Uma visão de uma grande parte da Itália sobre as Mani Pulite

por Rogerio Maestri

Uma visão de uma grande parte da Itália sobre as Mani Pulite

Vou colocar uma tradução do texto do filósofo italiano Diego Fusaro, que junto com parte da inteligência italiana, verificaram meio que tardiamente o desastre da operação “Mani Pulite”, quem ler vai verificar que as semelhanças são incríveis, e espero que o resultado não seja o mesmo.

Texto introdutório, quem quiser completo veja em http://www.informazionelibera.net/mani-pulite-fu-un-vero-colpo/

“Mani Pulite” foi um golpe verdadeiro.

por Diego Fusaro.

“…..

Eu serei telegráfico, expondo minha tese de forma apodítica[1] (por meio de puro raciocínio), isto está melhor documentado em: ““Il futuro è nostro. Filosofia dell’azione” (Bompiani 2014, cap. VI). ” Mani Pulite”, com todo o devido respeito à retórica edificante e tipo “mingau do coração[2]” para as belas almas, foi na realidade um golpe que permitiu o abandono do estado do bem-estar social e as formas políticas que, embora muito corruptas, ainda assim colocavam a comunidade humana na vanguarda e suas necessidades concretas, educação e saúde garantidas e certamente não o mercado soberano e absoluto.

A lógica dialética do desenvolvimento capitalista é a extensão progressiva em forma de mercadoria a todas as esferas e, ao mesmo tempo, a destruição de todos os limites que se opõem a este movimento: “todo limite é um obstáculo para o capital”, como Marx já sabia. O capital então prossegue para superar os obstáculos, para impor a forma mercadoria em todos os lugares, de modo a resultar que cada célula da realidade seja completamente reificada[3].

Agora, na “primeira república”, que tinha certamente corrupção (o que eu não sonho de negar ou mesmo de reduzir o tamanho)! Mas ainda havia um governo inspirado em valores que não coincidiam com os do mercado e, de fato, potencialmente capaz de assumir uma posição contra o mercado. A Democracia Cristã e Partido Comunista Italiano, embora muito diferentes, foram unidos por uma atenção ao social, que hoje desapareceu por todo o horizonte, à direita e à esquerda. O fanatismo econômico teve que quebrar tudo isso, para substituí-lo por uma política que não era senão a continuação da economia por outros meios.

Foi o que, precisamente, “Mãos Limpas” tornou possível. Não foi possível fazê-lo através de um golpe militar aberto, assim como os EUA não podem bombardear as pessoas exibindo a verdadeira razão, ou seja, o domínio criminoso almeja o mundo imperialista. E, assim como os EUA, de 1989 até os dias de hoje (da qual eu e Costanzo Preve[4] definimos como a “quarta guerra mundial”), eles, das “Mãos Limpas”, bombardearam em nome dos direitos humanos e da liberdade, da democracia e da humanidade, tanto os “direitos sociais destruídos e uma política que ainda não foi totalmente subordinada à economia, isso foi feito em nome da luta contra a corrupção e justiça, honestidade e moralidade.

“As Mãos Limpas” fizeram isto, isto é, encontrando o apoio de uma opinião pública habilmente pilotada e, além disso, imbecilizando através do circo da mídia e do clero jornalístico, através de slogans como “luta contra a corrupção” e “honestidade”; slogans que, imediatamente encontrando o consenso universal, fizeram os italianos consentir e, além disso, queriam a destruição da própria Itália como um país soberano e ainda não totalmente submisso ao fanatismo econômico.

O grau de hipocrisia era, grosso modo, o mesmo que costuma encontrar nas políticas externas dos EUA: a luta contra a corrupção tornou-se o motivo beligerante para destruir o estado, a política e os direitos sociais conquistados e, portanto, abrir o ciclo fatal da privatização. em nome do dogma sagrado – ainda hoje repetido nas homilias neoliberais – de competitividade na ausência de laços e armadilhas do Estado.

De outra forma, os EUA continuam a usar ditadores farpados como pretexto para massacrar os povos (Iraque, Líbia, etc.), sempre em nome – citando Preve – do intervencionismo humanitário, o bombardeio ético e o embargo terapêutico. Este é o ponto. Foi necessário implementar a chamada “revolução liberal”, ou seja, a privatização neoliberal de toda a sociedade, com a corporativização social, a remoção dos direitos sociais (substituídos pelos direitos civis, levantados apenas aos direitos existentes), a destruição da política, a substituição de políticos por mordomos da financiamento e antigo capitalismo europeu dotado de estado de bem-estar social, com o capitalismo selvagem americano sem direitos e garantias.

