Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Rumo a um ciclo virtuoso na política?, por Ion de Andrade

Estabilizar a democracia como ponto de partida e não de chegada

Os movimentos de estabilização da política realizados ao longo da semana pela presidenta Dilma e pelo vice-presidente Michel Temer tendem a prosperar e permitem vislumbrar um cenário de ressubordinação da oposição, de ganho de peso do PMDB e de reconhecimento de que, apesar de muito diferentes, PMDB e PT formam nessa fase da nossa história, uma totalidade maior, independentemente da vontade de cada um dos dois partidos.

Quero crer que o PMDB compreendeu o que estava por trás da generosidade do PSDB em querer cassar Dilma e entregar o poder a Michel Temer: um presente envenenado destinado a ser “doce na boca e amargo nas entranhas”. Aprofundei noutro artigo essa ideia.

O ganho de importância do PMDB como alicerce incontornável da legalidade, fazendo jús a sua história de agremiação que foi constituída como polo democrático e de oposição à ditadura, fortalece as aspirações eleitorais do PMDB nas próximas eleições quando pretende emergir com fisionomia própria ante o PT que há doze anos detem a hegemonia no Poder Executivo.

Antevejo que essa postura responsável do PMDB terá papel muito importante na derrocada que o PSDB sofrerá nas próximas eleições, o que ocorrerá inclusive em razão do afastamento desse partido das suas bases empresariais.

Tendo sido o maior garantidor da estabilidade política e econômica do país, salvando-o de fato do caos em que teria sido mergulhado se o impeachment prosperasse, o PMDB herdará o espólio de um PSDB desacreditado pelo seu novo rosto irresponsável, coronelista, agrário e golpista. Convertido num grande DEM o PSDB perdeu legitimidade junto aos setores da burguesia que não parecem muito inclinados a dar gás golpismo. Ponho as minhas fichas na aposta de que, tal como o DEM, o PSDB ruma para o precipício.

O PT, por sua vez, se tornou, queira ou não, devedor dessa lealdade interessada do PMDB, único alicerce a salvar numericamente o governo de um desgaste maior (a abertura do processo de impeachment) que produziria consequências danosas ao Brasil e à democracia, é certo, mas sobretudo ao PT.

Para além dessa análise de varejo, vale observar que o cenário de longo prazo, (que sustenta e dá vida a esse varejo) posiciona, apesar das vontades de cada um dos dois partidos, a aliança PMDB/PT não como uma casualidade, mas como uma inevitabilidade histórica.

Sedimentado na luta contra a ditadura, que teve como protagonistas políticos os partidos que deram origem ao DEM (ao qual o PSDB, por burrice e rancores foi assimilado), o PMDB disputa a política em cada município brasileiro contra essas forças. A chance de uma aliança do PMDB com esses partidos da direita mais atrasada e agrária é mínima. Raros são os Estados onde ocorre.

Com o PT ocorre o mesmo, e, embora também dispute com o PMDB nos grandes centros, tem em comum com esse partido os mesmos adversários. A política de alianças, bem antes de ser uma decisão de vontade, é um dado do mundo real, uma geografia antes de ser política.

Então, se o PMDB vier a ocupar o lugar do PSDB como força representativa dessa burguesia a quem a instabilidade não interessa e se ao PT tampouco interessa instabilizar o Estado de direito tão duramente conquistado, teremos alcançado uma aliança que compartilha adversários comuns e interesses estratégicos comuns.

Se isso for verdade, como creio que é, pois se trata apenas da redescoberta dos pressupostos que nos conduzem a uma aliança que já existe e governa,  devemos concluir que, enquanto essa direita agrária e colonial tiver força para disputar o poder a aliança entre o PMDB e o PT deverá ser mantida.

O que ocorrerá nas próximas eleições será a disputa pelo PMDB da hegemonia na aliança, quando apresentará candidatura própria à presidência da República.

O que os dois partidos devem entender é que se o PMDB ganha a presidência deve formar aliança para a governabilidade com o PT e se o PT for vitorioso deve formar aliança com o PMDB, como já o faz. Isso não é propriamente uma opção, é uma necessidade. Claro que para além dos dois partidos há diversos outros que também compõem o mesmo campo e dão sustentabilidade ao projeto democrático e desenvolvimentista.

Se isso ocorrer rumaremos para um ciclo virtuoso da política brasileira onde as forças nacionais e democráticas compartilharão de forma estável o poder no Estado e poderão afirmar um processo de desenvolvimento nacional soberano.

