E Quem Pensa no Haiti? E Quem Reza pelo Haiti?

 

E Quem Pensa no Haiti? E Quem Reza pelo Haiti?
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E o Ayiti, bem longe dos holofotes, acaba (em 20/03) de sofrer mais um deprimente Golpe-de-Estado na sua história, agora na versão 3.0.

Forçaram até não poder mais para que houvesse uma eleição, última das prioridades trazida para o topo das urgências.

Já em 13 e 14 de janeiro de 2010, sob a poeira que não se assentara e em meio aos cadáveres que nem ainda estavam todos mortos, a Secretária de Estado Hillary Clinton já clamava pelas tais eleições absurdas em meio ao caos.

O Exmo. Sr. Presidente Préval, presidente-refém como todos os outros, de um estado amputado, ao governo sequestrado de uma nação (das mais dignas, altivas e honradas que tenho notícia) secularmente violentada, era por demais ligado em seu passado (ainda que já distante) a certas causas e movimentos mais independentes.

E um presidente-refém e, portanto, insatisfeito, nunca seria tão benéfico (para o povo Aysién é claro) quanto uma Presidente devidamente adestrada.

Pois preparou-se, finalmente, o 1º turno sem antes, entretanto, que fosse devidamente impedida a participação dos exatos maiores partidos de imensa maioria e representatividade política e popular como o Fanmi Lavalas e continuar o impedimento da volta do duas vezes eleito e amado e deposto Presidente Jean-Bertrand ‘Titide‘ Aristide (que já se tornara um refém também ainda Presidente, porém um refém sempre pronto para mobilizar seu próprio resgate).

Enquanto, “Titid” parecia eternamente condenado a seu “exílio” a convite do Governo da África do Sul, o empregado estadunidense e “grand benefacteaur” do país Baby Doc esteve por lá.

Finalmente, tivemos um 1º turno sem os maiores partidos, a maior liderança e, por conseguinte, menos de 20% de comparecimento às urnas e menos de 16% do universo eleitoral considerado como votos válidos. Num dia de eleições marcado pela coerção sob todas as formas.

Não satisfeitos, os Senhores do Norte (que vêm Norte em todo lugar), usaram a comissão de acompanhamento eleitoral do seu velho braço doente chamado OEA – que espero ver um dia curado pelo nosso remédio UNASUR – resolveu, sem nenhuma base científica, impugnar o segundo candidato mais bem votado, exatamente o candidato do Presidente René Préval que chantageado ao extremo acabou tendo que ceder.

E tivemos um 2º Turno com a viúva de um ditador concorrendo contra uma cantora sem nenhum passado político.

E seja qual for o resultado, o resultado pouco importará pois o resultado terá sido o mesmo:

a) Os EUA continuarão tranquilos frente à ausência de quaisquer ameaças quanto a condicionamentos ou cobranças pelo trânsito de navios de grande calado através da ÚNICA passagem existente no Caribe para os navios que cruzam o Canal do Panamá rumo à Costa Leste dos EUA, exatamente pelo Windward Channel entre Guantánamo em Cuba e Port-de-Paix no Ayiti;

b) Os empreiteiros dos “Amigos do Haiti” continuarão negociando seus contratos para a remoção de escombros (avaliados em mais de meio bilhão de dólares), para a reconstrução de uma Port-au-Prince à prova de terremotos sem igual nem no Japão, para a produção do nada e a necessária construção da infraestrutura necessária para levar o nada ao lugar nenhum;

c) A magnânimas empresas dos “Amigos do Haiti” aproveitarão os benefícios fiscais de importação oferecidos por Estados Unidos da América e outros países, e continuarão a procriar novas “neo senzalas” sobre o solo sagrado de Saint Domingue (nome colonial do Haiti). A moratória tarifária geral, como proposta direta da Organização Mundial do Comércio, proposta pelo então Exmo. Sr. Ministro Celso Amorim, foi solenemente ignorada.