Assim fez as “Mani Pulite”, com todo o devido respeito às grandes narrações repetidas de urbi e orbi de propaganda oficial, as “Mani Pulite” foi um golpe de estado judicial e extraparlamentar com o qual, de forma consistente com a nova política global, começou a destruir o legado de um estado keynesiano prematuramente, embora com a corrupção.

Assim, no consenso e no triunfo de cenas patéticas como a do lançamento de moedas para Bettino Craxi, o irresistível ciclo de políticas intercambiáveis de centro-direita e centro-esquerda abriu, em uma alternância sem alternativa, na qual ganhar foi sempre e somente o mercado, sempre e somente o nexo da força capitalista, sempre e apenas o fanatismo da economia. A partir daqui, é necessário refletir novamente, para entender os acontecimentos dos últimos vinte anos, o plano inclinado que nos trouxe


[1] Apodítica=Lógica, necessariamente verdadeira, quer por evidência, quer por demonstração.

[2] Referência ao texto de Hegel em que o mesmo utiliza a expressão mingau de sentimentos da retórica jurídica (in den Brei des »Herzens, der Freundschaft und Begeisterung« zusammenfließen zu lassen.) Grundlinien der Philosophie des Rechts 1820 Hegel, G.W.F.

[3] Reificação, (alemão Verdinglichung) literalmente: “transformar uma ideia em uma coisa”. No marxismo forma particular de alienação característica do modo de produção capitalista. Coisificação.

[4] Costanzo Preve, filósofo, ensaísta , professor e cientista político italiano de inspiração marxista e neo-hegeliano, que faleceu em 2013.

 

Redação

18 Comentários

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    1. É o contrário. O importante é
      É o contrário. O importante é atender ao mercado. Se não atende será utilizada alguma desculpa qualquer: Corrupção, ditadura, concorrência desleal, tanto faz.
      O fanatismo de mercado não tem limite e não se importa com nada, apenas busca desculpas para destruir o que não convém ao mercado.
      Se segue os preceitos do mercado, pode roubar à vontade.

      1. Quando utilizam a expressão, “a mão invisível do mercado”…….

        Quando utilizam a expressão, “a mão invisível do mercado” fica claro que não são científicos, são religiosos adeptos da seita do deus mercado.

        1. O problema é que ela pode ser comprovada

          Acreditar em um deus é uma questão de fé, mas a existência da mão invisível do mercado pode ser comprovada por qualquer um que necessite uma mercadoria e a encontre sem precisar dar muitos passos. Se uma coisa pode ter sua existência comprovada, então não se trata de religião.

    2. Pensamento precário !

      Se o mercado  é inspirador dos valores do governo e estes  coincidem, então pode roubar, matar e excluir, que tudo lhe é permitido!

        1. Não tem dicotomia, a corrupção faz parte do capitalismo.

          Não quer dizer que um sistema que se propõe ser socialista que não haja corrupção, mas é impossível dizer que um sistema capitalista sobreviva e cresça sem corrupção, é o seu óleo lubrificante.

          1. E a válvula de escape do socialismo

            A corrupção é o óleo lubrificante do capitalismo e a válvula de escape do socialismo. Em todos os países socialistas vicejou o mercado negro alimentado por ítens desviados das fábricas e mercados estatais. Assim se gestaram as máfias, ocultas pela opaca burocracia do regime. Quando o socialismo acaba a podriqueira toda vem à tona, tal como uma cozinha infestada de baratas onde alguém acende a luz de repente. Aí dizem que foi o capitalismo que produziu as máfias. Ora, existe leite em pó instantâneo, mas não existe máfia instantânea.

    3. Onde está escrito isto?

      Apesar de no artigo não ter uma afirmação deste tipo (salvo que não entendeste nada, coisa que acontecem com mentes obtusas).

      Primeira coisa, quem rouba não é o governo, para ele chegam as migalhas, mesmo assim aqui no Brasil, onde as empresas nacionais estão sendo substituídas pelas empresas internacionais, e os empregos, lucros, dividendos e até os luxos dos diretores são todos transferidos para o exterior, se fosse adotado princípios pragmáticos, em termos de riquesa nacional elucro para a população em geral, o roubo de empresários nacionais que ficam no país é infinitamente (INFINITAMENTE falando em termos matemáticos e não uma forma de expressão) melhor para o país do que do internacional.

