscanos, capuchinhos, beneditinos, entre outros, se fizeram presentes em vários locais da floresta amazônica com o intuito de cristianização. A ideia consistia na conversão dos indígenas, caboclos da Amazônia e outros moradores da região que aderissem à fé católica em detrimento das suas tradições culturais e religiosas.

A atuação do catolicismo do século XVI até o século XIX é marcado pela tentativa de hegemonia cultural e religiosa da Igreja Católica na Amazônia. Por meio dos discursos e atitudes do bispo Dom Antônio Macedo, à frente da diocese de Belém no século XIX, era necessário combater aqueles tidos como inimigos da fé católica, a exemplo, protestantes, espiritismo, o pensamento secularizante e moderno, práticas africanas e indígenas e outras formas de pensamento. O objetivo é a construção de uma Amazônia ligada exclusivamente aos os valores cristãos, tendo a Igreja Católica como a única instituição referência de valores morais e religiosos. Para isso foram criados jornais, rádios, cinemas, clubes esportivos, escolas, hospitais, obras sociais e seminários religiosos, além da proibição a protestantes, espíritas, escravos, indígenas, dentre outros de praticarem seus dogmas e rituais religiosos.

O catolicismo consegue tornar-se a religião com maior número de adeptos, influenciar na política, economia, cultura, aspectos sociais e artísticos da realidade amazônica. A presença do catolicismo na extensão territorial da floresta amazônica, ajudou no sucesso da implantação da colonização portuguesa.

O catolicismo popular desponta-se como a maior expressão da identidade católica na Amazônia. As devoções populares aos santos, os sacrifícios, oferendas, orações, ladainhas, romarias, procissões, cânticos, uso das velas, fogo, água, e a busca por milagres e curas são características que podemos encontrar no Círio de Nazaré, nas festas de São Benedito e de São Sebastião, entre outras manifestações. Tais celebrações nem sempre têm aprovação da hierarquia católica. Entre esses festejos alguns são realizadas a mais de cem anos. Há a existência de alguns elementos da cultura indígena e africana dentro dos festejos, causando repulsa em parte dos padres e bispos católicos.

O catolicismo não consegue eliminar outras formas de religiosidade – entre as quais estão a pajelança, o tambor de mina, parteiras, curandeiras, benzedeiras, marabaixo, sairé, dentre outras práticas religiosas. As culturas indígena e africana (afro-ameríndia) ainda são muito vivenciadas pelas comunidades amazônicas. Figuras como o Boto, o Boi, o Curupira e os Encantados, estão presentes na memória e no cotidiano das práticas e saberes dos povos da Amazônia.

A partir da metade do século XX, percebemos que a diversidade cultural e religiosa da Amazônia se acentua. A lógica concorrencial entre grupos religiosos é instalada na busca por fiéis e espaços na sociedade. Surgem novos formatos de religiosidades, e instituições religiosas organizam de outras formas, instituindo novos discursos, novas doutrinas religiosas, e novas estratégias com o objetivo de apresentar novas opções religiosas. Além do desafio do “mercado religioso” e da falta de padres e bispos nas região rurais, outros problemas que o catolicismo enfrenta na região são: a neopentecostalização dos indígenas, o papel feminino nas atividades da Igreja, a dificuldade no ecumenismo e no diálogo inter-religioso, a falta de diálogo com as comunidades quilombolas e a falta de lideranças católicas para a preservação do meio ambiente.

Nos anos de 1960 a Teologia da Libertação ganha espaço em várias dioceses católicas. A Igreja Católica baseado nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) é implantado. São iniciados trabalhos com a Pastoral da Terra, Pastoral da Criação, trabalhos com indígenas, quilombolas, ribeirinhos, refugiados, imigrantes e mulheres com o objetivo de acabar com as desigualdades sociais. Influenciados pelo Concílio Vaticano II, e tendo por lema a opção preferencial pelos pobres, as ações católicas foram focadas para reverter os problemas sociais dos excluídos e subalternos que vivem na Amazônia.

A questão ambiental ganha importância no trabalho das CEBs: preservação do clima, combate à poluição das matas, combate ao desmatamento, preservação das da fauna e das fronteiras entre os países. Isto é, preservar o meio ambiente na Amazônia é garantir formas de subsistência para a população pobre, sobretudo das comunidades rurais. Muitas famílias vivem da coleta, do plantio da mata, da carne de animais da floresta, da água das matas. Necessitam de chuvas regulares e clima estável para que suas atividades econômicas tenham sucesso.

Contudo, com a eleição do Papa João Paulo II, as questões sociais ligadas à Teologia da Libertação sofrem perseguições em nome da “restauração conservadora”. Houve processo de desmonte e desmobilização da hierarquia católica para com as iniciativas dos setores progressistas no interior da Igreja. Seminários católicos e sua estrutura formativa foram reformados ou modificados, dioceses foram divididas, padres e bispos conservadores foram nomeados. O incentivo aos movimentos católicos conservadores desestimulou as atividades do catolicismo progressista nos campos da agricultura, da atenção ao indígena, do ecumenismo, das mulheres, das comunidades quilombolas, das questões ambientais, de gênero e nos temas de direitos humanos como um todo.

Com a eleição do Papa Francisco, em 2013, pela primeira vez um Papa da América Latina chegou status máximo da hierarquia. Por essa época, a Igreja Católica via-se marcada por escândalos de corrupção, perda de fiéis, perda de influência na política internacional e nos assuntos internos dos países. Sofria críticas de organismos internacionais pelos posicionamentos contrários ao aborto, casamento homoafetivos, educação religiosa e, também, sofria com problemas financeiros. O pontificado bergoliano, desde então, tem dado visibilidade às demandas de regiões e públicos até então deixados na periferia de assuntos católicos: imigrante, meio-ambiente, pobreza e exploração colonial.

Com o intuito de promover melhor presença do Catolicismo. Papa Francisco convoca o Sínodo da Amazônia. A proposta é escutar setores católicos e da sociedade civil para reposicionar o catolicismo sobre as questões principais da Amazônia. Em outubro de 2019 será ouvido bispos, leigos e padres para desenvolver novas estratégias e linguagem no contexto amazônico, para reverter os problemas que o catolicismo enfrenta nesta região.

Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: [email protected]

 

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