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Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas
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8 de março: a agenda das mulheres no contexto internacional, nacional e local, por Clarice Misoczky de Oliveira e Vanessa Marx

Este artigo busca contribuir para o debate colocando alguns pontos para pensar essa agenda em sua diversidade.

8 de março: a agenda das mulheres no contexto internacional, nacional e local

por Clarice Misoczky de Oliveira e Vanessa Marx

Hoje, Dia Internacional das Mulheres, é um momento de mobilizações para visibilizar a agenda da diversidade das mulheres em suas lutas e opressões que ocorrem em diversas escalas. Este artigo busca contribuir para o debate colocando alguns pontos para pensar essa agenda em sua diversidade.

A diversidade consiste em respeito aos corpos das mulheres negras, indígenas, brancas, trans, imigrantes, refugiadas etc., em um mundo em conflito constante de guerras e opressões contra as mulheres, não seria possível universalizar as pautas, mas combiná-las em um denominador comum: ser mulher em alguma cidade no mundo em 2024.

Em consonância com isso, fazemos eco às mulheres que sofrem e morrem em territórios de conflito, pois são elas, junto às crianças, as mais vulneráveis em situação de guerra. Mulheres que muitas vezes não veem outra saída senão deixar seu próprio território.

Nesse sentido, carecemos da promoção de políticas públicas de acolhimento para as mulheres refugiadas e imigrantes em nosso território. Olhar a política externa brasileira desde uma perspectiva de gênero é um tema ainda muito incipiente, mas importante de ser considerado, não só como um direito à vida das mulheres, mas também como reconstrução de cidades e territórios devastados pela guerra.

Outra questão global importante e que atinge diretamente as mulheres é a da emergência climática. No âmbito nacional, precisamos olhar para essa pauta em conjunto com a precariedade ou ausência de moradia digna no Brasil. O déficit habitacional e a existência de habitações em situação de risco, tanto em termos climáticos quanto de segurança pública, são alarmantes para um país que volta a figurar entre as 10 maiores economias do mundo.

Os efeitos dessa desigualdade (Brasil é o 14º no ranking mundial dos países mais desiguais) em conjunto com os desastres climáticos recaem de maneira também desigual sobre as mulheres de periferia, em situação de vulnerabilidade social. Temporais, enchentes, ciclones e deslizamentos de terra têm sistematicamente causado dificuldades extremas para as mulheres, em sua maioria responsáveis pelas residências, que vão desde reconstrução da moradia a perdas irreparáveis de familiares e amigos.  Estamos falando de mulheres que vivem para cuidar de suas famílias, através de uma luta cotidiana por alimentação, trabalho, segurança, educação e saúde. Mas quando não há um lar digno, um teto, um abrigo, um lugar seguro para chamar de seu, a luta pode ser inglória.

Nesse sentido, é necessário um olhar atento às mulheres que vivem nas periferias brasileiras e em áreas de risco.  O retorno do Ministério das Cidades é, sem dúvida, uma vitória. A criação da Secretaria das Periferias ainda mais. Nesse novo caminho também é preciso alinhar a pauta racial e de gênero. A integração interministerial – Cidades, Mulheres e Igualdade Racial – é fundamental para o avanço de uma cidade pensada para mulheres, uma vez que é no cotidiano das urbes brasileiras que se apresentam os contextos mais desafiadores.

No contexto local, o aprofundamento do neoliberalismo e da financeirização tem se espalhado pelas capitais brasileiras. O setor da construção civil “doar” planos diretores país afora é a expressão da tentativa de interesses individuais se sobressaírem aos de interesse público. Neste contexto, a agenda urbana feminina fica apagada frente aos enormes desafios e disputas impostos pelos interesses do capital imobiliário.

Este ano teremos além das eleições municipais, a realização da 6º Conferência Nacional das Cidades que contará com etapas estaduais e municipais. O tema da Conferência é Construindo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: caminhos para cidades inclusivas, democráticas, sustentáveis e com justiça social. Trata-se, portanto, de um ano de oportunidades para que a pauta das mulheres seja incorporada na agenda dos municípios do Brasil. Faz-se urgente e necessário pensar o planejamento urbano a partir da perspectiva de gênero e raça. Para tanto, chamamos atenção para três pontos:

1) a representação de mulheres nos espaços de poder e tomada de decisão;

2) a participação das mulheres nos espaços de participação social – orçamento participativo, revisão de planos diretores e conselhos nacionais, estaduais e municipais;

3) a integração da agenda urbana de mulheres de periferia na política pública urbana municipal.

Em relação à incorporação da agenda das mulheres de periferia, o nosso lugar de fala vem a partir de experiências de pesquisa e extensão que compartilhamos com estas mulheres no território, na cidade de Porto Alegre. Para o debate, destacamos a necessidade de que as mulheres possam andar seguras pelas ruas e avenidas do bairro e a falta de investimentos em espaços públicos, como parques e praças, para atividades de encontro e lazer entre mulheres. Destacamos também a necessidade de espaços de educação nos mais variados níveis, de modo que as mulheres possam deixar seus filhos para ter condição de ingressar e permanecer no mercado de trabalho. Além disso, a segurança pública é uma questão relevante, uma vez que os locais de entrada da polícia são os identificados como os menos seguros por mulheres que vivem em áreas dominadas pelo tráfico de drogas. A segurança pública precisa ser abordada de outra maneira, que não acabe com a vida de trabalhadoras e suas famílias.

Como é possível perceber, as escalas se entrelaçam e os impactos globais são percebidos localmente. Aqui apresentamos alguns elementos para reflexão, certas de que não se esgotam aqui. A questão regional e as diferentes escalas dos municípios abrem muitas outras frentes de discussão, por exemplo. Contudo, apontamos que, seja onde for, precisamos estar atentos, pois neste lugar existirão mulheres que merecem condições dignas de viver, mas que ainda muito lhes falta. O caminho é longo, mas nosso desafio é seguir sensibilizando sobre a necessidade e a importância de considerar as dimensões de gênero e raça em nosso cotidiano, na formulação de políticas públicas e na agenda urbana de nosso país.

Clarice Misoczky de Oliveira é professora do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Copresidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul (IAB-RS). Conselheira no Conselho Nacional das Cidades. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre e membro da rede BrCidades.

Vanessa Marx é professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre, do Projeto de Extensão Mulheres e Cidades e membro da rede BrCidades.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas

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