Quando essa direita agrária e colonial deixar de representar um polo real de disputa do poder no Brasil a aliança PMDB/PT não será mais necessária. Nesse dia haverá tão somente a direita, a esquerda e a arena das lutas: o Estado de direito.

Mas isso não é ainda motivo de alegria. O problema maior para o PT e para a esquerda não é tanto o de fazer alianças e estabilizar a democracia, mas o de saber profundamente o que fazer com o poder que terá e  tem no plano da sua missão histórica. O problema de amanhã, que já é o problema de hoje, é e será o de entender e desvendar as conexões entre o exercício do poder e as perspectivas que ele abre para a transição a essa sociedade futura que é a missão histórica da esquerda: o socialismo, cuja natureza também deverá ser entendida. Se não souber o que fazer vai continuar fazendo o que já faz: gerir os interesses do capital, sem visão de conjunto ou de longo prazo, sem rumo, sem tática e sem estratégia que não seja, como diz o spot publicitário, “fazer muito mais”.

Se não resolver esse enigma talvez consiga estabilizar o teatro de operações que é o Estado de direito, mas terá papel secundário e coadjuvante nesse cenário estável. Ou entende e cumpre o seu papel histórico ou definhará.

Decifra-me ou te devoro.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

5 Comentários

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  1. Conta o que você anda bebendo

    Porque o PMDB é o partido dos coronéis, do cabresto, a confederação de interesses regionais (acredito que essa definição é do Nassif ou li aqui mesmo no blog). Basta ver como coexiste dentro dele tanto Temer quanto Cunha quanto Renan Calheiros.

    O PT expurgou essas diferenças (PSOL, PSTU, PCO). Nele permaneceu Lula e os que pegaram carona no Lulismo querendo vantagens pessoais. Por que acha que Dilma é hostilizada pelo próprio PT e por que Mercadante e Cardoso não são nem ao menos defendidos pelo partido (não que mereçam) como aliás fizeram antes com Erundina e depois Marta?

    É provável que o PT não vença em 2018, o PSDB se acabe (junto com o DEM e PPS, graças aos céus!), então Marina é quem vai capitanear o voto descontente do PSDB (como já fez duas vezes), não o PMDB. A disputa será, ao meu ver, entre Marina e alguém realmente de esquerda (Ciro, ou mesmo Lula – ou ambos). Com a diferença que Marina já provou que se submete ao projeto neoliberal (portanto, de direita).

    Independente de quem ganhar, óbvio que os coronéis do PMDB, assim como os do PSD, vão aderir, pois não vivem sem ser governo.

    1. É verdade que sou um otimista

      É verdade que sou um otimista doentio, tem razão… Mas veja que nenhum outro partido conservador se dispôs a governar com o PT.

      Podemos entender como oportunismo, ou como o que for, mas a política não se ssutenta só nisso. Há megatendências profundas nesse tecnonismo político que põem o PT e o PMDB em convergência.

       

      Abs

  2. A direita já tem seu “novo

    A direita já tem seu “novo PSDB”: a Rede Sustentabilidade, um partido zero quilômetro, com discursinho engana-juventude, com ares de esquerda light, mas, na verdade, um partido de direita. Igualzinho foi o psdb.

  3. O que você chama de “direita

    O que você chama de “direita agrária e colonial” engloba o PMDB também. Olhe para os estados do norte, nordeste e centro-oeste e veja a quantidade de caciques do PMDB que lá mandam e que tem o mesmo estilo de gente do DEM e afins do PSDB. A única diferença que eu vejo entre eles é que os caciques do PMDB são frágeis em SP que é o estado preponderante para se alcançar o governo federal, justamente onde o PSDB é mais forte. Daí que ele se sujeita a dar apoio ao PT para manter seus domínios regionais. O PMDB não tem nada de desenvolvimentista, moderno, urbano, democrático ou o que quer que seja e represente a superação do latifundio. Fosse assim, já teríamos um programa de reforma agrária em andamento.

    1. Você tem razão em parte. O

      Você tem razão em parte. O problema é que o PMDB foi sedimentado pelo enfrentamento de setores ainda mais atrasados que deram ssutentação à ditadura e essa micropolítica regional ainda opõe o PMDB a esses partidos egressos da velha ARENA.

      Isso permite a existência no PMDB de personagens como Requião, por exemplo, mas não só ele, que inxistem no campo egresso da ditadura.

      Quanto ao que é direita, diria que regrupa os conservadores da vez. No fim do artigo atribuo ao PMDB também a condição de direita, veja lá.

       

      Abs

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