Palavra vira nuvem pra fazer chover o que tanto me dói, por Mariana Nassif

Palavra vira nuvem pra fazer chover o que tanto me dói

por Mariana Nassif

Onde se escondem as lágrimas daquela mulher?

É no banheiro, debaixo do chuveiro, confundindo-se com a água doce que cai parecendo que vem do céu? É no travesseiro, na calada da noite, naquela hora onde o conforto mora porque todos já foram dormir – e ninguém vai dizer “não chora, você não precisa disso”, como se houvesse alguém no mundo que não precisasse chorar vez ou outra. Nas palavras soltas em caneta manchada no infinito de linhas de um caderno quase secreto?

Ouvi dizer que caem quando faz leitura sobre quem mora dentro de si, a tal Topé*. Também andam sentindo-se à vontade para escorrer no peito do amor, com amor e um pouco de confiança, isso que ela vem ganhando em si e no outro, nos outros. Por que não falar?

“Porque quando eu choro, a palavra vira nuvem pra fazer chover o que tanto me dói”

*um conto sobre Oyá Topé, a Iansã que me escolheu e o entendimento de que sim, a potência do elemento fogo dela se equilibra em toda água que há em mim.

Ela era uma bruxa solitária. Ela é Oyá mas não é Oyá. É sem ser e sem ser é. Porque Topé é encarnação de Oyá. Topé e a mulher que nasceu com o espírito de Oyá dentro de si. Ela é OYÁ TOPÉ! 

É nebulosa, sombria.

Ela não viveu as coisas famosas que todos dizem de Oyá. Topé não conhece Sango. Topé não conhece Oyó. Topé não conhece Ogun. Topé tem sua própria vida. Ela tem muito poder. Topé é uma bruxa. Ela vivia sozinha entre as montanhas de mata densa e escura. Lugar sem nome. “Fim do mundo”.

Esu era dono do fogo.Esu era dono do azeite de Dendê. “Epo Pupá”. Esu precisava de ajuda. Esu um dia havia sido cortado em duzentos pedaços. Esu agora era duzentos Orisa. Um dos duzentos era Iná. Esu Iná era feito de fogo, ele era um fogueira ambulante e tudo que tocava queimava. Esu Iná nunca havia recebido um beijo ou um abraço. Era muito infeliz. Todos que tocavam Iná morriam! Mas ele não queria isso. Esu não era mau.

A solidão o assustava muito. Se ele entrava em uma casa, a casa pegava fogo. Se ele quisesse comer algo, antes de levar ate a boca já havia virado cinzas. Era muito ruim viver assim. 

Esu foi até a casa de Orunmilá e pediu ajuda. Orunmilá abriu Ifá e disse: “Há uma feiticeira que mora entre as montanhas, ela poderá lhe ajudar. Leve para ela azeite de Dendê, um feixo de búzios e a chame pelo nome de Oyá”

Esu agradeceu e foi rumo as montanhas. Esu chegou até a casa de Oyá Topé e a chamou para fora. A casa era de barro e madeira, Esu Iná não podia entrar. Oyá Topé saiu para fora e ele a viu. Era linda, misteriosa. Ela disse: “Quem me chama?”. Esu Iná respondeu: “Sou Esu, venho a mando de Ifá pedir ajuda”. Oyá Topé então ouviu a história de Esu Iná. 

Ela pensou e pensou… Entrou em sua casa e trouxe uma capa de couro de búfalo. Um couro negro e brilhante. Esu olhou para aquilo e disse: “Se eu tocar nisto há de pegar fogo.” Topé disse: “Este não é um couro de búfalo comum, este e meu couro. Eu sou um búfalo, eu sou Obirin-Efon, a mulher búfalo.”

Oyá Topé lançou o couro sobre Esu e o fogo de Esu apagou. Ele se vestiria agora com o couro do búfalo e seu fogo cessaria. Esu deu a Oyá um grande garrafa de Azeite de Dendê e muitos búzios.

Mas Oya pediu a ele um pedaço de sua pele. Esu deu uma tira da pele de seu braço. Oya deixou a pele cair dentro do dendê. O dende explodiu em fogo. Topé entrou no fogo e o absorveu! Ali Topé aprendeu a gerar fogo com o poder de Esu.

Muitos dizem “Topé é Esu mulher”, por isto. Oyá Topé agora vive com Esu. Os dois como nômades pelos mundos. Topé dança nos incêndios!

Eepa Heyi Oyá Topé!

 

Mariana A. Nassif

4 Comentários

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  1. “Esu Iná era feito de fogo,

    “Esu Iná era feito de fogo, ele era um fogueira ambulante e tudo que tocava queimava.”

    Grato menina. Eu não sabia que o Homem Tocha do Quarteto Fantástico tinha nascido na África. 

    https://www.youtube.com/watch?v=nhzKA_y-QeA

    O que mais os vagabundos que fazem HQs gringas roubaram do patrimônio cultural africano?

  2. conto muito lindo…

    quanto ao roubo do patrimônio cultural.

    gostaria de acrescentar que ainda hoje roubam também o “sangue vegetal”………………………………..

    não lembro dos nomes ou se há rituais específicos, mas sei, por que já precisei, que são o Senhor e a Senhora das Ervas, Raízes e das Sementes os que ainda guardam a importância vital

    Uma vez, quando me perdi por ter deixado anoitecer a floresta que existe entre Santana e Pessegueiros, zona rural de Teresópolis, sem dela sair, fui salvo e curado de todas os ferimentos do meu corpo numa só noite de permanência nos seus “domínios”, como Ela chamou. Ao lembrar depois, considerei como Domínios dos Sonhos

    Quem é Ela exatamente, ou o que é, até hoje não sei e procuro descobrir…………………………………

    a que mais se parece, vem de um conto que já li por aí sobre uma que viveu sobre a proteção dos galhos de um Salgueiro, que li, voltei para ler novamente, mas não estava mais lá, nem o conto nem o site, o que me faz seguir  ainda perdidão

     

     

    1. carinho em retorno

      Professora, obrigada por todos os comentários, toda atenção, todo carinho. Eu mal respondo por aqui porque é um combinado comigo mesma, o de não me engajar muito nestas conversas – algo que estou alterando, experimentando devagarzinho, vamos ver onde vai dar. Obrigada pelos comentários, pelo envolvimento e pela poesia deixada. Beijos, seguimos. 

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