Escalpelamento: uma tragédia anunciada

A região norte, sobretudo a área ribeirinha, guarda contornos sociais, políticos e culturais que chocam as pessoas de bem e limitam a capacidade de agir. Em agosto último, se comemoraria o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento.

Mas não houve festas, pelo menos para as vítimas desse infortúnio. Desde 2007 que tramita na Câmara dos Deputados federal algum tipo de projeto, indicação ou ementa versando sobre o assunto, porém, timidamente, somente dois foram transformados em Lei: PL 1531/2007 e PL 1883/2007. O primeiro, dois anos depois, tornou obrigatório o uso de proteção no motor e eixo das embarcações em todo território nacional, o segundo, três anos depois, instituiu o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento.

Parece-me, pelo visto, que os deputados e senadores não perceberam a importância e a gravidade da causa. Debruçam sobre seus próprios interesses, enquanto a sociedade Ziguezagueia com o pires não mão, ora no judiciário, ora na defensoria pública, ora na promotoria, ora nos gabinetes dos secretários municipal ou estadual. O poder legiferante tem transitado do legislativo para outros poderes, devido à inércia de nossos legisladores.

Com a desativação do garimpo de Serra Pelada (Pará), muitos motores utilizados no garimpo foram adaptados em embarcações ribeirinhas, trazendo perigo a centenas de milhares de pessoas que dependem economicamente da natureza em que vivem e, têm as embarcações como o seu principal e único meio de transportes.

O eixo do motor fica à mostra, fazendo o movimento de rotação numa velocidade tão rápida, que quando um cabelo cumprido encosta no eixo, ele é capaz de arrancar o couro cabeludo, sobrancelhas, orelhas, deformar nariz e boca de uma pessoa. E assim tem sido, já são quase 200 casos de escalpelamentos catalogados, na maior parte crianças. A fiscalização é muito ruim.  Conforme dito acima, o PL 1531/2007 transformado na Lei Ordinária 11970/2009, tornou obrigatório o uso de proteção no eixo do motor; é o que tem feito diminuir os casos de escalpelamento. O sofrimento é intenso e dura toda a vida. As pessoas, sobretudo mulheres que passaram por isso, não têm uma vida normal, além das constantes dores, tem a questão da estética, o cabelo nunca mais cresce.

Esse contexto mostra a importância de uma ação mais eficaz para dirimir os problemas e sofrimentos dessas vítimas do “acaso”. A Defensoria Pública da União se mobilizou para dirimir esses efeitos e a incidência desse tipo de acidente, trabalhando na prevenção e orientação. Muitos são os agentes envolvidos nessa causa e os resultados têm sido positivo. Mutirões foram feitos, algumas poucas dezenas de cirurgias foram realizadas no Pará. Mais ainda é pouco, falta transformar em Lei o PL 1879/2007, que dispõe sobre a Seguridade Social, cirurgias reparadoras e direitos trabalhistas às vítimas de escalpelamento nos acidentes com eixos dos motores de embarcações em todo o Território Nacional.

Até agora, em termos de benefício o máximo que conseguiram foi receber o seguro obrigatório de danos pessoais causados por embarcações ou suas cargas (seguro DPEM), faltam cirurgiões especialistas em reparação de orelhas, ausência de procedimento dessa natureza na tabela do SUS. O escalpelamento total foi equiparado à invalidez permanente, mais somente para efeito do seguro DPEM. O legislativo federal precisa dar uma resposta à altura do problema, enfrenta-lo e resolvê-lo. Essas medidas têm seu mérito, porém, algumas são paliativas e não resolvem o problema das vítimas de escalpelamento, que por sinal, são na maioria dos casos muito jovens. É preciso punir com prisão o responsável pelas embarcações sem proteção no eixo e que causem vítimas. O parágrafo 2° do artigo 4° da Lei 9.537/97 dispõe que nos casos de reincidência a multa será multiplicada por 3, a embarcação apreendida e a licença cassada. E o parágrafo 3° não exime o infrator das penalidades penais cabíveis.na prática o parágrafo 3º da referida lei nunca é aplicado.

Redação

7 Comentários

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  1. ‘País trata a Amazônia como colônia”

    http://migre.me/grssf – FOLHA

    Para o comandante militar da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é como uma colônia do Brasil. “Ela não está integrada ao país e, portanto, não há conhecimento de sua realidade e potencial”, diz o general Eduardo Villas Bôas, 61, desde 2011 à frente de 19 mil homens e 9.300 km de fronteiras.

    Em entrevista na sede do comando, em Manaus, ele citou a ausência estatal na floresta, criticou a política indigenista oficial, alertou sobre a ação de ONGs na região e aprovou, com ressalvas, o programa Mais Médicos.

    Evitou, porém, bater de frente com o governo federal, principalmente quando o assunto eram os índios. “Quando digo que há dois problemas na política indigenista do país, não faço críticas ao governo. Somos nós. Nós temos esse problema”, disse.

    Também evitou falar sobre a Comissão da Verdade, que apura a violação dos direitos humanos na ditadura militar.

    “Cada militar tem uma opinião sobre isso. É um assunto sensível. Se a gente ficar expressando, traz prejuízo tanto para o Exército quanto para o governo federal.”

    1. Colocação oportuna

      Essa colocação do comandante é bem oportuna. Eu sou do sudeste, pensava que conhecia parte da Amazônia pelo que via na TV. Isso aqui é outra realidade. Ninguém que nunca colocou os pés aqui pode dizer que conhece a Amazônia. A imprensa não dá a mínima. Fico boquiaberto, quando vejo um noticiário local dá uma notícia importante, e o noticiário nacional, que entra logo em seguida, nem tocar no assunto. O jornalismo local retransmite o nacional, mas o inverso não acontece. Aqui não têm correspondentes da grande imprensa. Terra de ninguém. Ou melhor, de poucos.

  2. Dolorido e assustador que a

    Dolorido e assustador que a prevenção rigorosa desses acidentes que causam tanto sofrimento não se façam com rigor e urgência. A quem compete cuidar dessas questões talvez seria de estimular de imediato o bloqueio físico do acesso de potenciais vítimas a esses peças giratórias por tampas adequadas. Investir em publicidade com campanhas de alerta tanto pelo governo como de empresas privadas visando educar os envolvidos e apontar soluções parece um gesto de lucidez e generosidade que pode e deve salvar vidas de um destino tão duro.

  3. providencias

    Tem que haver fiscalização nas embarcações, é dever do estado.

    MAS . . .  se vc depende desse tipo de transporte…

    Prender o cabelo ou usar cabelo curto seriam medidas eficazes para evitar esse problema também.

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