Como identificar os sinais tóxicos na família e lidar com isso? Vera Iaconelli explica à TV GGN

Carla Castanho
Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN
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"Olha, isso aqui não tá legal, não tô gostando, isso serve para qualquer relação", ilustra a psicanalista em entrevista exclusiva

O recente caso de relacionamento familiar abusivo vivenciado e relatado pela atriz Larissa Manoela deu luz a um assunto polêmico por envolver aqueles que estão à nossa volta – pais, familiares e amigos. 

Em entrevista à TV GGN, a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade”, “Criar Filhos no Século XXI”, e o livro a ser lançado em setembro “O Manifesto anti-maternalista”, explica como identificar os sinais de toxicidade na família e o caminho mais indicado para lidar com a situação.

Como identificar os sinais?

Segundo Iaconelli, os sinais tóxicos partem do momento em que alguém exige aquilo que o outro não quer fazer, ao “forçar a barra em qualquer nível”, seja no âmbito sexual, físico e psicológico. 

“Eu acho que a gente identifica quando a gente percebe que nessas relações, nas diferenças, expectativas, diferentes crenças, isso não está sendo respeitado em várias formas de violência, né?”, compartilha.

De acordo com a psicanalista, a identificação pode ser feita através dos sintomas de sofrimento apresentados pela figura familiar, que podem resultar em um adoecimento. “A toxicidade vai aparecer a partir do mal-estar”. 

Em relação às crianças, é necessário um entendimento sobre o cenário no qual o pequeno está inserido, seja no âmbito familiar ou no escolar, para que assim se identifique a raiz do problema e não deixe margem para dúvidas. 

“A gente precisa entender se a criança não está lidando bem com a vida dela, a vida escolar, os amiguinhos, enfim, ou se é alguma coisa no seio da família que está colocada por intolerância, por impossibilidade de lidar com a diferença”, pontua Vera.

Um exemplo disso é a falta de compreensão dos pais ao trocar o filho de escola. A mudança pode resultar em dificuldades de adaptação ao novo ambiente,  o que deveria ser motivo de conversa e negociação entre as partes envolvidas. 

“E aí a criança não se adapta de jeito nenhum. ‘Olha eu não tô feliz nessa escola’. Vai rolar o que? (…) Sem uma negociação a coisa não vai de jeito nenhum, e ela pode acabar adoecendo, ou seja, é nesse momento que a gente vai perceber que a autoridade dos pais pode se tornar autoritarismo”.

Minar a autoestima da criança ou jovem ao dizer que ele não está dentro dos padrões – padrão idealizado pela ignorância e preconceito dos pais – é também um aspecto irrefutável de abuso. 

“Dizer que ela é feia, que ela é burra, que ela é gorda, enfim, a gente tem vários ataques e violências dentro da família que são formas de mostrar que há uma relação tóxica com seus elementos, né?”

Como lidar?

O diálogo é o primeiro passo para expor aos pais ou familiar o que há de errado na relação. Contudo, o caminho não é fácil. 

“Uma barreira mais saudável, seria aquela em que um chega pro outro e fala ‘Olha isso aqui não tá legal, não tô gostando’, isso serve para qualquer relação, mas se essa barreira não é escutada a gente costuma partir para o adoecimento”, esclarece Vera Iaconelli.

No caso dos pequenos, a solução é mais complicada porque a comunicação nem sempre é assertiva. Apesar de atitudes espontâneas que vem desde muito cedo, ao recusar comida ou mesmo reter necessidades fisiológicas, o “limite que as crianças impõem não é suficiente”. 

Segundo Iaconelli, “as barreiras que elas fazem com o próprio corpo, se negando a responder às demandas dos pais”, também é um sinal de descontentamento com o convívio familiar. 

Na fase adulta, impor limites e “sair do guarda-chuva dos pais”, são decisões indiscutíveis e inadiáveis, que podem fazer com que a vítima, ao sair da bolha tóxica, entenda todo o ciclo pelo qual passou por anos. 

Desvincular

Quando se fala de casos extremos, seja violência física, sexual ou psicológica, o correto é se desvincular por completo dos pais abusadores, a guarda das crianças e adolescentes deve ser tomada e o jovem adulto buscar autonomia e gerenciar sua própria vida, longe do ciclo abusivo.

Algumas relações têm que ser interrompidas, sim (…) ter a referência de um pai, mãe, mesmo que comprometida é uma coisa, agora conviver é outra”. 

Além disso, o papel de alguém envolvido na situação abusiva, também deve ser ativo. “Se você não impede você faz parte do problema e não da solução, né?”, defende Vera.

Satisfação desde cedo

Sobre o caso relatado pela atriz Larissa Manoela, que teve seus bens controlados desde o início da carreira até a fase adulta, a especialista explica que não há motivo que justifique a criança esperar para ter consciência daquilo que é seu, mesmo pequena. 

