Uma pausa para lembrar outras Copas do Mundo

José Miguel Wisnik (um dos pensadores do futebol que eu gostaria de ver na próxima Bienal do Rio) está certo quando escreve que a seleção de 70, a do tri no México, pouco ou nada tinha a ver com a ditadura que, na época, dominava o Brasil com o peso de seus coturnos. Vivi de perto – ao lado de José Trajano, Roberto Porto, Fernando Calazans, Márcio Guedes, Toninho Neves, Jorge Arbex, o falecido Ricardo Alvarez, para só citar jornalistas ligados ao futebol – todo aquele período. O que me permite dizer que poucos podem falar daquela Copa do Mundo, da queda de João Saldanha à vitória sobre a Itália, com o mesmo conhecimento.

É verdade que muito da ditadura se fez presente na história daquela conquista. Na propaganda, por exemplo. Na forma como se estendeu ao futebol a máxima “ame-o ou deixe-o”. Ou no aproveitamento pelos homens da frase criada, ao que consta, para o futebol: “Ninguém segura este país”. O general Medici, muitas vezes com o radinho de pilha colado ao ouvido, deve tê-la repetido para valer, referindo-se aos tricampeões e, ao mesmo tempo, à ditadura que chefiava.

Foi por isso que muita gente começou torcendo contra. Ou tentando torcer contra. Até que percebeu que o futebol solto, alegre, inventivo, de Pelé, Tostão, Gérson, Carlos Alberto, Rivelino e companhia, no qual a capacidade de criar superava qualquer disciplina tática, não podia ter se inspirado nos limitadores regulamentos da caserna. Por mais militarizada que fosse o comando daquela seleção, seu chefe, seus preparadores físicos e seu sinistro segurança, em vez de inspirar os tricampeões, ele simplesmente os explorou.

Ouvi outro dia, de um cientista social (pensador que não gostaria de ver na Bienal), uma observação no mínimo estarrecedora: muita do êxito brasileiro teria se devido ao nosso “bom planejamento”, este sim, de inspiração militar, incluindo a preparação para jogar na altitude mexicana e as modernizações introduzidas na preparação física dos jogadores. É incrível que ainda haja que pense assim.

A verdade é que até mesmo quem começou a torcer contra acabou vibrando com aquela que talvez seja a melhor seleção de toda a história do nosso futebol. Comovente, por exemplo, é o depoimento de Gilberto Gil, então exilado em Londres. Também ele começou a torcer contra, até que um dia, saindo de casa, deparou-se com o nome de Rivelino pintado num muro do bairro. Isso mesmo, num bairro de Londres.

Wisnik está certo quanto a 70. Já quanto a 74, permito-me discordar. Foram as ausências dos quatro primeiros dos cinco craques citados acima, e não uma “mentalidade tecnocrática e autoritária ligada à ditadura”, que levou a seleção brasileira a tropeçar no carrossel holandês e, como diria o João, “ir pro brejo”.

Redação

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