d) A “terrorista” Cuba, agora sob o patrocínio da “ditatorial” Venezuela, continuará incólume a construir, o que já vinha fazendo sozinha desde antes do terremoto, a única coisa que interessa prioritariamente que são o Sistema de Saúde INTEIRO e o Sistema de Educação COMPLETO de toda a Ripiblik d’Ayiti sem pedir nenhuma contrapartida, num investimento já avaliado (como gasto efetivado) até o momento – mas jamais divulgado fora dos 03 países – em cerca de 1 Bilhão de dólares (calculados sobre parâmetros de custos cubanos muito inferiores a quaisquer outros praticados no Ocidente);

e) Os bilhões de dólares generosamente doados por cidadãos do mundo todo e, em particular, com imensa demonstração de grandeza solidária, pelos próprios cidadãos estadunidenses, continuam perdidos quando não desaparecidos em meio à burocracia e outros meandros do formigueiro de ONGs e Agências de Cooperação Bilaterais e Multilaterais que já estavam instaladas e decuplicaram na “República Não-Governamental” pós-terremoto;

f) Enquanto cerca de 1 milhão de haitianos vivem em acampamentos sub-humanos, enfrentando ainda seu repentino por vezes desalojamento de “propriedades privadas” nascidas por “milagre” das lascas de documentos soterrados, outros 8 milhões de cidadãos  sub-sobrevivem em miséria absoluta mais uma vez à mercê como dantes da anual, prevista e sempre subdimensionada temporada de inundações seguida da temporada de furacões que seguirá;

g) Enquanto centenas de cidadãos e movimentos populares se debatem para, antes de participar, ao menos ter acesso aos fóruns, debates e documentos – sobre a reconstrução de seu próprio país – sempre conduzidos ou escritos, como as próprias leis do país, em francês, inglês e até espanhol mas quase nunca no UNICO idioma que mais de 85% da população domina, o Ayisien Kréyol;

h) Enquanto tantos abusos acumulados, dentre os quais o terremoto de 12 de janeiro de 2010 foi apenas mais um e não mais importante que o acumulado dos demais, vão nutrindo e alimentando no seio de um dos povos mais resilientes, independentes, briosos, altivos e combativos de toda humanidade, uma bomba-relógio sem hora marcada para explodir mas que, no entanto, explodirá. E bem no colo dos nossos soldados brasileiros. E estaremos, pelo andar da carruagem, do lado errado. O que temos que mudar sem, no entanto, nos ausentarmos e deixarmos o povo do Haiti à míngua, à mercê de uma outra alternativa que qualquer que seja provavelmente será ainda pior.

Que nos salve Bondyié e o que restar de Teologia da Libertação e liderança pacificadora e digna no coração que ainda reste ao Exmo. Sr. Presidente ‘Titide’, já permitido em solo haitiano (depois de toda desgraça consumada é claro).

Que nos salve e ao povo abandonado de seu país este mesmo Presidente que foi vítima do Golpe-de-Estado (versão 2.0) quando foi convidado em Palácio pelo Embaixador dos EUA cercado de seguranças militares, para uma reunião sobre a Segurança Nacional e viu seu comboio passar direto pela Embaixada, seguir rumo ao aeroporto e, depois de assistir à troca de farda de parte dos seguranças por uniformes das US Armed Forces, seguir num voo “sem destino” de mais de 10 horas e ser “desovado” em meio à República Centro-Africana onde foi recebido pelas autoridades do país (que não mantinha relações com os EUA por ser uma “ditadura”), enquanto era declarado pelas autoridades dos EUA como “persona non grata” em todo o Hemisfério Ocidental.

Que nos salve o que restar de Teologia da Libertação e liderança pacificadora e digna no coração que ainda reste ao Exmo. Sr. Presidente Jean-Bertrand ‘Titide’ Aristide.

E que nosso país e que nosso Governo reaprenda a se alinhar ao lado certo.

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LINKS:
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Carta aberta de Noam Chomsky, Tariq Ali, Slavoj Žižek, Ramsey Clark, Brian Concannon, Danny Glover, Greg Grandin, Peter Hallward, Joia S. Mukherjee (Partners in Health) et. al clamando pela não interferência dos Estados Unidos, França e Canadá e pela anulação das eleições (1º turno) ilegítimas forçadas no Haiti.

Justice for Haiti: Beyond Aid and Debt Forgiveness (um apanhado histórico sobre o Haiti e suas catástrofes nada naturais)

Haiti: Relief and Reconstruction Watch (blog referencial de monitoramento sobre a “Reconstrução”)

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Axé
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Neg Mawon Pap Jamn Kraze

Redação

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