“Não tem porque não falar, ‘olha esse trabalho dá dinheiro, vai ficar guardado e quando você for maior vai poder usar’ porque não tem nada de misterioso na forma como é possível uma criança trabalhar na infância e ter acesso ao seu dinheiro na vida adulta, né?”

Entendendo a raiz do problema

Para entender como o comportamento excessivo e abusivo dos pais se cria, Iaconelli ilustra com a junção de duas pessoas que se envolvem, se identificam e possuem interesses comuns. Ao se juntarem, abraçam a ascendência e descendência uma da outra. 

“A chance de aparecer alguma forma de violência não é pequena, e essa violência também diz respeito tanto à ascendência das gerações anteriores, mas à descendência também, porque os filhos também trazem novidades que às vezes a família não aceita”, explica Vera.

“Então você imagina, entra ascendência, quem veio antes da gente, e a nossa descendência, é muita gente com opiniões, desejos, religiões e crenças diferentes tendo que administrar o Natal e as relações”, exemplifica.

Mesmo com esse entendimento, identificar e entender esses fatores não é tarefa fácil, visto que “o que é tóxico pode mudar de uma geração para outra”, e cada caso é um caso. 

“Acho que a medida do adoecimento, é uma medida que nos deixa bem claro de que alguma coisa não tá legal, né? Mas também de uma infelicidade muito grande e de um sofrimento muito grande, né? Mas a gente tem que pensar em cada caso.” 

O papel dos pais na criação

A criação de um filho, segundo Vera, se dá muito antes de ele nascer. Ao pensar na questão, a ideia ocorre a partir de uma certa expectativa ou fantasia. 

“Eu quero que ele seja médico, que ele seja inteligente, que ele dance, a gente sempre tem projeto pro filho, e isso é importante, é bonito, não tem nada de ruim nisso, muito frequentemente os projetos são inconscientes (…) mas o filho nasce e ele é o que dá para ele ser”.

Deve-se, portanto, se atentar à motivação que levou ao gerar, para não colocar nos filhos, algo que foi idealizado pelos pais, como por exemplo, suprir algo com a companhia da criança ou sustentar um desejo próprio. 

“Então eu acho que tem que ter uma honestidade com a gente e as nossas motivações para ter filhos, que não são nada gloriosas (…) Porque o amor é amar o que o outro é, e não a nossa fantasia narcisista, né? Então é um processo de autoconhecimento”, conclui.

Assista a entrevista completa, abaixo:

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Carla Castanho

Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN

1 Comentário

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  1. EQUILÍBRIO!
    Algo tão tênue que até os mais santos pecam a granel. Dá – e deve-se – guiar pelos produtos científicos ou racionalização, para correr atrás de prejuízos; e até prevenir outros. Contudo, é preciso desarmar os espíritos, acima de tudo. Apenas usar um vade-mecum de comportamento é temerário que a criatura se volte contra o criador. É justamente o que enfrentamos no Ocidente, e no Brasil em particular, como a radicalização ideológica de direita (religiões fundamentalistas e credos políticos que se cria, superados), graças ao racionalismo extremado, logo, tóxico; sempre à distância do homem medíocre (a massa)… o “de bom modos, com licença, por engano”, como diz o Toquinho (Pequeno Perfil de Um Cidadão Comum; também com Belchior).
    Não esqueço a cena “atire a primeira pedra”, acho que no SBT, uns trinta atrás, assim que aprovado o ECA: Uma repórter “justiceira” (essa praga que a liberdade pós-Ditadura infelizmente trouxe de volta à nossa mídia), a entrevistar-acusar uma jovem mãe, do povo, num bairro popular paulistano, dirige-lhe a pergunta-acusação fatal: “Porque a senhora bateu nele?” Espumando de raiva por alguém sem a mínima autoridade lhe questionar, a jovem mãe devolve: “Bati, e bato! É eu pegar roubando de novo e vai apanhar. Se a senhora ou alguém está achando ruim que leve ele pra criar; mas ladrão comigo, não!” (Ninguém vira ladrão do dia pra noite; e em geral o primeiro estágio é entre os oito e quinze anos).
    Atitudes de libelê radical destas nos deram Bolsonaro e pior, o bolsonarismo. E apenas reduziu a intensidade no momento; mas permanece latente; fermentando. Que pode explodir a qualquer momento. Xingamentos, terraplanismo, negação da ciência, religião ensinando a odiar, famílias despedaçadas, tiros, mortes… continua brabo.
    EQUILIBRIO. Cultivar a alma. Ética. Acima da moral e das Leis. Leis que só se tornam imprescindíveis à medida que a ética desaparece. E não resolve. De todo.

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