      Agora se fosse feito um combate criterioso, sem escândalos, sem prejudicar a imagem das empresas (coisa que é feita em todos os grandes países capitalistas do mundo, USA, Alemanha…..) aí só haveria benefícios,

      1. Nas entrelinhas

        Onde está escrito isso? Nas entrelinhas. O artigo mostra um tom saudosista com o sistema político antigo onde a corrupção não era combatida, mas tampouco se guiava pelos ditames do mercado, e desalento com o sistema político posterior à Mani Pulite, onde a corrupção é combatida, mas o governo (supostamente) se entrega aos ditames do mercado. Ninguém precisa escrever  a conclusão: entre corrupção e sujeição ao mercado, o melhor é corrupção, certo? Isso de deixar os argumentos no ar sem enunciar textualmente a conclusão é um velho truque de quem não quer fazer afirmações categóricas, e deixar uma rota para sair pela tangente.

        Achei sem sentido a sua argumentação sobre o roubo por empresas nacionais ou internacionais. A meu ver, o roubo é prejudicial na medida em que desvia recursos de finalidades públicas para finalidades privadas. O roubo por parte de empresas estrangeiras é pior porque o dinheiro é aplicado fora do país? Mas o dinheiro roubado por empresários nacionais também pode ser direcionado ao exterior, e geralmente é isso o que acontece, vai para paraísos fiscais. Capital não tem pátria.

        E também não sei porque você diz que empresas estrangeiras estão substituindo as nacionais. Que eu saiba, o país está em recessão, e nem empresas nacionais nem estrangeiras estão recebendo contratos. Pelo menos no meu trajeto de casa para o trabalho, não estou vendo cartazes de empresas estrangeiras executando obras.

        1. Meu caro, o que está escrito nas entrelinhas já é difícil ……

          Meu caro, o que está escrito nas entrelinhas já é difícil de responder quando a pessoa mesmo que escreve o artigo e reponde, sugiro que faça um curso de italiano e vá perguntar para o Fusaro o que ele escreveu nas entrelinhas.

          O que posso dizer é o que está escrito é o que é.

          Quanto a última frase, vou te dizer, estás R E D O N D A M E N T E enganado, há a penetração de empresas estrangeiras até no ramo da construção civil corrente. Tenho informações diretas de EMPRESÁRIOS que já estão notando isto, não fico olhando em cartazes, deixa de ser tosco.

    4. Acho que errou de endereço

      aqui não é facebook ou whatsapp. É costumo aqui ler com cuidado e tentar entender o texto.

      No popular: usar o cérebro e não o figado

      1. Tem gente que gosta de sofrer.

        Acostumados com ambientes acríticos, escrevem qualquer coisa, e acham que todos aqui vão dizer:

        – Que mimoso, ele já sabe escrever uma frase completa, pode até entrar na Academia na vaga do Merval, é só esperar.

  1. Ao esboçar o preâmbulo da

    Ao esboçar o preâmbulo da Lava Jato, Moro deixou claro como este pais seria destruido. Para isso se fixou em dois pontos, que obedeceu cegamente:

    1- Aliança com a midia, com a Globo passando a atuar como parte e protagonista do processo, com direito a filme contra o Lula, o A |Lei é Para Todos(menos para tucanos)

    2- Destruição da economia nacional, com a entrega das nossas riquezas aos paises concorrentes e grandes corporações estrangeiras, que no documento ele Moro chama, de forma cínica, de “desnacionalização”…

    https://jornalggn.com.br/noticia/historia-do-golpe-como-a-lava-jato-foi-pensada-como-uma-operacao-de-guerra-por-luis-nassif

  2. Ipsis litteris com o que se passa no Brasil

    “As Mãos Limpas” fizeram isto, isto é, encontrando o apoio de uma opinião pública habilmente pilotada e, além disso, imbecilizando através do circo da mídia e do clero jornalístico, através de slogans como “luta contra a corrupção” e “honestidade”; slogans que, imediatamente encontrando o consenso universal, fizeram os italianos consentir e, além disso, queriam a destruição da própria Itália como um país soberano e ainda não totalmente submisso ao fanatismo econômico.

    Em um dos capitulos de As origens do Totalitarismo Hannah Aradent fala das massas manipuladas pelas elites para servir à seus interesses. 

    1. Faltou explicar

      Só faltou explicar, se as origens do totalitarismo pesquisado por Hannah Arendt residem na manipulação do povo pelas elites, então por que os grandes líderes totalitários do século 20, Hitler e Mussolini, não eram membros da elite, mas homens do povo exibindo um discurso populista?

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